Um adeus nunca é a deus. Seja pela improbabilidade da partida ou da prévia chegada. Seja pelo nunca ir ou pelo nunca ter estado, a deus não há adeus. Os adeuses são todos ateus, independente da crença de quem os dá. Como se no adeus não se precisasse acreditar em mais nada, além do próprio adeus. Nele, acredita-se piamente. O temos ali, à frente, provado, escarrado e escrito. Ou acenado, lacrimejado. Mas o adeus o temos ali.
Mas logo, o próprio adeus dá adeus. Vai-se. Não temos nada mais, então, no que acreditar. Exceto, talvez, que inventemos algo. Porque os adeuses são breves e efêmeros como nós. Talvez por isso acreditemos tanto neles; para que possamos acreditar em nós mesmos. Os adeuses nos são muito mais próximos que os deuses. Os adeuses são nossos; e como nós. Imagem e semelhança, diríamos, se não o tivéssemos dito antes a outro que não ao adeus.
Nem por isso nos despeçamos dos deuses. Mesmo porque, visto que a eles não existem adeuses, seriam estes desnecessários e insignificantes. Os adeuses, digo. Há algo no adeus que escapa mesmo a deus. É ao adeus que estendemos a mão e acenamos, cabeça erguida em felicidade ou tristeza. Só quando o adeus se vai é que baixamos a cabeça e nos recolhemos a nós mesmos, rememorando, lambendo as feriadas ou saboreando um passado recém saído da pupa do presente.
A deus dá-se o contrário. Quando está presente — se alguma vez esteve, e deve ter estado, se não mentem os dois pelados em torno da árvore das iscas proibidas — é que baixamos a cabeça. Não há acenos, estender de braços ou olhares elevados. Há silêncio e olhos ao chão. Como procurando por algo que emane lá de baixo, que lá se esconda, e que nos atrai ainda mais quando contrastado pela presença divina. Só tornamos a erguer a cabeça quando deus se vai. E tornamos a erguer o braço, seja para baixá-lo com violência, seja para apontá-lo a alguém, seja para buscar algo que pareceu-nos extraviado de repente. Jamais em adeus. Porque o adeus é nosso para darmos a quem quer que seja. Exceto a deus, que ele, a nós, o deu muito antes.
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
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3 comentários:
putamerdacaralhoporra. (dizem que tem coisas que só se expressam com um palavrão).
gostei bastante. mas como a deus não há estender de braços? Jesus estendeu! Os dois, por sinal.
Mas sempre podemos dar adeus a deus.
Jesus não necessariamente é deus, hein?
O trocadilho em si não é novidade. Mas o desenvolvimento, PQP! Ele já estava interessante nos primeiros parágrafos, mas no último pegou uma força incrível (efeito do leitor ateu?). "Árvore das iscas proibidas" é memorável.
Como o demônio se esquiva de deuses e adeuses para se aninhar dos detalhes, a única frase que me pareceu desnecessária: "Os adeuses, digo". Truncou um pouco aquele trecho, sem fornecer informação adicional. Uma coisa pequena em um texto que está muito bom!
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