sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O jubileu da tua ausência

Uma vez por ano eu me perdia em você. Há 6 anos já, a mesma história e o mesmo mês: outubro. O nosso mês. Uma vez por ano você me escrevia dizendo que sentira saudades. Sei que talvez nem se lembrasse da cor âmbar que os meus olhos fazem quando se encontram com uma forte luz de sol, mas eu gostava de sabê-lo pensando em mim. Acontece que, este ano, outubro se estendeu mais longo sobre a minha cama, que já é grande demais. Este ano minha caixa de e-mails, minha caixa de correio e minha caixa torácica permaneceram vazias de você. Feliz aniversário, baby: um ano sem o ter.

Talvez você estranhe este envelope sem remetente. É que eu quero acreditar que você reconhecerá a minha letra – e minha história. Quero crer que foi descuido e não desamor. Porque, mesmo que você não veja, eu passo o ano esperando pela gente. Eu sei que quebrei as regras quando liguei em março, disposta a dissolver a distância. E apesar de você ter me negado a doçura do encontro, apesar do não mais seco do mundo ter saído da sua boca, do seu teclado, do seu celular... Apesar de tudo eu esperei por outubro. Eu acreditei em outubro.

Então que hoje é dia 31 e estou soprando a velinha da sua ausência, sozinha na casa assombrada pelo seu fantasma. Mas não se preocupe comigo. Isso tudo é só porque é dia das bruxas e insisto na puerilidade de usar esta fantasia erótica para você. Só que daqui a dois dias já é finados: poderei rezar um terço, vestir a roupa preta sobre a lingerie inútil e enterrá-lo para sempre. Ou, simplesmente, deixar-me estar em luto por mais um ano, até que chegue outubro e você possa me negar de novo. Eu nunca consigo sepultar a esperança. Feliz aniversário, baby. 

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Sílvia Mendes, leitora de Camboriú (SC).

Tema: Rodada Especial - Um Ano

Amanhã, dia 1° de novembro, o Duelo de Escritores completa um ano. Para comemorar essa data, uma rodada especial vai acontecer por aqui: qualquer leitor poderá ter seus textos publicados no Duelo de Escritores. Uma rodada em que vocês serão os duelistas. Basta enviar, até o dia 06 de novembro, um conto, crônica, poema - vale qualquer estilo literário - com o tema "Um ano" para o e-mail duelodeescritores@gmail.com.

Junto com o texto, pedimos que o leitor envie o tema que escolherá para a próxima rodada, caso seja o vencedor. Também pedimos que seja encaminhado, junto ao texto, nome e endereço completos do participante, com CEP.

Participem! Agora vocês serão os duelistas. A gente vai ficar só assistindo. E votando junto com vocês!

OBS: Os autores dos textos enviados para publicação se responsabilizarão por eventuais direitos autorais e erros gramaticais. Durante esta rodada o Duelo de Escritores isenta-se de responsabilidades referentes ao conteúdo dos textos enviados por seus leitores. Quaisquer casos omissos ou não previstos serão analisados pelo Duelo de Escritores e sua decisão, caso necessária, será irrevogável.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Votação

Está aberta a votação para o tema "A missão". Deixe seu voto nos comentários deste tópico até 30/10.

Brotos retorcidos

Um vazio desprovido de forma, cor e verbo
Deserto estéril onde idéias tentam se nutrir
Cada ascensão, uma nova queda no vazio
Tentativas tornam-se decepções a emergir
Nada cresce na vastidão de espessa aridez
Novos brotos secam e definham retorcidos
Sem chance de crescer e estenderem-se ao sol
Símbolos da morte tal como sonhos destruídos
Deste deserto tento arrancar alguma erva viva
Corro atrás da palavra necessária, tão furtiva
Mas o verso segue inacabado em meio à desolação
Na esterilidade escaldante da falta de inspiração
Eu tinha uma missão, de mim não esperavam falhas
Mas, indo de nada a nada, só resta curvar-me às vaias...

domingo, 26 de outubro de 2008

Todos têm uma missão

Tristes são estes humanos. Não os pobres desalmados que carrego, mas os que ficam, aos prantos, jurando que sou a pior das criaturas. Mal sabem os coitados que não passo de uma transportadora e se faço o que faço é porque o patrão quis assim.

