O verão belga era agradável. O sol esquentava sem tornar-se demasiadamente quente. O clima de euforia e as cores e festejos e esperanças e sonhos transbordavam. E o mundo, que deixava as marcas tristes e monocromáticas de uma guerra, hasteava uma bandeira branca, com cinco anéis coloridos. Uma bandeira jamais vista, em nação alguma. Uma bandeira para todos. Sob ela, nove homens, um sonho, um objetivo. Dourado como o sol do verão belga. Como os cabelos da bela moça que, da arquibancada próxima, assistia as disputas mais acirradas. O olhar percorrendo os corpos de músculos suados expostos. Homem a homem. Ela conferiu cada um dos competidores, uns atrás dos outros de um lado. Uns atrás dos outros do outro. Entre eles, apenas a corda estendida, tensionada, disputada pelos dois times. Os últimos homens da delegação dos Países Baixos eram os van Loon. Envergando juntos o azul, branco e vermelho, eram a âncora que suportava a equipe, enquanto os outros se encarregavam de puxar para si a corda e, com ela, os adversários. Eles sabiam que, se quisessem se sagrar campeões, teriam de confrontar-se com as suas próprias cores, a favorita Grã-Bretanha, finalista das últimas olimpíadas. Mas eles tinham a âncora holandesa. Os irmãos van Loon. Willem e Antonius.
Mas quiseram os deuses olímpicos que o sol brilhasse nos cabelos louros daquela moça. E que seu olhar se detivesse sobre os van Loon. E entre os jogos, ela se encontrava secretamente com Willem e com Antonius, sem que um soubesse do outro. E quiseram os deuses que, inspirado pelos anéis estampados na bandeira branca, Willem lhe propusesse também um anel. Casar-se-iam, conforme os planos do van Loon mais velho, após os jogos, e ela retornaria com ele para os Países Baixos. Mas a moça, confusa e ofuscada pelo esplendor dos atletas, apaixonada por ambos, prometia-se também ao mais moço dos irmãos. Propusera-lhe Antonius que ficassem juntos após os jogos. Ele ficaria na Bélgica com ela, para muitos outros verões, deixando que a delegação retornasse sem ele à terra natal. E foi o fio louro de cabelo que acabou com a âncora holandesa. A maior esperança do cabo-de-guerra dos Países Baixos perdeu-se na disputa, não pela vulgar corda olímpica, mas pelo delicado fio sedoso dos cabelos de uma belga.
A moça não conseguia decidir-se entre apenas um dos irmãos. Eles, apaixonados e cegos pelos radiantes cabelos ensolarados, cravam-se como âncora no solo e angariavam vitórias no torneio, junto com seus companheiros. Finalmente a grande final se pintou toda de azul, vermelho e branco. De um lado, a equipe britânica, do outro, os Países Baixos. Entre eles, uma corda. E uma mulher. A moça de cabelos cor de ouro sentou-se na primeira fila para torcer por seus amantes. Sorrindo-lhes e acenando, ambos tomavam para si os gestos. Mas quiseram os olímpicos que a moça de cabelos de ouro, tornasse-se a mulher de prata. E foi, ironicamente, o anel de ouro na mão da moça, que tirou o ouro da mão dos van Loon. Com o sol batendo-lhe nas madeixas louras, ela levantou a mão e, sorrindo, fez com a cabeça um sinal afirmativo que abriu um sorriso imediato no rosto de Willem, cuja alegria lhe rendeu forças para cravar-se ainda mais profundo no solo, selando qualquer chance dos britânicos moverem-no. Com isso o time dos Países Baixos retomou a ofensiva, puxando os adversários e arrastando-os com a corda. Mas o sorriso de um van Loon, foi a desilusão do outro. Ao perceber sua derrota para o irmão mais velho, ao perceber que perdera sua amada, Antonius perdeu também as forças. Partiu-se então a âncora holandesa, e afundou o sonho dourado. A mulher de prata assustou-se ao ver os britânicos arrancarem os seus desafiantes do chão e, com corda e adversários puxados para o seu lado do campo, sagrarem-se campeões do cabo-de-guerra das Olimpíadas de 1920. Mais assustada, ficou a moça ao ver seu futuro marido aturdido sob os punhos e insultos do irmão mais novo. Assustou-se ainda mais quando a violência generalizou-se na arena, entre o próprio time. Amargurou-se quando Willem, sabendo de tudo, desistira do casamento.
A lembrança do ouro perdido dos van Loon restou cintilante no dedo da mulher de prata. Desde então, nunca mais houve outro campeão de cabo-de-guerra nos jogos olímpicos.
3 comentários:
cara, só tu mesmo para transformar uma competição de cabo de guerra olímpica em algo interessante. gostei!
e a moça aí é tão v..., v..., volúvel, claro.
félix e seus comentários sagazes. ehehe o pior é q enquanto escrevi eu ficava pensando q tinha gente q se reunia de verdade pra ver essas provas. e tinha caras q tinha orgulho em serem os melhores do mundo em cabo-de-guerra. putz!
Bem, gostei muito do viés abordado dos bastidores de uma disputa olímpica. O que acontece fora do alcance do grande público rende boas histórias.
No mais, sua história está bem alinhavada, bem desenvolvida e o entrelaçamento das palavras é belo e poético.
Parabéns!!!
Postar um comentário