quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Votação - Texto humorístico

Está aberta a votação da rodada.

Participe indicando seu texto preferido neste tópico até o dia 30 de agosto.

Sozinho

* 13/abr/2009 *¹

Maria das Dores precisava sair e não tinha com quem deixar Fotolito. Já estava levando o pequeno Linotipo no colo e seria muito difícil cuidar dos dois. “Ele já é grandinho”, pensou e, virando na direção de Fotolito, continuou.

- Foto! A mamãe precisa sair uns minutinhos. Se eu te deixar sozinho, promete se comportar?

Enquanto dizia que sim, o olhar de Fotolito denunciava a figa que fazia com as mãos atrás do corpo.

- Então ta. Só não sai de dentro de casa enquanto eu não chegar e não mexe no fogão.
Saiu com o bebê entre os braços, trancando a porta sem olhar para trás. Era a primeira vez que deixava o filho sozinho em casa. “Não sai casa… não mexe fogão”, era tudo que ele lembrava. Brincou, correu, pulou. Fez guerra de travesseiro com um amigo imaginário, desenhou um boneco no espelho e chutou a bola na mesa da cozinha, derrubando uma xícara. Foi aí que a fome bateu. “Não mexe fogão”, lembrava enquanto o estomago dizia “comer, comer, comer, comer, comer”.

Ele não podia contrarias as regras básicas, senão não teria chance de ficar sem a mãe em casa tão cedo. Abriu a despensa procurando um pacote de bolachas. Não encontrou. Achou um pacote de macarrão instantâneo. Abriu e tentou comer. Não gostou. Teve uma ideia.

Maria das Dores abriu a porta de casa e ouviu barulho de chuveiro. Será que Joselito tinha chegado mais cedo da gráfica? Chamou por Foto, mas não obteve resposta. Caminhou, preocupada, até o banheiro e lá estava o pequeno Fotolito, com a roupa toda molhada, segurando um escorredor de macarrão sob a água quente que vertia do chuveiro.

¹ Texto escrito para o blog Um Momento (www.thiagofloriano.com.br).

Amigassssss.

- Próton.
- Alô?
- Oi, Juju.
- Próton?
- É como eu atenderia o telefone se eu fosse um elétron.
- Quarenta dias, amiga.
- Sem nadica?
- Só na malhação pra gastar energia.
- Pensa, vais ficar tão magra que quando tu colocar um vestido vermelho vai parecer um aranhão.
- Hm.. er... é.
- E a faculdade?
- Corrida, fofa. Corrida.
- Pensa que pelo menos tu não vai ser como aquela mulher que é burra, mas tão burra que tropeçou no fio do celular.
- Maneiro.
- Vamos no cinema?
- Hum, pode ser.
- Batman?
- Pode ser.
- Sabe como ele e o Robin se conheceram?
- Hãm.
- No bat-papo. E sabe como ele abre a bat-caverna?
- C-o-m-o?
- Ele bat-palma.
- Acho que tô começando a passar mal.
- Vai no gineco. Aliás, sabe qual a semelhança dele com o entregador de pizza? Ambos podem cheirar e ver, mas não podem comer, ahá!
- Hum.
- O que o passarinho falou para a passarinha?
- ...
- Quer danoninho?
- Faz um mês que eu não dou e tu tá aqui tentando me fazer rir de piadas idiotas sobre sexo de passarinhos, é isso?
- Pensa tu nunca vai poder ser humorista como eu.
- Graças a Deus!
- Pede porque, pede porque.
- Fala.
- Porque você não foi gozada.

A ligação caiu. Bem, pelo menos foi isso que pareceu. Ah, e ela nunca mais levantou, tadinha.

A prece

“Pai nosso, que estais no céu...”

- Fala, filho.

Silêncio.

“Pai nosso, que estais no céu..”

- Fala, pode falar.
- Er... quem tá aí?
- Eu, ué. Você não chamou?
- “Eu” quem? Quem tá aí, que merda é essa?
- Sou eu, cacete. O Pai. Você chamou, eu respondi.
- D-Deus?
- Eu mesmo. Diz aí, no que eu posso te ajudar?
- C-Como assim? Quem merda é essa?
- Ai, meu cacete. Sempre a mesma coisa... Vamos lá, é o seguinte. Eu sou Deus, e você me chamou. Diz aí, o que te aflige?
- C-como assim? Deus?
- Ô, caralho! Mas por que vocês nunca facilitam, hein?
-...
- Seguinte, já sei como isso funciona. Vocês só acreditam quando eu provo, né? E ainda se dizem crentes.

Uma nuvem de fumaça começa a tomar o chão do quarto. Um cheiro adocicado enche o ar e um vento vindo sabe-se lá de onde balança algumas folhas, espalhando-as pelo chão.

- O que tá acontecendo? Quem é você?
- Ai, cacete. Gente burra!

O vento aumenta, a fumaça torna-se espessa. Em cima do criado-mudo, m bonsai entra em chamas. No meio do fogo, um rosto idoso e imponente surge com uma voz retumbante.

