domingo, 27 de abril de 2008

Trato

Zeca e Sofia sempre foram grandes amigos. Ela, meio perturbada por algumas idéias de mundo que sempre teve certeza que ele não aceitaria. Ele, muitas vezes fingindo paciência e deixando que ela falasse mais do que ouvisse. De qualquer forma, suas conversas sempre rendiam boas discussões e sua amizade transcendia os limites das brigas imbecis e periódicas que tinham.

Nesta noite, ele fez só um pedido: “não vamos falar de amor, nem de relacionamentos só por hoje”. Ela riu e pensou ser tarefa fácil.

Trato feito ao telefone, se encontraram no portão da casa dela. Já quando entrou no carro, ouviu um Cartola, bem baixinho.

- Boa noite, Zecão.

- E aí, Sofia? Tranqüilo?

- Tudo certo. Que música de pegar mulher é essa?

Um olhar de repressão fez com que os primeiros dez segundos de total silêncio seguissem. E o Cartola, lá.

- Pra onde vamos?

- Não sei. Pensei no programa clássico.

- Beleza, molho madeira e pão chinês são sempre uma boa pedida – Sofia riu e sem pensar lembrou – Lembra que a sua mãe sempre dizia que nossos programas eram de casal?

Dez segundos ouvindo Cartola.

- Como está a vida lá em Sampa?

- Corrida. Perco quase três horas pra chegar no consultório, mais umas duas pra almoçar. Não sei como aquele povo consegue ganhar dinheiro.

- E não tens saído? Restaurantes bons e cafés bons?

- Até vou, mas o charme de São Paulo está nos teatros! Esses dias vi uma peça com aquela atriz lá, da novela, sabe?

- Ahhh, aquela que ela tem um marido apaixonado e mesmo assim vai trair ele com um garotão bom de cama e aí... – o rosto foi ficando vermelho na medida em que o tom de voz foi baixando.

- Não, Sofia. Aquela peça em que ela tem um amigo com câncer.

Os dez segundos agora se alongaram por toda a música. Ela odiava Cartola, mas não podia falar absolutamente nada.

- Mais nenhuma novidade pra me contar?

- Não. E aqui, o que tens de bom pra me contar?

- Nada demais.

Ela sentia-se consumida, culpada, agonizante. Queria lhe contar sobre as novidades da sua vida, mas lembrava-se que trato era trato. Depois de dois minutos e com o fim do CD, ela não sabia o quanto poderia amar o Cartola – mas nem isso poderia falar.

- O silêncio não te deixa falar porque você tem a porra da mania de romantizar tudo. Será que um dia vais conseguir lidar com o silêncio da falta de amor? Espero que algum dia tu entenda que isso só te faz mal. Mas agora pode falar.

Imediatamente, Sofia desligou o som e começou a falar sobre seus casos, prometendo para si mesma pensar sobre isso depois. A noite foi das mais divertidas que ela já teve, pra variar. Ela já o conhecia, depois de um tempo, Zeca esquecia a lição de moral e voltava sempre a ser a melhor pessoa do mundo.

Ela só não sabia que chegar em casa e ouvir o silêncio seria tão dolorido. A partir dali, o silêncio sempre fazia com que ela lembrasse que não podia romantizar a vida, que não sabia viver sem amor e que, naquele momento, nem o Cartola agüentava lhe fazer companhia.

2 comentários:

Marina Melz disse...

E eu que sempre xinguei os atrasos me atrasei. Desculpa!

Rodrigo Oliveira disse...

tá desculpada. mas só pq curti o texto.