Desde pequena fui ensinada a chegar aos humanos com máxima discrição, mas eles vivem tentando impedir minha aproximação. Às vezes choro. É um trabalho extenuante. Sabe como é. Uma hora cansa. Fico pensando e repensando qual o propósito de tantos carregamentos. O que ele quer com tantas almas? Deve ser um projeto muito grande, pois trabalho dia e noite desde que minha mãe me deu esta fantasia ridícula. Diz ela que foi uma adaptação necessária para satisfazer ao imaginário dos humanos de hoje em dia.

Antigamente ninguém se importava com a aparência da morte. Ela tinha sorte. Hoje passo horas preciosas me arrumando para o trabalho, todo dia. Ah! Tem mais. Lembro que quando eu era pequena os humanos eram pontuais com minha mãe. Agora eles insistem em fazer hora-extra a todo custo. Alguns deles por pura teimosia. Sabem que já completaram suas missões, mas insistem em continuar por aí, vagando.

Certo dia, um homem virou para mim e teve a audácia de falar comigo. Dizia que, agora, ele era feito nuvem. Não entendi. Só depois parei e percebi que ele queria dizer que nem raio o atingia. Ele já tinha acabado de completar sua missão e disse esse absurdo só pra me provocar. Eu mesma vi o momento da conclusão. Queria levá-lo para o patrão no segundo seguinte, mas não teve jeito. Ele parecia um sujeito feliz e isso me dava náuseas. Também quero ser feliz um dia. Mas o patrão diz que minha função é nobre, que um dia serei recompensada e que só vou poder gozar de tudo que a existência (não confundir com vida) pode me oferecer depois que ele terminar sua obra.

Sinceramente, não acredito mais nisso. Parece que ele só quer alimentar meus sonhos para que eu não desista do trabalho. Mas quer saber? Já estou farta disso. Estou no meu limite. Sei que ainda tenho muito o que fazer, mas estou prestes a mostrar os dentes e parar de carregar almas daqui pra lá e de lá pra cá. Estou divagando sobre tudo isso porque preciso descobrir o que realmente é ter uma missão. Não é fazer um trabalho que nos foi imposto, mas algo que se deseje muito. Algo que mude completamente tudo aquilo que pensamos. Algo que quando conseguirmos concluir podemos nos dar por completos. Será que eu posso ter uma missão?

Missão do dia

Depois de uma noite agonizante e mal dormida, ele levantou. Trocou o suco natural por uma xícara generosa de café. Era o que ele gostava, afinal. Ao invés do terno, colocou a primeira calça que viu no armário, a sandália de couro que mais gostava e a camisa de promoção. Ao invés de andar de carro, resolveu ir andando para o trabalho. Odiava trânsito. Em cima da mesa, bilhetes do chefe o lembravam de assuntos pendentes.

No primeiro telefonema para um cliente, antes mesmo que alguém chegasse ao escritório, não controlou os desacatos. O cara era um filho da puta e ele sempre teve vontade de dizer isso. Desligou o telefone com o sentimento de missão cumprida. A boa sensação foi interrompida pelo estridente grito, alguns minutos depois. “Ficou louco? Além dessa roupa completamente inapropriada, ainda enches o cliente de xingamentos?”.

Na volta pra casa, apesar de sem emprego, ele se sentia feliz. Tinha conseguido ser ele mesmo, de verdade. Sem imposições, sem fingimentos. Gargalhava ao lembrar a voz do outro lado da linha sem reação àquele monte de verdades.

Deitou-se no sofá e viu filmes idiotas que sempre foram seus preferidos, mesmo que ele não admitisse. Cachorro jogando basquete ao invés de passar o filme inteiro tentando descobrir quem tinha matado o moçinho. Desligou a tevê e resolveu surfar. No meio do caminho, encontrou um colega chato de faculdade. Não só não o cumprimentou como o deixou com a mão voando no ar, sem resposta. Virou pra trás, soltou uma gargalhada e ainda mostrou-lhe o dedo do meio. Sempre quisera fazer aquilo.

Ficou no sol até as duas da tarde, e quando chegou o horário que todos diziam que era bom para se expor ao sol foi pra casa. Onde já se viu achar que mandam nele? Chegou e um amigo o esperava, preocupado. “Tua namorada tentou te chifrar comigo e com toda a torcida do Flamengo, meu irmão. Tens mais com o que se preocupar”.