- Acredita agora, infiel?
- Tá certo, tá certo, eu acredito... eu acredito...
- Então, diga no que posso lhe se útil.
- É você mesmo? Mas... mas como isso é possível?
- Putaqueopariu, hein? A coisa tá difícil de andar aqui. Seguinte: tu me chamou, eu vim. Ou você diz logo porque tava me chamando, ou avisa de uma vez, que eu tenho um outro tanto de casas pra visitar ainda essa noite.
- Você é mesmo Deus?
- Sou sim. A fumaça, o vento, a arvorezinha pegando fogo, nada disso funcionou, não?
- T-tudo bem... eu acredito.
- Mas então, me diga, meu filho: por que você me chamou.
- Eu... eu estava rezando.
- Sim, isso eu percebi. Mas por que rezavas?
- Bem... eu rezo toda noite, antes de dormir.
- Sei disso, sei disso. Mas vamos direto ao assunto! Imagino que irias me pedir algo. Pode mandar.
- Hum... er...saúde?
- Ah, pára, né? Quer que eu acredite nisso? Vamos lá, você pode fazer melhor que isso!
- Ahn... a paz entre os homens?
- Porra! Não me venha com conversa fiada! O que você realmente queria? Pode falar! Que tal ser promovido? Ganhar na Mega Sena? Ser adorado por todos, ser amado por uma em especial...
- Hum... sabe a Silvinha do 204?
- Não cobiçarás a mulher do próximo! Cuida com a boca que a Silvinha é casada.
- Ah, foi mal. Mas diz aí, posso pedir qualquer coisa mesmo?
- Claro, a oração é sua.
- Tá bom. Então me responde: existe vida após a morte?
- Ai, cacete. Que fixação é essa de vocês com a vida após a morte? Você pode pedir tudo o que você quiser, dinheiro, fama, amor, toda a felicidade de uma vida, TUDO! E vem me perguntar justo o que vai acontecer DEPOIS de você morrer?
- Ah, é uma curiosidade, assim.
- Não! Não existe vida após a morte. Morreu, morreu. E ponto final. Passar bem.
- Deus? Deus?

A fumaça se foi, o fogo se apagou e José sentiu-se confuso.

“Bah... não existe?”

Diálogo

10/03/04

- Alô?
- Ahn... Olá... Humm... Darlene?
- Não. Quem quer falar com ela?
- É o... Humm... Um ami...
- Tá, espera aí. Maria Do Socorro, telefone!
- Alô?
- Ahn, deve ser um engano... Eu queria fala com a Darl...
- É ela. Pode falar.
- Bom, eu vi teu anúncio no jornal e...
- E?
- Queria saber... Quanto?
- Trezentos reais a hora.
- Trezentos paus? Que facada!
- É o preço por um bom produto...
- Trezentos é muito... Faz por duzentos?
- Sinto muito, duzentos é o preço.
- Mas é caro!
- Quer coisa barata, procura outra.
- Ah, eu vi fotos tuas na internet... Não tem garota mais linda que tu nessa cidade!
- Então, querido... Por isso o preço é alto. Muita gente prefere qualidade a pechincha.
- Tudo bem... Trezentos por duas horas?
- Nã-nã-não, meu bem... Meu preço é esse, e garanto que vale a pena...
- Ah, dá um desconto aí, ô!
- Olha, essa linha não pode ficar muito tempo ocupada. Sou uma garota muito popular, sabe? Tem mais gente querendo falar comigo.
- Tudo bem. Mas se tu não conseguir nada para hoje, me liga de volta, tá? Meu telefone é XXX-XXXX. Vai ser melhor do que não ganhar nada.
- Isso eu duvido muito que aconteça, meu anjo. Tchauzinho...

* * *

- Alô?
- Olá, eu gostaria de falar com o... o... Droga, qual o nome dele mesmo?
- Maria? Quero dizer, Darlene?
- Ah, sim, oi. Sou eu.
- Nada para hoje, hein?
- Ainda quer?
- Duzentos pila?
- Trezentos. Duas horas.
- Duzentos e cinquenta?
- Não abusa.
- Ok. Onde? Tem lugar?
- Gosto de motéis...
- Conhece algum bom?
- O "Luxúria" é ótimo...
- Sei onde é... Onde posso te pegar?
- Na Rua Das ..., número XXX, apartamento XXX.
- Ótimo. Daqui a uma hora estou aí.
- Até mais, querido...
- Tchau!

* * *

- Sim?
- A Darlene está?
- Quem quer falar com ela?
- O Germânio.
- Germânio?
- É, o cara do telefone.
- Muita gente liga pra esse telefone.
- Ahn... Eu sou o "um ami".
- Ah, você. Peraí que ela já desce.
- Obriga...

* * *

- Olá, Darlene.
- Olá, meu bem. Germânio o teu nome, então?
- Aham.
- Sei...
- Mas é mesmo!
- Pode ficar calmo, querido. Estou acostumada a isso.
- Mas é...
- Você tem algum apelido?
- Meu amigos me chamam de Gezão. E minha mãe de Gezinho.
- Ah... Posso te chamar de Ger?
- Claro, Dar. Ou prefere Socorrinho?
- Gostei do Dar... Onde está teu carro?
- Passa só daqui a uns dez minutos.
- Como?
- Para ir no "Luxúria" não tem que pegar a linha XXX?
- Ônibus???
- Claro.
- Eu mereço... É, essa mesma...
- O ponto é logo ali. Vamos?
- Vai na frente, eu já estou indo...

* * *

- Mãe! Alguém ligou para mim?
- Não, Maria. Algum problema?
- Sim... Ai, quero dizer, não... Fica tranquila. Até daqui a pouco.
- Duas horas?
- Umas três... Se o ônibus não atrasar muito...

