Zeca e Sofia sempre foram grandes amigos. Ela, meio perturbada por algumas idéias de mundo que sempre teve certeza que ele não aceitaria. Ele, muitas vezes fingindo paciência e deixando que ela falasse mais do que ouvisse. De qualquer forma, suas conversas sempre rendiam boas discussões e sua amizade transcendia os limites das brigas imbecis e periódicas que tinham.
Nesta noite, ele fez só um pedido: “não vamos falar de amor, nem de relacionamentos só por hoje”. Ela riu e pensou ser tarefa fácil.
Trato feito ao telefone, se encontraram no portão da casa dela. Já quando entrou no carro, ouviu um Cartola, bem baixinho.
- Boa noite, Zecão.
- E aí, Sofia? Tranqüilo?
- Tudo certo. Que música de pegar mulher é essa?
Um olhar de repressão fez com que os primeiros dez segundos de total silêncio seguissem. E o Cartola, lá.
- Pra onde vamos?
- Não sei. Pensei no programa clássico.
- Beleza, molho madeira e pão chinês são sempre uma boa pedida – Sofia riu e sem pensar lembrou – Lembra que a sua mãe sempre dizia que nossos programas eram de casal?
Dez segundos ouvindo Cartola.
- Como está a vida lá em Sampa?
- Corrida. Perco quase três horas pra chegar no consultório, mais umas duas pra almoçar. Não sei como aquele povo consegue ganhar dinheiro.
- E não tens saído? Restaurantes bons e cafés bons?
- Até vou, mas o charme de São Paulo está nos teatros! Esses dias vi uma peça com aquela atriz lá, da novela, sabe?
- Ahhh, aquela que ela tem um marido apaixonado e mesmo assim vai trair ele com um garotão bom de cama e aí... – o rosto foi ficando vermelho na medida em que o tom de voz foi baixando.
- Não, Sofia. Aquela peça em que ela tem um amigo com câncer.
Os dez segundos agora se alongaram por toda a música. Ela odiava Cartola, mas não podia falar absolutamente nada.
- Mais nenhuma novidade pra me contar?
- Não. E aqui, o que tens de bom pra me contar?
- Nada demais.
Ela sentia-se consumida, culpada, agonizante. Queria lhe contar sobre as novidades da sua vida, mas lembrava-se que trato era trato. Depois de dois minutos e com o fim do CD, ela não sabia o quanto poderia amar o Cartola – mas nem isso poderia falar.
- O silêncio não te deixa falar porque você tem a porra da mania de romantizar tudo. Será que um dia vais conseguir lidar com o silêncio da falta de amor? Espero que algum dia tu entenda que isso só te faz mal. Mas agora pode falar.
Imediatamente, Sofia desligou o som e começou a falar sobre seus casos, prometendo para si mesma pensar sobre isso depois. A noite foi das mais divertidas que ela já teve, pra variar. Ela já o conhecia, depois de um tempo, Zeca esquecia a lição de moral e voltava sempre a ser a melhor pessoa do mundo.
Ela só não sabia que chegar em casa e ouvir o silêncio seria tão dolorido. A partir dali, o silêncio sempre fazia com que ela lembrasse que não podia romantizar a vida, que não sabia viver sem amor e que, naquele momento, nem o Cartola agüentava lhe fazer companhia.
domingo, 27 de abril de 2008
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2 comentários:
E eu que sempre xinguei os atrasos me atrasei. Desculpa!
tá desculpada. mas só pq curti o texto.
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