Adormeceu no sofá, rodeado de pacotes vazios das mais variadas besteiras. Levantou passando mal. O dia acabou e ele tinha cumprido sua missão: não vestiu personagens nas últimas 24 horas. Sem amigos, sem emprego e completamente infeliz. Decidiu que a partir do dia seguinte, seria novamente uma farsa. A máscara pelo menos conseguia suportar um sorriso.

A Missão

Chegou em casa cansada, mas satisfeita. A aula havia sido boa, os alunos participado. Deixou as coisas sobre a escrivaninha, despiu-se, desfez o rabo de cavalo e amarrou o cabelo em um coque acima da cabeça. Foi ao banheiro, entrou no box, ligou o chuveiro. Deixou que a água quente escalasse as paredes do box em forma de vapor. Depois deixou que ela lhe massageasse as costas, lavando o resto da semana que ali ainda se agarrava.

A última aula de sexta era sempre a mais complicada; os alunos querendo sair para o fim de semana. "Enquanto o esforço é curto a missão não é cumprida", dizia. E mais uma vez ela tinha conseguido consquitar a classe. Descobriu o site, indicação de uma amiga. Internet sempre conquistava os alunos. Não custava tentar. Gostou da idéia dos micro-contos. Trabalharia em aula com algo que despertasse a criatividade dos alunos, algo leve que lhes mantivesse a atenção, e algo rápido que ela poderia corrigir sem perder mais um final de semana sobre os trabalhos colegiais. Aproveitou o tema proposto para usar com os alunos. Gostou da idéia; ela também cumpria uma missão. Desligou o chuveiro, puxou a toalha de cima do box. Secou-se ainda envolvida pelo vapor e, enrolada na tolha, enfrentou o frio. Cruzou o corredor até o único quarto do pequeno imóvel. Vestiu um moleton bastante usado e confortável. Refez o rabo de cavalo.

Foi à sala-cozinha preparar um café, já com os trabalhos à mão. Sentou no sofá com a pasta da escola sobre a mesa de centro e a caneta vermelha entre os dedos. Com as pernas encolhidas sobre o móvel e os pés escondidos sob uma almofada, puxou a primeira folha:

"A missão da missão omite a omissão da missão."

Tomou a próxima folha e seguiu a leitura:

"Na pia batismal o missionário se banhava. Nu, renasceu puro e molhado frente às beatas descrentes."

Riu e continou a ler folhas e folhas. Cada uma com pouco mais de uma linha escrita. Cada uma, esperava, estopim de algo mais, que se acendesse em seus alunos.

sábado, 25 de outubro de 2008

Fã-Clube

Fazia 20 anos que Fred não escrevia um livro. Isso não é mentira, mas também não é bem verdade. Na realidade, fazia 20 anos que Fred não escrevia exatamente nada.

Há 20 anos, Fred lançou seu último livro, exatamente no dia que sua mulher morreu brutalmente assassinada. A forma da morte? Detalhadamente a mesma descrita em seu romance policial, lançado na mesma noite.

No início, a polícia imaginou que Fred era o assassino, e teria descrito em obra o jeito horripilante que mataria a mulher. Ele chegou a ser preso, mas o álibi de uma noite de autógrafos na capital logo o libertou, deixando-o entregue aos seus pensamentos e à vontade constante de vingança.

Os jornais noticiaram na capa a manchete que falava sobre mulher de escritor ser assassinada com os mesmos requintes de crueldade descritos no mais perturbador de seus livros. Livro este que foi rechaçado pela crítica que o chamou de “bestial e selvagem”. E assim foi a morte de Gabriela, sua esposa. Bestial e selvagem.

Três meses depois, Vinícius morre violentamente quando volta da escola. Ele tinha apenas 17 anos, e nenhuma ligação com Gabriela ou Fred. Gustavo teve o mesmo fim, arremessado do topo de um edifício no Centro da cidade. Gustavo não era amigo de Vinícius, Fred ou Gabriela. Cristiano conhecia Gustavo, e morreu assassinado quando caminhava em direção à biblioteca. Estes rapazes, e outros tantos que vieram a seguir, não tinham nenhuma grande ligação entre si ou com Fred e Gabriela. Apenas eram fãs do autor. Grandes fãs, os maiores.

Sempre eram os primeiros da fila para comprar os livros em seu lançamento. Eram os únicos que tinham suas obras autografadas. O mesmo grupo de cerca de dez garotos que tinham o privilégio de receber um autógrafo do excêntrico autor. E eram os únicos que tinham tanta voracidade pela leitura doentia proporcionada pelas obras de Fred a ponto de conseguirem terminar de ler o seu maior e mais cruel livro tão rapidamente.