* * *

- Voltei.
- Percebi.
- ...
- Então...
- Hummm...
- Maria Do Socorro, hein?
- Darlene, para os... amigos... "Germânio"...
- É meu nome mesmo! Quer ver a identidade?!?
- Não precisa, Ger...
- Sabe, tu é mais bonita ao vivo que nas fotos...
- Obrigada.
- Universitária, sensual, carinhosa, tarada, gulosa e completa?
- Ahnnn... Anúncio é anúncio, sabe? Mas acho que é isso mesmo...
- O que tu faz?
- Hein?
- Ou melhor, o que tu não faz?
- Assim tu me encabula...
- Tudo?
- Bom... Dentro dos limites da normalidade... Tudo... E muito bem, por sinal...
- Por trás? Engole? A três?
- Bah, isso é básico.
- O que não é normal?
- Ah, sei lá...
- Cadáveres? Crianças?
- Não, não! Ui! Eu queria dizer coisas como... Levar pancada forte, ou enfiar objetos...
- Enfiar objetos não é normal?
- No cara, não!
- Ah, tá...
- Porque o interesse? Eras a fim?
- Não, não! É que...
- Olha, o ônibus chegou!

* * *

- Amigo, quanto está a passagem?
- Dois e cinquenta, senhor.
- Que assalto... Bom, aqui está.
- Obrigado, senhor.
- Querido...
- Sim, Dar?
- Não esqueceu de nada?
- Do que?... Ah... Bom, cada um paga a sua, né?
- Como assim???
- É trezentos mais taxa de transporte? Não me avisasse...
- Raios... Eu ainda vou me arrepender disso... Tudo bem, então. Tome...
- Obrigado, senhora.

* * *

- Enfim, sós...
- Bonito lugar.
- Nunca tinhas entrado num motel antes, meu bem?
- Não. Na verdade, eu sou virgem.
- O que?
- É. Zero quilômetro. Louco para mudar.
- Ah, agora entendo o desespero... Pode deixar, meu garoto, vais sair daqui um homem completo...
- Tu me garante?
- Garanto que sim... Maior de idade, né?
- Com certeza.
- Então relaxa, meu amor... Quer desbravar o que tem por baixo desse vestido, hum?
- É para isso que eu tô pagando, não?
- Ok, senhor estraga-climas... Vai tirando essas calças, rápido!
- Desculpa, é que o tempo é curto... Deixa eu ativar o cronômetro...

* * *

- E então?
- Ahhnnnnnn?
- O que achou, querido?
- Nossa, não sei como passei tanto tempo sem isso!
- É... Agora vai viciar...
- Espero que não... Meu orçamento não iria permitir... E craque é mais barato, se for o caso.
- Argh! Comparada com uma pedra de cocaína suja!
- Pelo menos eu não falei "chá de cogumelo", a obtenção é ainda pior...
- Uhum...
- E para ti?
- Para mim o que?
- Como foi?
- Bom... Digamos que, para uma primeira vez, você foi razoável...
- E no geral?
- Deu pro gasto.
- Tem certeza? O cronômetro tá no quinze...
- Já vi gente pior, nem esquenta. Se nós fossemos namorados, daí eu me preocuparia.
- Tens namorado?
- Não... E não estou à procura de um no momento, certo?
- Ok... Ei, ele está voltando à vida!
- Já???
- Ele sabe como cada minuto perdido sai caro.
- Umpf... Bom, vamos fazer isso direito agora, então...

* * *

- Ufa!
- Essa foi melhor?
- Bem melhor... Poucos clientes conseguem me dar um orgasmo.
- Sério? Não foi fingimento?
- Não.
- Nem na primeira?
- Ah, naquela sim.
- Ahnnn... Pareceu que a primeira foi mais verdadeira...
- Não. Essa agora foi... E como foi!
- Então quanto mais teatrinho, maior a chance de ser fingimento?
- É... Pode ser por aí...
- Bom saber. Então eu fui demais nessa?
- Não vamos exagerar. Digamos... Surpreendente.
- Isso é um elogio... Acho...
- Claro que é... Falando nisso...
- Diga.
- Não queres beber nada?
- Eu estava pensando nisso. Acho que vou pegar uma cerveja.
- Duas, né?
- Tu quer mesmo? Aqui parece ser caro.
- E daí?
- Tudo bem, não te preocupa que eu pego para ti.
- Só pEga?
- Claro. Porque?
- Entendo... Aluga a máquina, mas não paga o combustível... Vou lembrar disso na próxima...
- Tem Skol e Schin. A Schin é mais barata!
- Me traz uma Skol, meu querido... Unha de fome...
- Hein? Não escutei.
- Esquece...
- Aqui está.
- Obrigada... Ahhhh, refrescante...
- Bom, né? Mas toma rápido.
- Por qu... Nossa!
- Tem muita energia acumulada. Agora ele está a toda.
- Tudo bem... Não pode ser rápido dessa vez... Vamos lá!

