quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Deserto morto

02/12/07

Eu já estivera naquele lugar infinitas vezes. E sempre era a mesma coisa. Nada nos cercava, apenas a vastidão vazia. Uma terra desolada, um céu sem cores. A alguns metros de distância, ele me encarava, Despidos de tudo, nos confrontávamos. O deserto morto era nossa arena. Nossas armas, nossas palavras. Nossos escudos, nossa força de vontade. A falta desta, nossa mais exposta vulnerabilidade.
- Você vai voltar – ele disse.
- Como você tem tanta certeza? – repliquei friamente.
Ele abriu mais o sorriso cínico com o qual me observava. Eu sentia seus olhos penetrando fundo na minha alma, como se ela estivesse tão nua quanto meu corpo. E ele sabia disso.
- Eu posso ver, meu caro. Este é seu mais profundo desejo. Está enraizado no seu espírito.
- O que é meu eu posso mudar – minhas respostas eram rápidas, curtas. Ele tentava me atingir com sua retórica, eu defletia seus golpes com minha secura.
- Sem dúvida você pode! Tudo o que é seu você pode mudar. Afinal, não há nada nem ninguém, nenhuma ordem universal, que lhe diga o que fazer e sobreponha sua vontade!
- Exato. Nem você.
- Mas a chave é exatamente essa: vontade. Você pode pensar em mudar, mas você quer mudar?
- Minhas escolhas são minhas, e só eu sei se quero ou não tomá-las!
- ERRADO! – ele gritou. Aproximou-se e me rodeou enquanto sibilava.
- Você não tem segredos para mim e sabe disso. A qual tolo está tentando iludir? A mim? Desista! A algum observador? Não vejo platéia alguma aqui para você enganar com sua falsa determinação. Se estiver tentando enganar alguém, só se for a si mesmo!
Não consegui reagir rápido desta vez. Ele aproveitou o instante de silêncio para renovar o ataque.
- Você vai voltar, e eu sei disso. Por quê? É simples: porque é lá que tudo lhe espera.
Não, não podia ser assim... Eu tinha que reagir, mas ele não parava.
- Porque aqui... Aqui você não tem nada!
- Agora é você que está errado! – exclamei com força renovada. Mas o sorriso não abandonou seu rosto.
- Estou, é?
- Sim! Aqui eu tenho alguma coisa.
Ele apenas me fitou ironicamente.
- Aqui eu tenho ELA!
Ficou um tempo quieto. Achei que o tinha atingido, finalmente. Mas logo ele explodiu numa gargalhada.
- Ela? Ela??? Sim, aqui você a tem! Mas é só o que tem! E me diga uma coisa: ela, apenas ela, vale não ter mais nada???
Diante de seu grito, desviei os olhos. Pela primeira vez, minha voz saiu gaguejada, hesitante.
- E-eu... não sei...
- Há, há, há! Eu sei que você não sabe, pobre miserável! Em momento algum você pôde me enganar! Talvez você não saiba quem é, e o que deseja, mas EU SEI! E vejo suas dúvidas, suas mais profundas e estúpidas fragilidades, com a clareza do mais puro dos cristais! Você não pode me ludibriar, meu caro. Nosso embate chegou ao fim...
Minha cabeça estava baixa. Nada pude falar por um longo tempo. Ele deu as costas e caminhava triunfalmente para o horizonte. Não... Aquilo não podia acabar assim. Por mim, e por ela, eu tinha que lutar!
- Não acabou ainda! Você não vai vencer tão facilmente!
Ele parou e voltou-se lentamente. Seus olhos brilhavam e sua boca ainda carregava aquele sorriso, ah!, aquele maldito esgar de crueldade e cinismo, com o qual rasgava minhas defesas e perscrutava meus pensamentos! Sua expressão não negava: ele não tinha a menor dúvida de que, após tudo, iria me derrotar, e que meus esforços nada mais eram que o estrebuchar morto-vivo de um inseto esmagado em suas mãos...
A batalha prosseguiu por eras, éons, tempos e universos inteiros nascendo e colapsando diante de nossos desafios. A minha decisão final, se me mantive forte ou se cedi ao seu vil palavreado, não interessa, no fim das contas. Declarei-a com um sorriso e uma expressão segura, manto perfeito que recobria os despojos do confronto. Afinal, não existem vencedores ou perdedores numa batalha, quando se enfrenta o mais temido dos inimigos e se duela consigo mesmo.

Um comentário:

Rodrigo Oliveira disse...

Niilista como o autor, mas com um visual professor Xavier ehehehe O lance da nudez foi essencial. bem aplicado.