Sujo de sangue, o escritor pegou a caneta, riscou o nome de Gian da lista impressa no site de seu próprio fã-clube e depois rolou com o pé o corpo do jovem pela encosta do rio. Dobrou a folha em quatro pedaços, colocou-a no bolso da jaqueta e falou consigo mesmo: calma, Gabriela, só faltam dois.

Escrito em 25/07/2007

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Tema da Rodada

Já que o dia 21 está começando, nada mais justo do que sugerir um tema novo. Todos já devem ter percebido que gosto de temas abrangentes, então lá vai:

O tema da rodada é “A MISSÃO”.

Duelistas têm até o dia 26 para publicar seus textos.

Leitores: Dia primeiro de novembro o Duelo de Escritores completa um ano de vida. Prepare-se porque surpresas podem aparecer neste aniversário.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Votação: Condição

Está aberta a votação para o tema Condição. Até o dia 20 de outubro os votos serão contabilizados para decidir quem será o campeão dessa rodada.

Lembre-se! Leia todos os textos, analise a dê seu voto ao melhor conto. Os votos de leitores, a partir desta rodada, têm o mesmo peso dos votos dos duelistas.

PREPARE-SE

No dia 1º de novembro o Duelo de Escritores faz um ano. Estamos preparando uma rodada especial e os concorrentes serão vocês, nossos leitores. Agende-se e aguarde. Traremos mais informações na próxima rodada.

Experimento

11/01/08

- Quais são as condições?
- Padrão. Nenhuma distorção regional significativa. Sem quasares, sem buracos negros. Apenas os buracos de minhoca, e nenhum conduzindo para fora da região.
- Galáxia de tamanho médio, formato e densidade de matéria usual. O isolamento relativo tem algum significado?
- Sem interferência externa. Sistema semi-fechado.
- Muito bem, qual o experimento?
- Vida emergindo com frequência elevada. Diversas manifestações, mas apenas um padrão de consciência emergindo.
- Isto geralmente implica em grande sobreposição.
- Exato. Potencializada por uma elevada congruência no uso do meio, em relação às formas mais elevadas.
- E a morfologia? Variável ou restrita?
- Fortemente restrita para as formas capazes de viajar pelo vácuo relativo. Um módulo principal, um cognitivo / sensorial, quatro auxiliares.
- Não são padrões demais?
- Faz parte do experimento.
- Quais os objetivos?
- Verificar os efeitos da sobreposição na evolução do sistema.
- Interessante. Previsão para os resultados?
- Iniciando a partir de cinquenta rotações da galáxia. Segundo a Lei Máxima, agora só podemos esperar para ver.

* * *

- A vida realmente está florescendo em abundância.
- Sim. A primeira viagem no vácuo relativo foi feita muito cedo.
- Isto pode desequilibrar o sistema rapidamente.
- Fiz os ajustes necessários para evitar um desequilíbrio precoce.
- Isolamento?
- Exato. Deste modo, o avanço da tecnologia também é significativamente retardado. O nivelamento permite maior riqueza de interações.
- O momento das interações parece bem próximo.
- Veremos o que vai ocorrer.

* * *

- Conflito.
- Exato. Resultado perfeitamente compreensível, dada a sobreposição.
- A semelhança de padrões de consciência não poderia levar à harmonia? Por facilitar a comunicação?
- Talvez. Pontualmente e temporariamente ela emerge, mas sempre de maneira condicional. Por exemplo, a forma precoce e dominante está aliada a outras duas formas consideravelmente derivadas.
- Mas, ao que parece, a harmonia não é o padrão.
- De modo algum. O conflito predomina. Curiosamente, parece potencializado pela sobreposição não-total da consciência.
- Sobreposição de recursos e pequenas diferenças de consciência levando ao conflito.
- Exato. A forma dominante parece ter compreendido. Seu esforço de guerra parece voltado para a padronização completa.
- E como seus aliados reagem?
- Pesam entre o poder da forma dominante e o temor da padronização. Duas formas derivadas unidas a uma forma dominante não parece um arranjo equilibrado. O sub-sistema é extremamente instável.