* * *

- Ahhhhhhnnnnnnnnn...
- Essa foi fingimento, não?
- Fingimento? Nunca! Foi incrível!
- É que teve teatrinho demais...
- Se tu soubesse o que são orgasmos múltiplos, não pensaria isso...
- Eu sei o que são orgasmos múltiplos!
- Saber é uma coisa... Sentir é outra.
- E pular é outra. E andar de bicicleta é outra. Claro.
- Bobo!
- Que tapa fraco.
- É que foi de brincadeira, oras.
- Ah, sei... Isso parece coisa de casalzinho.
- Verdade. Intimidade demais. É melhor parar por aí.
- Ei, ainda faltam cinquenta e dois minutos!
- Eu não estava falando em parar isso... Se bem que, se continuar assim, eu vou sair daqui morta.
- Espero que não. Deve ficar gelado.
- Eu também espero. Tenho que ir para a faculdade amanhã ainda.
- Ahá! É universitária mesmo!
- Claro que sim.
- Muita gente bota isso no anúncio só para atrair, não?
- É... Os velhos adoram traçar garotinhas...
- E tu gosta dessa vida?
- Falando assim parece que "essa vida" é algo horrível...
- Não queria dizer isso. Mas tu gosta?
- Eu faço sexo toda noite e ainda ganho dinheiro. Qual a parte ruim?
- É, tem razão. Mas e quando tais sem vontade?
- Daí eu não saio.
- Os clientes não ficam brabos? "Como assim, fechado para manutenção" e coisas do tipo?
- É, alguns ficam. Mas a procura é grande. Eles resmungam, batem o telefone na minha cara e depois de uns tempos ligam de novo.
- Que grossos. Não tem educação, não?
- Desde quando homem se importa com sentimentos de pu... hum... acompanhante?
- Não acredito que nós sejamos assim...
- Não? Vai numa zona um dia para ver... Pais de família e homens de negócios viram bárbaros selvagens.
- É por isso que tu não trabalha em uma?
- Eu não preciso. Em zona tem que pagar para o dono também.
- Pra que pagar se o dono não faz nada?
- Ele fornece o lugar.
- Lugar até eu posso fornecer. Tem um quarto na minha casa que dá para botar uma cama de casal. É só limpar o pó.
- Então abra uma zona, oras.
- Isso parece interessante. Será que posso entrar no negócio?
- Virar cafetão?
- Não, prostituto.
- Poder tu pode. Mas eu nunca vi garoto de programa que não atendesse "elas & eles", ou pelo menos casais.
- Eh, isso não! Não dá para atender só mulher?
- A procura é pouca. Mas se tu tiver essa disposição com todas, é só aprimorar a técnica que podes fazer sucesso.
- Por falar em disposição...
- Não acredito! Vai acabar caindo assim!
- Espero que só caia daqui a uma hora.

* * *

- Puf... Puf... Afff... Eu vou morrer...
- Essa foi demorada, hein?
- É... Levando em conta o tempo da primeira, tu já progrediu muito. Ufff...
- Cansada?
- Muito. Por isso não costumo fazer programas de duas horas... Corro o risco de encontrar um monstro com tu.
- Vou tomar esse "monstro" com um elogio.
- Depende do ponto de vista. Tem donas de casa que acham quatro demais até para um ano. Se tu for sempre assim, casa comigo.
- Aceito.
- Eu estava brincando.
- Droga.
- Cigarro?
- Não, obrigado. Isso faz mal.
- Eu sei. Cerveja também, e tu tomou.
- Mas a cerveja que eu tomo não estraga o fígado de quem está do meu lado.
- Ok, entendi. Posso passar sem dessa vez. Afinal, seria esperar demais que tu fosse comprar um para mim, certo?
- Pelo teu bem, claro.
- Sei...
- Por que tu não teve mais cliente hoje? Não tem procura sobrando?
- Hoje foi um caso a parte. Um desmarcou, o outro eu não queria ver.
- Sorte minha.
- Muita.
- Porque tu é tão procurada?
- Não deu para perceber?
- Claro que deu. Mas tanta gente assim está disposta a pagar tanto por uma hora de diversão?
- Não tem quem pague uma fortuna por alguns segundos pulando preso em um elástico? Então...
- Pois é...
- É só unir dinheiro a casamentos infelizes e você tem um vasto mercado de trabalho.
- Então tu ganha dinheiro com a infelicidade dos outros?
- Prefiro pensar que eu dou um pouco de alegria aos infelizes. É mais romântico.
- Lindo. Trabalho voluntário nem pensar?
- Nem pensar. Tudo por um preço módico.
- Nada módico.
- Nem todos pensam assim.
- Desse jeito até parece fácil ganhar dinheiro.
- Não é. Precisa-se romper dogmas morais idiotas, enfrentar preconceitos, gostar da coisa... E ter um corpo abençoado, claro.
- Por Deus?
- Pelo Demônio, eu acho.
- Pela Natureza, pode ser?
- Ótimo.
- Posso dar uma olhada atenta nesse corpo?
- Olhar?
- É.
- Tudo bem. É tu quem está pagando, lembra?
- Assim parece eu falando...
- Essa foi a intenção.
- Hummm... Quanta coisa aqui... Deve ser difícil fazer alguma coisa decente com a boca.
- É um mundo novo?
- Bom, já vi coisa parecida nas aulas de anatomia. Mas era frio e fedia a formol.
- Argh, não fala nessas coisas!
- Ok, esse tapa foi forte...
- Desculpe. Não gosto de gente morta.
- Na verdade era apenas esse pedaço, não a pessoa inteira.
- Que seja, que seja!
- Mas não é tão horrível quanto aparenta. Na verdade, parece borracha e...
- Quer continuar olhando, por favor???
- Sim, senhora. Incrível... Nem um buraquinho.
- É por que estou com as pernas dobradas.
- Pensei que não tivesse.
- Sonhe, querido. Mulher alguma escapa.
- Mas nas revistas...
- Computador. Algumas atrizes de TV devem ter a bunda parecendo a Lua.
- Não destrua minhas ilusões.
- É apenas a verdade.
- Raios! Jamais vou conseguir olhar um pôster de revista com os mesmos olhos!
- E não esqueça das calças jeans, que escondem muita coisa.
- Agora é a vez de você ficar quieta.
- Tudo bem. Afinal, tu é o patrão, não?
- Sou sim. Agora vá para o chão e imite um pinguim.
- Não exagere.
- Um ornitorrinco então?
- Ornitoquê?
- Um pato com pêlos que bota ovo e amamenta os filhotes.
- Parece seriado japonês. Uma lula que anda e solta raios laser.
- É tão bizarro quanto. Mas eles não crescem.
- Ao contrário de certas coisas, pelo visto.
- Toda essa investigação deixou ele atento.
- Mais uma e ele vai quebrar no meio.
- Será que isso pode acontecer?
- Nunca vi.
- E já viu muitos, imagino.
- Mais do que tu imagina.
- Desde quando?
- Comecei tarde, mas não tão tarde quanto tu...
- Depois que começa não se pára mais, hein?
- É. Arranja uma namorada logo.
- Que tal tu?
- Compre um carro e me sustente que a gente conversa. Só queria te alertar para as inevitáveis crises de abstinência.
- Não me assuste.
- Mas sempre pode contar comigo, claro.
- A fidelidade do cliente conta?
- Muito.
- Descontos progressivos?
- Talvez.
- Vou pensar no caso. Mas ainda tenho dez minutos...
- Devo me lembrar de nunca mais fazer programas longos...

