quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Ao planário e a quem interessar,

Como não me deixam pegar a caneta para escrever, estou ditando cada uma dessas palavras. Tenho ela em mente desde aquele dia, não sei se há horas ou meses atrás, quando eu vi o dia pela última vez. As cores e as imagens me soam perfeitas. Lembro, em relances, de algumas cenas da minha infância em que, no cinema, víamos pessoas viajando com seus óculos escuros e cantarolando em família canções que soavam um pouco do que sentiam. Mesmo que desafinados, nós vivíamos aquele momento.

Eu tenho duas filhas, sabe. São lindas. A última cena que eu quero ver são seus olhares felizes e não da forma como me olham agora. Paradas em minha frente, seus semblantes forçam um otimismo que já não me convence. Mas eu entendo, elas estão vendo seu pai morrer.

Agora, decidiram por me deixar acordar o corpo também e eu já não via a hora. Porque na minha mente eu não tenho descansado. Vejo e re-vejo cada uma das cenas da minha vida. Das últimas, trágicas, às primeiras, extremamente felizes. Nessas horas, aprisionado na própria cabeça, a gente percebe o quanto se era feliz na intolerância e no sacrifício.

Eu provavelmente entrarei nas próximas horas para as estatísticas lutos em decorrência dos acidentes na rodovia da morte. E eu não poderia deixar de expressar a minha dor. Não, não sinto remorso, raiva e muito menos ódio de todos vocês, seus carcamanos insosos de vida e de sentimentos. Eu só sinto dor, uma dor aguda em saber que não sou o primeiro que se vai no auge da vida e que eu não vou estar aqui pra poder fazer nada pra alterar esse quadro.

Não deixo a vocês ovadas, cuspidas e uma mão (que embora tenha cinco dedos, mostraria apenas um, o do meio). Deixo a vocês um pouco da dor que eu sinto, que não é física. É a sensação de ir embora e deixar que a falta de um pedaço de asfalto se transforme na falta de um ser humano. Deixo vocês com as lágrimas da minha família, que agora chora e com rios já chorados por tantas outras esposas, irmãs, filhas.

Osmar

PS: Aos meus familiares, o meu amor, de onde quer que eu esteja.

2 comentários:

Rodrigo Oliveira disse...

ninguém focou mto na 470 propriamente dita. todo mundo foi pros resultados do descaso. A única q não mostrou ngm estraçalhado, uma elipse do acidente. outra visão, mas do mesmo fato.

Anônimo disse...

carcamanos!!!
john fante na cabeça ;)