* * *

- Traição.
- Resultado esperado.
- Teria gerado aniquilação, se não fosse pela intervenção.
- Provavelmente. A forma dominante era significativamente mais poderosa. O resultado seria diferente se não tivessem feito a descoberta e não fossem mais os mesmos.
- E agora?
- As duas formas remanescentes continuam a apresentar um desequilíbrio. O resultado é óbvio.
- Será o conflito entre formas com diferentes graus de derivação um padrão?
- Sem dúvida.

* * *

- Muitos sub-experimentos estão em curso concomitantemente com o principal, não?
- Exato. Mas às vezes é preciso fazer pequenos ajustes. Para manter a riqueza de interações.
- Tais intervenções não atrapalham os resultados do experimento principal?
- Não, estes são robustos o bastante para resistir a intervenções. Os padrões centrais estão claros: sobreposição no uso do ambiente; derivação em ritmos desiguais; consciência sujeita a pequenas diferenças. Todas as condições geram o conflito. É natural, esperado e inerente ao sistema.
- E os sub-experimentos?
- Centrados em ver como diversas condições menores implicam no comportamento das formas ao longo do tempo. Um exemplo está neste sub-sistema. As formas do terceiro corpo interno.
- Parece apresentar uma combinação peculiar de derivação e primitividade.
- Exato. A lógica é observar como se comportam após o contato.
- No momento, a probabilidade parece ser de aniquilamento rápido.
- Sim, mas pequenos ajustes serão feitos. Do tipo que alguns indivíduos da forma chamariam de "acaso fortuito", outros de "milagre".
- Mas tudo será feito de modo que nenhuma das formas terá noção de seu verdadeiro papel no universo, correto?
- Correto. A antiga forma dominante foi exceção. E servirá bem para nossos fins.
- Que assim seja. Pois a ignorância é uma condição básica do experimento primordial.
- Exato.

À margem

Se eu estiver calado não me perguntes o porquê. Enquanto fitar o horizonte, estarei perdido em devaneios e pouco poderei responder. Contando que meus olhos estejam voltados para mim, não terei chance alguma de expor o que penso... sinto... vejo... então, apenas calo. A menos que me vejas abrir-me ao mundo, não forces uma aproximação atrapalhada. Pois, contando que estou perdido em mim mesmo, preciso apenas redescobrir-me... reescrever-me... redesenhar-me... E, por final, caso penses que estou louco, uma vez que tenhas lido tudo isso, faças o que quiseres. Perguntes... aproximes... desde que aceites nossa condição de estar sempre (apenas) beirando a harmonia.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A Condição do Principado

Ainda te demoraste alguns minutos naquela última frase, com o restante das folhas manuscritas na outra mão. Não a lias mais, apenas a olhavas. O conteúdo, já gravado na memória confusa: “Mas o protagonista desta história, leitor, não sou eu”. Finalmente levantaste a cabeça para a figura do velho, retratada como há pouco havias lido, escorado numa das paredes de tora da casa. Quando falaste, a voz saiu-te baixa, mas firme. Uma constatação que, estranhamente, não foi tão pesarosa quanto esperavas:

— O protagonista sou eu.

O velho, na mesma jardineira parda descrita na carta, esboçou um leve aceno afirmativo de cabeça, mas interrompeu o movimento breve para ir até o fogão de pedra no centro da sala.

— O protagonista desta história já morreu — completaste. O velho não precisou responder.

Ficaste olhando as costas entroncadas e pensaste ainda que não lhe parecia bem um príncipe. Ele lançou-te um olhar ancestral por sobre o ombro, que não pudeste suportar. Desviaste os teus, inda jovens, para a porta, esbarrando-os na enxada afiada ao lado dela.

“Às vezes o grão despenca antes do tempo e não pode ser colhido pela foice. Aí vem a mim.” A passagem lhe veio à mente como se ainda a estivesses lendo.

— Então foi isso que me aconteceu? —Perguntaste à enxada ao lado da porta. Mas foi o velho junto ao fogão que te respondeu, virando-se para ti com as mãos ocupadas por duas xícaras fumegantes de metal:

— A você e a todos que passaram por aqui antes de você. Inclusive a quem escreveu essa carta.

— Inclusive a você? — Inquiriste já com uma das xícaras quentes nas mãos. Não sorveste o líquido. Sabias que poderias esperar até que esfriasse. Já sabias que havia tempo de sobra.

O velho parou à tua frente. Olhos fixos nos teus. Mas perdidos em um tempo muito distante, vago, nublado, como a fumaça branca que lhe escalava as barbas ralas. Ele se afastou, sentou noutra cadeira a alguma distância, inclinando-se para trás, equilibrado em dois pés do móvel, apenas.