* * *

- ...
- ...
- ...teu celular tá tocando...
- Não tenho celular. É o relógio.
- Fim do tempo?
- É.
- Deus existe.
- Tem bônus?
- Sonha! Não consigo nem me mexer mais.
- E eu vou precisar comprar um saco de gelo.
- Passa Gelol. Vamos antes que eles cobrem mais pelo quarto.
- Adeus, quarto. Sempre lembrarei de você.
- "O lugar onde deixei minha inocência"?
- Não, a inocência foi-se há tempos. Já tive duas parceiras sexuais.
- Quem?!?
- Minha mão esquerda e minha mão direita.
- Acredite, elas não conseguirão mais matar a ânsia.
- Droga. Revista custa pouco e dura para sempre.
- Mas dá pra comparar?
- Nem de longe.
- Então não reclama.
- Não estou reclamando. Quanto é o motel?
- Oitenta.
- Tens quarenta trocado?
- Maldições... Vou acabar no prejuízo desse jeito...
- Que nada. Trezentos, menos quarenta, menos dois e cinquenta, menos...
- Ah, tá bom! Toma!
- E agora? Para casa?
- Para um spa seria melhor...
- Falando assim até parece que não gostou.
- Gente como eu sempre tem que gostar do que faz.
- Mas não foi nem um pouco diferente?
- Foi.
- Quanto?
- Muito bom, por sinal.
- Só muito bom?
- Tá! Foi espetacular, genial, nunca vi um homem assim na minha vida! Feliz agora?
- Muito. Tu pagaria por isso?
- Para que, se posso fazer ganhando?
- Só estou fazendo uma pesquisa de mercado.
- Se eu fosse uma perua rica mal comida, pagaria todo dia.
- Bom sinal.
- Mas eu mesma? Não, nunca.
- Ah...
- Bem, eu vou pegar o ônibus logo, que essa deve ser a última linha.
- Eu vou contigo.
- Para que? Pagar minha passagem?
- Não, para garantir que tu vai chegar viva em casa.
- E tu se importa?
- Para não ser acusado de estupro quíntuplo seguido de morte, sim.
- Eu não devia esperar mais...
- Se quiser mais...
- Não, obrigado! Céus, preciso de uma pomada!

* * *

- Pronto, está entregue.
- Agradeço ao transporte público.
- Então, acho que é adeus.
- Não tão rápido. Há certas coisas que tu precisa pagar, senhor pão-duro.
- Droga.
- Espero que toda essa economia tenha sido avareza, não falta de dinheiro.
- É, eu não tenho um centavo.
- E, se isso for verdade, não vai ter um testículo também.
- Afffff... Pode largar, pode largar! É brincadeira.
- Confiado.
- Aiiii...
- Então?
- Aqui.
- Obrigado, querido. Volte sempre.
- Nota fiscal?
- Muito engraçado.
- Tu deveria rir. Afinal, fiquei só com a grana da passagem de ônibus.
- Tu que acha...
- O que?
- Afinal, eu forneci as camisinhas. Como nós dois usufruímos o produto, vamos rachar.
- Mas tu não falou isso antes!
- Estou dizendo agora. Apenas o que é justo, meu anjo.
- Raios. Pegue.
- Obrigado.
- E agora vou ter que voltar a pé.
- Ora...
- Que??
- Pode dormir aqui, se quiser.
- Sério?
- Aham.
- Gostei da oferta. Cama de casal?
- Sofá da sala.
- Melhor que nada. E tua mãe?
- Sem problema.
- Então vamos.
- ...
- ...
- Tu dorme com a porta trancada?
- É algo que tu só vai saber testando...
- Isso foi uma oferta?
- Só não nas próximas horas, por favor!

Ora, pois...

