sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Nussknacker

05/09/08

Gosta da música, querida?

Venha, dance comigo. Não se acanhe.

Isso. Muito bem. Junte seu corpo ao meu, acompanhe os meus passos.

Você está linda ao luar. Como em todas as noites.

Ah, não lhe fascina a plástica da dança, a materialização da música?.. Tão belo quando o corpo se une aos violinos como um único ser, fluido, navegando em ondas invisíveis... Você não está tão fluida hoje, amor. Mas tudo bem, eu perdôo.

Tchaikovsky, adoro. Particularmente esta. Último movimento da suíte do Quebra-Nozes. Blumenwalzer, sabe o que significa? Valsa das Flores...

Falando em flores, gostou do buquê?

Sei que gostou, não precisa responder.

Rosas... Tão macias, tão cheirosas, mas ao mesmo tempo tão traiçoeiras. Quem sem cautela contempla sua beleza, acaba com os dedos espetados em seus acúleos. Rosas vermelhas, tão belas quanto você, querida...

E o vinho?

Delicioso, não?

Não é todo dia que se degusta um Romanée Conti legítimo, direto da Cotê de Nuits. Adoro o sabor das pinot noir...

Sim, muito caro. Mas não poupei despesas. Uma noite especial como esta merece tudo do bom e do melhor.

Claro que o entorpecente atrapalha um pouco o gosto.

Mas há gosto para tudo, não, amor?

Para tudo mesmo...

Sempre me perguntei o que você via nele. Que criatura grosseira e insossa...

Amigos, não é? Claro, querida. Mas amigos não passam tanto tempo um com o outro, passam? Sim, passam, claro. Parece que sobrava muito trabalho para ser feito fora do horário do escritório, não?

Para ser feito em casa.

Na casa dele.

Só vocês dois.

Não, tudo bem, querida, eu entendo. Entendo mesmo. Assim como você deve entender que eu jamais suportaria perdê-la, sob hipótese alguma. Eu também não poderia viver sem você. Eu não suportaria vê-la com outro.

Preferiria não vê-la com ninguém.

Você sabe o quanto eu te amo, não? Mais do que a qualquer coisa neste mundo.

Mas até do que a estar neste mundo...

Deixe-me pegar meu copo só um instante. Ah, que sensação exótica a do vinho com o cianeto! Pena que nunca alguém pôde escrever sobre tal combinação...

Então baile comigo, meu anjo. Beije-me uma última vez. Não me importo com seus lábios frios e o outro vinho que escorre pelo seu pescoço.

Deixe-me tê-la em meus braços, sentir a doce carne na qual encontrei minha perdição.
Vamos ter nossa última dança à luz da lua, que lá do alto nos espreita por entre as nuvens.

Pois esta noite encerraremos nossa valsa no Inferno...

13 comentários:

Flavia disse...

Bom texto!

Apesar de antes da metade já imaginar que ele teria matado a amada...

Ciúme é uma coisa de doido!!

Sílvia Mendes disse...

Gostei muito, mas acho que poderia ter terminado no "Mais até do que a estar neste mundo... ", ficaria algo no ar. Mas - repito - gostei muito!

Félix disse...

sobre esse texto... eu acho que, para o efeito desejado funcionar, ele deveria ter mais coisas antes da frase do entorpecente, que é onde escancara que vai ter merda pela frente (infelizmente, não consegui criar mais). depois dessa frase, fica apenas a dúvida do que virá pela frente. portanto, a idéia está aí, mas o desenvolvimento poderia ser melhor. claro que imagino que, vindo de mim e devido ao tema, nas duas primeiras frases o pessoal perceberia que estava lidando com um personagem que não bate bem da cabeça...

Anônimo disse...

Félix, nao eh nem tanto por vc ser o autor que dá de imaginar que ela está morta... é o jeito que o personagem fala memso. Muito psicopata as palavras utilizadas, a cadência da narração em si. Achei muito bom, ficou realmente doente.

Medéia (Carlena) disse...

Adorei!
Nem tenho palavras prá dizer quanto gostei...

Extremamente assustador. Dava até um roteiro de filme... eheheh

Parabéns!

Félix disse...

talvez por isso mesmo que eu não tenha achado o desenvolvimento 100%. eu tinha a imagem da "cena" bem clara na minha cabeça e seria realmente de assustar...

Rodrigo Oliveira disse...

show de bola! o ritmo foi tudo e conseguiu criar o clima, a tensão, a ambientação. Claro q deu pra ver o q estava rolando, mas não acho q deveria ser escondido. gostei da forma de apresentação. Eu só nao colocaria o "outro vinho que escorre pelo seu pescoço". Ela tb deveria ter ido pelo cianeto, seria mais condizente com o personagem,me parece. mais poético como ele. E, agora gosto bem pessoal, isso me soa mais a tango q valsa.

Cris disse...

Bárbaro!!!

Parabéns!!!

Vivi disse...

Gostei do ritmo, da forma, do encadeamento das palavras e da abordagem do cíume destruidor e atormentador.

Muito criativo!

Thiago Floriano disse...

concordo com os comentários do rodrigo quanto ao outro vinho... curti o ritmo e a ambientação do texto...

Anônimo disse...

deu pra imaginar toda a cena... macabro e muito bom hahaha adoro filmes de terror... e esse me pareceu um bom roteiro

Débora Pereira de Almeida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Débora Pereira de Almeida disse...

Imaginei-me nos braços do ciumento.

Assustador, simplesmente assustador.

Senti a lua bater na minha face, o rosto do assassino em sombras dizendo com um hálito de vinho e com os dentes amarelos, olhos cheios de desespero o quanto me amava sob um doce som de valsa.

Incrível, INCRÍVEL!