— A todos que já estiveram aqui, respondeu.

— E como foi que aconteceu? Com você, quero dizer.

Ele pensou um pouco antes de responder-te. Ao que disse:
— Já não lembro. O tempo que passamos aqui, entre a névoa, apaga o aconteceu antes. Esqueci. Você também vai esquecer. Já está acontecendo.
Ele tinha razão, percebeste. A névoa que se instalava do lado de fora da casa no meio da mata, também se instalava em tuas memórias, já diáfanas, nada mais que um vulto acinzentado.

— E antes de você, havia outro Príncipe que o recebeu?

— Não — respondeu-te o velho — eu fui o primeiro dentre nós. O primeiro dentre todos. O primeiro grão a se precipitar antes da colheita. O primeiro a se apaixonar por ela. A desejar o beijo prematuro. Eu não podia esperar. Não havia tempo. Não queria esperar. E me precipitei. Quando saí das árvores, avistei o mesmo trapiche que você encontrou. Fui até o mesmo homenzinho que lhe trouxe aqui. E, pela primeira vez, eu a vi. A pele queimada, os olhos vibrantes, os ombros nus. Eu quis ir até ela, mas o homenzinho não deixou. Disse que eu não poderia fazer a travessia. Que ainda não era hora. Eu não podia ficar ali, meu nome não estava na lista, ele dizia. Não ainda. Tudo o que me restou foi esperar. Eu procurei um lugar pra esperar, aqui entre as árvores. Esperei até não agüentar mais essa névoa. Então construí essa casa. E continuei a esperar, aqui. Sozinho. O único da nossa espécie. O primeiro. Enquanto esperava, a lembrança dela me fazia companhia. Das mãos da camponesa, dos ombros nus de pele tisnada. Da cor do vestido, do jeito de olhar. Até que percebi que já não esperava mais a travessia. Esperava apenas ver a camponesa de novo. A Dama da Colheita. Um dia o homenzinho me achou aqui. Disse que tinha chegado minha hora. Que eu já poderia fazer a travessia. Finalmente eu poderia revê-la! Quando cheguei à margem, ela me recebeu. E conversamos por um bom tempo até a chegada da balsa. Mas quando chegou o momento, percebi que apenas eu faria a travessia. Ela teria de ficar ali. Eu jamais a veria novamente. Foi quando eu tomei a decisão. De ficar, para sempre, à margem. De jamais completar a travessia. De, para sempre, caminhar entre a névoa. Só pela chance de, vez por outra, tornar a revê-la, mesmo que não possa tê-la. O homenzinho não gostou. Disse que meu nome estava na lista. Que eu tinha que cruzar. “Nenhum nome na lista pode ficar, ninguém fora dela pode cruzar”, ele repetia. Mas outros como eu viriam. Outros como nós. Suicidas. Condenados a esperar. Nomes fora da lista. Alguém deveria aguardar por eles. Eis que me tornei o Príncipe dos Suicidas. O Portador da Enxada. Aquele que recolhe os grãos que se precipitaram antes da colheita. Que coleta com a enxada aqueles que a foice não alcança. Todos aqueles que se apaixonaram por ela, mas que jamais poderão a ter. Esse é o nosso Desígnio.

— Nosso? — Ainda perguntaste preocupado, tirando o velho dos seus desvarios. Ele respondeu, com um suspiro, ainda olhando as brumas pela janela.

— Não, nosso não. Eles, e você, todos cruzarão, a seu tempo, o rio. Ninguém pode viver à margem, sem completar a travessia. Apenas eu. À margem, entre as névoas, esperando, para sempre. Essa é a Condição. A Eterna Condição. Não há nós. Não para mim. Jamais haverá.

Em silêncio, guardaste a carta que leste, de outro que já estivera onde agora estavas. E compreendeste, olhando o líquido fumegante que embaçava os olhos do Príncipe. Há tempo. Há tempo de sobra. Tempo é tudo o que tem, o Príncipe dos Suicidas.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A condição da existência

A condição da vida é a morte. Do azar, a sorte. Da saudade, a distância. A condição da paixão é a entrega. Do amor, a verdade. Do futuro, o presente. A condição da música é a melodia. Da poesia, a palavra. Do vento, a calmaria. A condição da tristeza é a alegria. Das lágrimas, o sorriso. Do fracasso, os ganhos. A condição do branco é o preto. Do perfume, o odor. Do silêncio, o barulho. A condição da emoção é o sentimento. Do frio, o calor. Da solidão, o desejo.