Hoje olhei as estatísticas do meu site. Vocês não tem ideia de quantas variantes eu encontrei para buscas "como tirar marca de chupão do pescoço". Não sei vocês, mas eu acho que o pessoal por aí anda se divertindo bastante. Pior que se eles seguirem o que eu escrevi no texto sobre Marco e Beth, vai estar cheio de neguinho por aí com perfume de vodka no cangote. Já pensou a roubada? "Seu cachorro! Fedendo a cachaça de novo?" "Não amor, é só pra tirar uma mancha do pescoço". Não sei qual é pior. Depois disso vai ter gente tendo que passar vodka no olho roxo. O mais legal é que, com tanta gente acessando aquele texto à procura de uma solução, eu já tô conseguindo identificar os meus leitores na rua. Cidadão passa com aquele cheiro de álcool na canguta e você já saca: "esfregou um pente com cachaça aí é, espertalhão?" Mas vocês podem ficar tranquilos que eu sou bem discreto. (IP 200.175.53.170, isso é pra você)

Pra mulherada fica bem mais fácil, agora com essa moda de lenço no pescoço. Melhor sair parecendo personagem de bang-bang que esfregar um pente de plástico no pescoço e sair com cheiro de bebida. Aliás, ultimamente esse lenço tá bem vesátil, né? Com esse esquema da gripe é bem mais prático levar o lenço no pescoço que levar no bolso. É espirrar e já tá ali, bem à mão. Tem os seus problemas, claro. "Ai, amiga, esse seu lenço verde ressalta tanto seus olhos. Adorei!" Eca.

Agora, pior que o lenço mesmo é aquela flor gigante de couro na cabeça. Meu, o Falcão usava um girassol na lapela e era brega, agora pôr na cabeça pode, né? "Daí é chique, bem". Eu juro que não entendo a moda. Outro dia minha namorada veio com uma blusinha de bolinha que parecia catapora. Já vi até alguma coisa parecida em circo, se não me engano. "É de poá", ela disse. "Podia ser de sampa! Ainda assim é estranho!", eu falei. Só bem depois é que ela foi me explicar - bem depois porque ela ficou uma tarde sem falar comigo - que poá, não era poá. Era pois. Pois então. Pois, eu fui saber, era bolinha em françês. Tem coisa mais afetada? É BOLINHA! Pior: se for pequeninha, aí é petit-pois. Pe-tí-po-á. Sabe o que é isso? BOLINHAZINHA! A minha namorada não concordou muito e resolveu a discussão de uma forma bem prática. Me deu uma joelhada nas pois. Daí eu baixei a bola. Literalmente. Posso até não ser fino, mas ao menos por um tempo, falar fino eu falei.

sábado, 22 de agosto de 2009

Tema da Rodada

O tema da rodada é:

"Escrever um texto humorístico/engraçado".

Vamos tentar trazer à tona nossa veia comediante!

Tudo deve ser postado até o dia 26 de agosto, quarta-feira.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Votação - Pintura Abstrata

Está aberta a votação para o tema "Foto: PINTURA ABSTRATA".

Para votar basta comentar neste espaço até o dia 20 de Agosto, indicando qual foi o melhor texto. Participe!


* Peço desculpas ao público e aos duelistas por não participar desta
rodada.

domingo, 16 de agosto de 2009

Abstrato

Acendeu o cigarro negro, puxou o ar fazendo força e, e antes de soltar a fumaça, vociferou:
- Como assim, só isso?
- Só isso? Mas senhora, este é um raríssimo Kandinsky.
- Kandinsky? Pro inferno com isso! Não me interessaria nem que fosse um Gabbana.
- Senhora, é uma das obras de arte mais respeitadas dos últimos séculos.
- Ah, é? Pois eu só vejo cubos mágicos e uma droga de uma cabeça mal desenhada! O que mais ele me deixou?
- Apenas o quadro, minha senhora. Mas a senhora tem que entender que...
- Entender? Pois eu digo a você quem é que tem que entender alguma coisa aqui. Eu tive que aguentar esse porco roncando do meu lado durante todos esses anos para receber uma porcaria de um desenho? Ele é dono de fazendas, diabo! Onde estão as mansões e os carros importados?
- Está no testamento, madame. A casa continua com a senhora, é claro. Além disso, o patrão deixou este valiosíssimo exemplar artístico. Já foi procurado por diversos museus.
- Então porque não vende logo essa porcaria? Pode fazer um cheque, porque na minha parede é que essa coisa sem sentido não vai ficar pendurada.
Apagou o cigarro no cinzeiro de mármore, descruzou as pernas e deixou a sala. Com um olhar de desdém, jogou as folhas sem assinatura em cima da mesa de reuniões. O quadro, guardado por um forte sistema de segurança, continuou trancafiado por anos ainda, aguardando o dia que voltaria para o seu lugar: junto ao público.

A canção do vidente sem rosto

Em um reino distante
Brilham o sol e a lua
Mas, em dado instante
A danação se configura

Apu, a Grande Serpente
Se ergue em fogo e fúria
Acolá estremece o vidente
Serão eras de dor e penúria

Reza a ancestral profecia
Não haveria o apocalipse
Pois a paz Apu encontraria
No buraco negro do eclipse

Mas o monstro impaciente
Pelo negro sol não espera
Sua imponência não mente
A fome consome a fera

No reino não há descanso
O rei abandona seu posto
E o camponês no remanso
Ouve o vidente sem rosto

“São tempos de inglória
Mas há esperança nos dias
Pois se erguerão da escória
Nossos insuspeitos messias”

“Cinco serão os amigos
Unidos por sangue e aventura
Dispostos a encarar os perigos
Que se cante a sua bravura!”

