16/04/2008
O ritual era o mesmo. Podia sentir que tudo conspirava a favor de um excelente espetáculo. A platéia crescia, a expectativa aumentava e, com ela, o nervosismo dos minutos que antecediam a apresentação. As noites que vinham depois de um show e antecediam mais um dia de apresentações eram sempre nervosas, mas ela sabia quais armas usar para conseguir descansar.
Levantava-se, ia ao banheiro e tentava deixar que a água do chuveiro levasse para o ralo um pouco da adrenalina que ela sentia com a própria apresentação. Sabia que suas últimas atuações tinham sido as mais pífias já vistas e que a melhora na qualidade de suas falas, seus gestos e principalmente suas ações só dependia dela.
Lembrava-se todos os dias que a temporada estava pra terminar há algum tempo. As renovações de um contrato que poderia ser estendido por toda sua vida causavam calafrios, mas se mostravam mais necessárias a cada dia. Criara laços emocionais com a personagem que faziam dela mais do que uma fase, mais do que um trabalho.
No caminho para o café, via nas paredes cartazes de diversos tamanhos que marcavam uma carreira brilhante, com sorrisos e momentos brilhantes. Tinha na agenda alguns dos expectadores mais importantes que já tivera. Alguns se tornaram fiéis, mantiveram contatos, sentimentos e atenções. Outros ela só conseguia identificar pela legenda, uma prática que adotara há tempos em suas inscrições pessoais.
Sentava-se a mesa depois de receber aquele que considerava o melhor bom dia do mundo. Uma mulher um pouco mais velha, bastante mais experiente que ela sabia que seria sua fã sempre, mesmo que a temporada terminasse. Tomava seu café com adoçante, um dos itens da lista de exigências, que tinha ainda água, música, pijamas, meias e pantufas.
A hora chegara. Nos bastidores, olhava-se. Encarava o par de olhos no espelho, despedia-se. A máscara que usava durante a apresentação não era palpável, não era visível, mas ela podia sentir seu peso. Abriu a porta. A rua estava ali, e seria seu palco para o resto da vida.
quarta-feira, 16 de abril de 2008
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2 comentários:
"os bastidores dentro de você"... mais um conto com o selo Marina de qualidade.
cacete! duca. Gostei mesmo. Construção bem amarrada, texto envolvente, final perfeito.
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