A condição da morte é a vida. Da sorte, o azar. Da distância, a saudade. A condição da entrega é a paixão. Da verdade, o amor. Do presente, o futuro. A condição da melodia é a música. Da palavra, a poesia. Da calmaria, o vento. A condição da alegria é a tristeza. Do sorriso, as lágrimas. Dos ganhos, o fracasso. A condição do preto é o branco. Do odor, o perfume. Do barulho, o silêncio. O sentimento é a condição da emoção. Do calor, o frio. Do desejo, a solidão. 

A condição da existência é a condição. E vice-versa.

Ciclo

Conheceu-a sob a condição de não beijá-la.
Beijou sob a condição de que mantivesse segredo.
Manteve sob a condição de que a levasse para a cama.
Levou-a sob a condição de satisfazê-la desde a primeira vez.
Satisfez sob a condição de chamá-la para sair mais vezes.
Chamou sob a condição de não se apaixonar.
Apaixonou-se sob a condição de namorar.
Namorou sob a condição de não trair.
Foi fiel sob a condição de ser feliz.
Foi feliz sob a condição de que fosse eterno.
Eternizou-a sob a condição de cantá-la.
Cantou sob a condição de se entregar.
Entregou-se sob a condição de não sofrer.
Sofreu sob a condição de não se ferir.
Feriu-se sob a condição de esquecê-la.
Esqueceu sob a condição de trocá-la por outra.
Trocou sob a condição de não se apaixonar.
Apaixonou-se sob a condição de não começar tudo de novo.
Começou sob a condição de não cometer os mesmos erros.
Cometeu.

sábado, 11 de outubro de 2008

Mudanças no Duelo de Escritores

O Duelo está se aproximando do seu primeiro aniversário, no próximo dia 1 de novembro. Nós queremos agradecer muito aos leitores que têm visitado e participado com votos e comentários do Duelo. A última rodada foi a com maior número de votos até o momento (naturalmente, não eram textos difíceis de ler...) e tivemos quase 2 mil acessos no mês que passou.

A participação dos leitores é uma das melhores partes do Duelo para nós e, por conta disso, estamos fazendo uma nova mudança no sistema de votação. Em vez do voto dos duelistas valer 2 pontos e dos leitores 1 ponto, todos os votos passarão a ter o mesmo peso a partir desta rodada. Cada voto do público vai, mais do que nunca, decidir o resultado final!

E vocês, têm alguma outra sugestão para nós? Alguma crítica? Acham que poderíamos mudar algo nos prazos, no esquema das rodadas, no Duelo em si? Deixem suas opiniões nos comentários deste tópico ou mandem para duelodeescritores@gmail.com, queremos ouvir o que vocês têm a dizer!

Novo tema

Thiago Floriano pediu que eu postasse o tema por ele, e me enviou por sms.

O tema da rodada é: CONDIÇÃO!

Textos devem ser postados até o dia 16 de outubro.

Bom trabalho a todos.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Votação

Está aberta a votação para o tema "micro-conto". Leiam os cinco textos (não é uma tarefa muito difícil desta vez... ;) ) e deixem seu voto nos comentários deste tópico. Participem, pessoal!

domingo, 5 de outubro de 2008

Quase

Queria, impreterivelmente, começar seu menor conto pela maior palavra. Quase conseguiu.

sábado, 4 de outubro de 2008

A mesma noite, outra vez

Ele a queria, mas era tímido. Ela tinha interesse, mas não era seu papel. Ele encheu a cara. Ela beijou um desconhecido.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Desencontro

No caminho até sua amada, beijou o dorso de uma máquina. Cuspiu frases de amor entre sangue e ferro retorcido.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Namoro Virtual

Apaixonado, fechou os olhos e beijou-a. Assustado, separou os lábios da fria tela do computador.

Mascarado

A máscara caiu. Corou, chorou. Descobriu não saber protagonizar a própria vida. Morreu por dentro.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Tema da Rodada

Para a próxima rodada, vamos exercitar o nosso poder de síntese. O próximo tema será: Micro-conto. Os textos devem ser desenvolvidos em, no máximo, 100 caracteres, e postados até o dia 06/10/2008.

Tema inspirado pelo projeto "A Casa das Mil Portas". Fica o crédito para eles.