Vindo de terras baixas e bravias
O guerreiro Odedã, anão de valor
Ao lado do que indica as vias
Dinar Doric, o elfo rastreador

Laruan, com o fogo no fim
Um feiticeiro de poucas ações
Com o pequeno Hodin Nim
Que furtivo invade negros salões

Porém cada herói fica diminuto
Próximos ao seu líder valoroso
Para salvar o mundo em luto
Unidos por Doméi, cavaleiro poderoso

Sem perder tempo parte a companhia
Não sem ouvir o vidente a última vez
“Há muitos perigos, Apu não é sozinha
E que Mepala Serandon esteja com vocês”

O Arrigab atravessam incansáveis
Deserto que traga os irresolutos
E se esquivam de terrores improváveis
O Abismo de Gobium de enigmas ocultos

Os desertos e abismos se acanham
Pelas ameaças que estão pela frente
O horror e desespero que acompanham
Quem invade a Floresta dos Holpentes

Só com sua firmeza de espírito
Os heróis sobrevivem ao Holpente
Ente horroroso de conto e mito
Que louva Apu, a Grande Serpente

De sofrimento a saga se faz
Medo assola o piromante
Não podem olhar para trás
O final se revela adiante

Saindo da mata de sombra
Vacila até o temerário
Mesmo Doméi se assombra
Com o pavor daquele cenário

Sobre os montes gêmeos de Gabos
Repousa o imponente colosso
Com Holpentes cercando seus lados
Sem se aproximar do ser ominoso

Encarando seu desafio final
Deixam aos deuses suas apostas
Odedã grita em carga frontal
Os quatro atacam pelas costas

O poder de Apu não é lenda
A face rubra de fogo infernal
Sua forte carapaça aguenta
Dano que destroçaria um mortal

Mas o panteão vela os valentes
E a força cede ante a bravura
Sob golpes cruéis e potentes
Apu sente a derrota em agrura

Por fim, em golpe poderoso
O monstro cede e tomba latente
Vomita seu ícor leitoso
E o mundo está em paz novamente

Os heróis retornam em glória
O povo nas ruas comemora
Mas o vidente conhece a história
Sabe que o mal nunca vai embora

“Apu voltará a se erguer
Pois inquieto é o animal
Até o Buraco Negro aparecer
E encontrar seu destino, afinal!”

Não há fábula com só um significado
A palavra é tão enganosa quanto o ar
Como em um cubo mágico desordenado
Só na ordem certa suas facetas irá revelar

Abstrato

Enquanto se ouviam sussurros por todo o salão, o artista gargalhava por dentro e comprovava: o absurdo deve ser mesmo genial.

sábado, 15 de agosto de 2009

Mondrian Monday

O mundo era todo cores. Fluido, geométrico. Tinha nos olhos um brilho colorido de lilases e, de baixo da língua, escorria-lhe o sabor abstrato que dilatava-lhe as pupilas. No teto do quarto a lâmpada era um sol eclipsado enquanto ele, costas nas cobertas coloridas, era a estrela ao redor da qual rodava o mundo. Do calendário na parede saltaram cores que se espalharam pelo quarto, dançando, trocando de lugar num balé rubikiano. Era todo Kandinski, com as pupilas dilatadas olhando o calendário colorido. Viu os dias riscados, os números vermelhos de um hoje vivo.

Então a pupila contraiu-se, as curvas sinuosas endireitaram-se, as diagonais se ajeitaram paralelas. As cores se desmisturaram e agruparam-se comportadas em suas baias. O gosto se esvaía. Sob a língua, sobre as cobertas. A boca seca. Foi ficando Mondrian, Mondrian... até que todas as cores e todas as linhas se organizaram. Cubículos coloridos de uma só cor. O calendário já não parecia tão atraente. De tão Mondrian, foi-se despedaçando o azul, desbotou-se o vermelho, apagou-se o amarelo. E restaram-lhe os cubículos preto-e-brancos. As cores tinham-se ido todas. As curvas, as diagonais. Era novamente retas, apenas. Retas e cubículos. No calendário, os dias coloridos ficaram para trás. Amanhã o dia era negro.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Novo Tema

O tema da rodada será:

Seguindo a ideia do Félix com a foto do Caçador de Focas, vamos levar isso ainda mais para um ponto intangível.
Os textos devem ser postados até dia 16/08 e o marcador será "Foto: Pintura Abstrata"

Depois que terminarem de me xingar, podem começar a escrever.

Update: A pedidos: a autoria da obra de Kandinski.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Votação - Assassinato de uma criança

Está aberta a votação para os textos com o tema Assassinato de uma criança.

Você tem até o dia 10 de agosto para escolher o melhor texto e deixar sua opinião.

Vote! O Duelo de Escritores é decidido com o seu voto.

Sozinha

Esta história é baseada em fatos reais.



A hora chegou e ela não podia mais adiar. As bocas que precisava alimentar ali estavam, magras, famintas, desesperadas. Não havia descanso, não havia escolha. De algum modo, ela precisava se mexer. Correr atrás, sozinha. Sem companheiro e sem pai. Era o caminho que ela havia seguido, e agora pagava o preço pelas suas decisões.

Ainda era escuro quando saiu. Para um exterior implacável, sedento por sangue, suor e sofrimento. Os caminhos, que antes eram os mesmos, não mais serviam. Todo dia era uma nova jornada ao incerto. Cruzava com miríades de rostos, cegos, indiferentes. Quando muito, desconfiados e agressivos. Seguiam suas aventuras nada românticas em tempos de inglória e dificuldade. Um mundo saturado, onde o que não faltava eram outros, atolados em seus próprios problemas com o qual lidar.

