Acordou com o barulho de algo que imaginou ser um motor de alguma coisa, uma moto-serra ou qualquer coisa parecida. Coçou os olhos tentando espantar um pouco da preguiça que sentia. Repentinamente, abriu-os. Olhou em volta. Não lembrava como tinha parado ali. Os lençóis de um cetim claro, uma porta branca entreaberta, um armário marfim, luzes indiretas em todo o quarto. Finalmente percebeu algo familiar. Num canto, um tecido vermelho que lembrava alguma coisa que ela não sabia o que era.
Lentamente sentou-se na cama. Virou-se para a direita, colocou os pés no chão. A visão escureceu, percebeu que mesmo com toda a calma que tentou ter levantou-se rápido demais. Ficou em pé. Quase caiu. Apoiou-se novamente na cama. O movimento estranho nos lençóis chamou a sua atenção. A silhueta máscula, e os cabelos morenos que apareciam levemente nos lençóis, causaram um calafrio doído no fundo do estômago. Mas mesmo aquilo lhe era familiar.
Sentou-se novamente, de costas para quem estava lá. Mesmo que tentasse com todas as forças lembrar o nome dele, não conseguia.
- Bom diiiiiiaaaaaa..
- Bom dia.
Enquanto ele se espreguiçava vagarosamente, ela martelava os joelhos com os pulsos fechados. Lembrava-se da voz, já tinha ouvido, não era possível.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não, não. Está tudo bem.
Não podia ser ele. Não. Era bom demais pra ser verdade. Há anos queria acordar ouvindo aquele bom dia, há anos imaginara como seria quando ele estivesse ali. E agora não lembrava de nada. Como será que foi o convite? Onde estava ontem, meu Deus.
- Vamos tomar um banho e chamar o café?
- Pode ser.
Virou-se. Era ele. Os olhos levemente puxados, os cabelos levemente cacheados, e aquele rosto que tornou vários dos seus dias pesados de saudade, de raiva, de emoção. Seu peito saltou e por instinto colocou o corpo nu ao lado do dele.
- Desculpa, mas eu não lembro como vim parar aqui.
- Eu sabia que você só poderia estar fora de si quando me puxou pela gravata no meio da formatura, me beijou, disse que me amava e falou sacanagens no meu ouvido.
- Eu fiz isso?
- Ô, como fez. Você me deixou louco. Nunca imaginei esse tipo de atitude de você, ainda menos que você me dissesse que sempre foi a fim de mim. Somos amigos há anos, e eu nunca esperaria acordar num quarto de motel contigo, e muito menos ainda estar gostando disso.
Ela só queria que não aparecesse um mosquito, um toque de celular ou uma mão para belisca-la e mostrar que aquilo não era verdade. Ficou vermelha, os olhos encheram-se de lágrimas.
- É sério, sua tola. Porque tu não demonstrou o que sentias antes ao invés de me agarrar no meio de um baile cheio de gente conhecida?
- Ah, desculpa. – sentiu o rosto corar – Não lembro de nada disso. Acho que tenho crises de amnésia.
- Certamente todos os Martinis que você tomou ontem pioram o efeito da crise, não é?
Riram, vestiram-se. Ela não sabia como tinha parado naquele motel de luxo, nem como ele estava com ela. Mas esse era o vazio de memória mais cheio de alegria que jamais sentira.
domingo, 6 de abril de 2008
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5 comentários:
sem dúvida, este seria o vazio mais cheio do mundo... não lembrar de nada, mas acordar ao lado de quem mais se queria...
Marina, adorei...fiquei imaginando a carinha desta pobre coitada. Mas enfim, há males que vem para bem...
Parabéns!!
Pô, adorei isso aqui. É foda não lembrar de nada... mas dá pra saber que foi bom mesmo assim.
Gostei. A Marina mais uma vez dando um olé no tema :) Texto fluido, uma história bacana, arremate show de bola.
Oi, passando por aqui para dizer que estou adorando ler os textos sobre amnésia.
Muito bom seu texto!
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