Caminhos estreitos. Vielas escuras. Rostos esqueléticos. Não havia piedade, não havia deus. A cada esquina, uma chance. A cada dobra, uma decepção. Vazio e cansaço. De tentar e de não conseguir, mas mesmo assim tendo que seguir adiante.

O fim do dia lhe trazia novamente mãos vazias. Escassez e fadiga. Mais energia gasta em buscas fúteis. O tenro enlace da morte apertando mais o seu abraço. O retorno ao lar, que de redentor já nada mais tinha. Alternativas esgotadas, ausência de perspectivas. Despido de todas as aspirações possíveis, o universo se reduzia à necessidade básica que a tudo mais obliterava.

A hora chegou e ela não podia mais adiar. As bocas que precisava alimentar ali estavam, magras, famintas, desesperadas.

Inclusive a sua.

Pequenas e indefesas, não tinham como reagir. Uma a uma, tremulavam por instantes, antes de jazerem inertes. Ossos quebrados, órgãos mastigados. O que havia se esvaído como leite retornava em forma de carne e sangue. O estômago se enchia, o monstro se acalmava. O fim de um laço primordial, rompido nas penúrias extremas de uma vida sem oportunidades.

Mas não havia culpa, não havia arrependimento. O que importava era sobrevivência. Haveria uma nova temporada e, com ela, novas bocas para alimentar. Quiçá desta vez conseguissem ir mais longe. Pois era para isso que ela precisava seguir vivendo. Por enquanto, a rata satisfeita apenas se enrodilhou e deixou a aurora chegar.

Reação

Ele a pediu em casamento.
Matou a criança que havia dentro dela.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Não brinca com isso, cara!

Eu peguei a arma, e com ela ainda apontada pro chão, puxei o gatilho. Ela fez aquele barulho de girar o tambor, e de bater o cão da arma, aquela parte que tem pra puxar atrás. Eu vi que não tinha problema, não tinha acontecido nada, então mirei na direção da varanda, imaginando um bandido, um inimigo que tinha que ser morto, e puxei de novo o gatilho. Aconteceu a mesma coisa, o mesmo barulho, e o tambor girou de novo. Nessa hora o Serginho já viu que eu tinha a arma na mão, e eu virei pra ele, como que brincando de polícia e ladrão.

Quando ele olhou pra mim, eu apontei a arma pra ele, nós dois em cima da cama, e puxei o gatilho, com a arma apontada pro rosto dele. A única coisa que eu ouvi foi ele gritando bem alto “não brinca com isso, cara!”, e um barulho de trovão, um estouro, se sobrepondo à voz dele.

- Não brinca com isso cara! – a voz de Serginho foi abafada pelo ruído alto como um trovão, que ecoou pelas ruas do bairro Vila Nova. Uma cortina de fumaça se ergueu dentro do quarto, no sétimo andar do edifício. Ao se dissipar, a névoa mostrou o corpo do garoto caído ao lado da cama. Por um segundo, o outro menino pensou que ele estivesse brincando, fingindo ter sido atingido. O laudo do Instituto Médico Legal, porém, viria mais tarde confirmar a morte com um tiro à queima-roupa, logo abaixo de seu olho esquerdo.

A próxima coisa que eu vi foi uma fumaça que apareceu no quarto, e o Serginho caído no chão, ao lado da cama. Eu pensei que ele estava só brincando, fingindo ter sido atingido pelo meu tiro imaginário. Só que quando eu me debrucei sobre a cama, pra olhar ele, e vi todo aquele sangue, me toquei que ele não tava fingindo, eu tinha matado ele.

Ao perceber o sangue no rosto do amigo, e também espalhado no chão ao seu redor, largou o revólver e se desesperou. Logo entendeu o que tinha acontecido. Ele havia matado seu melhor amigo. A primeira ação que teve foi a de correr na direção da varanda. Chegou até o parapeito e se debruçou do sétimo andar, imaginando a trajetória que seu corpo faria até atingir o chão. Aquele pensamento, para ele, durou apenas uma fração de segundo, mas na verdade, durou tempo suficiente para que a empregada, que estava no andar de baixo do apartamento duplex, chamasse o vizinho para ver o que havia acontecido. E até para que ele chegasse ao local onde o garoto havia morrido, e conseguisse chegar na varanda, a tempo de impedir que mais uma vida se perdesse, segurando o rapaz e impossibilitando o salto planejado.

Morte Lenta

- Tia, compra uma bala pr'ajudar?
- Não.

Amadurecência

Começou com o sorriso. Cada um dos dentes de leite foi amarelado com cafeína e nicotina. Ficaram escuros até que tivessem que ser arrancados. Depois, veio a pureza. Fez com que transasse com os tipos mais sórdidos, sujos e cruéis. Por vezes até enganada por uma paixão febril, mas geralmente consciente que o sangue que jorrava entre suas pernas abertas era apenas uma necessidade fisiológica. Aí veio a sanidade. Forçou a imaginar os pais morrendo, os caixões fechando, o namoradinho na cama com outra, com duas, três... Enlouqueceu-a. Tornou-se masoquista. Colocava bem alto as trilhas sonoras de momentos que não aconteceriam mais, leu em tom de ironia as cartas nunca lidas. Por fim, o golpe de misericórdia: violou-lhe a inocência. Com requintes de crueldade. Mentiu, inventou, imaginou choros e declarações que nunca existiram, pensou no futuro, sentiu doer o passado. Entendeu, enfim, o que era a mentira.

Olhou o espelho e teve certeza. A criança tinha morrido.