Esta história é baseada em fatos reais.
A hora chegou e ela não podia mais adiar. As bocas que precisava alimentar ali estavam, magras, famintas, desesperadas. Não havia descanso, não havia escolha. De algum modo, ela precisava se mexer. Correr atrás, sozinha. Sem companheiro e sem pai. Era o caminho que ela havia seguido, e agora pagava o preço pelas suas decisões.
Ainda era escuro quando saiu. Para um exterior implacável, sedento por sangue, suor e sofrimento. Os caminhos, que antes eram os mesmos, não mais serviam. Todo dia era uma nova jornada ao incerto. Cruzava com miríades de rostos, cegos, indiferentes. Quando muito, desconfiados e agressivos. Seguiam suas aventuras nada românticas em tempos de inglória e dificuldade. Um mundo saturado, onde o que não faltava eram outros, atolados em seus próprios problemas com o qual lidar.
Caminhos estreitos. Vielas escuras. Rostos esqueléticos. Não havia piedade, não havia deus. A cada esquina, uma chance. A cada dobra, uma decepção. Vazio e cansaço. De tentar e de não conseguir, mas mesmo assim tendo que seguir adiante.
O fim do dia lhe trazia novamente mãos vazias. Escassez e fadiga. Mais energia gasta em buscas fúteis. O tenro enlace da morte apertando mais o seu abraço. O retorno ao lar, que de redentor já nada mais tinha. Alternativas esgotadas, ausência de perspectivas. Despido de todas as aspirações possíveis, o universo se reduzia à necessidade básica que a tudo mais obliterava.
A hora chegou e ela não podia mais adiar. As bocas que precisava alimentar ali estavam, magras, famintas, desesperadas.
Inclusive a sua.
Pequenas e indefesas, não tinham como reagir. Uma a uma, tremulavam por instantes, antes de jazerem inertes. Ossos quebrados, órgãos mastigados. O que havia se esvaído como leite retornava em forma de carne e sangue. O estômago se enchia, o monstro se acalmava. O fim de um laço primordial, rompido nas penúrias extremas de uma vida sem oportunidades.
Mas não havia culpa, não havia arrependimento. O que importava era sobrevivência. Haveria uma nova temporada e, com ela, novas bocas para alimentar. Quiçá desta vez conseguissem ir mais longe. Pois era para isso que ela precisava seguir vivendo. Por enquanto, a rata satisfeita apenas se enrodilhou e deixou a aurora chegar.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
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3 comentários:
O título de verdade disso aqui é "A fome". Mas alterei para que não fosse tão fácil perceber já no título o que ia acontecer...
Pegando carona no comentário do Fábio no tópico de votação... O difícil em um texto desses é a tentativa de antropomorfisar o menos possível as ações e pensamentos, mas sem entregar fácil o fato de que não estamos lidando com humanos.
Por isso ele fica confuso. Seria fácil descrever as ações de um modo bem mais confortável para nós humanos entendermos. Mas daí caímos em uma mentira comportamental. E, como biólogo, eu não queria passar isso, nesse momento.
O final não é exatamente uma comédia. É a demonstração de que, em certos casos, os animais efetivamente matam sua prole por motivos variados. O canibalismo dos filhotes em tempos de escassez é bem documentado, notadamente em roedores. Interessante para quem pensa que o "amor" entre mães e filhos está acima de tudo sempre, nos mamíferos.
Porém... Tudo desaba, é claro, na falta de trabalho no texto. A idéia veio logo de cara, mas a execução só na quinta de tarde. Daí realmente não dá para ser feliz...
Cara, qto ao antropomorfisar o menos possível, é interessante como exercício. Mas não necessariamente deve ser o foco. Ainda que tenha a tal mentira comportamental. Como biólogo é interessante, não sei se como literato. É, como exercício. Mas tem que cuidar pra não cair num círculo de castração criativa. Mas é bem válido, especialmente se a gente por ao lado da sua luta contra o Whiggismo, que mostra esse esforço de entender (ou dominar) a estrutura do texto. Mas eu ainda acho que, mesmo pra isso, após o exercício é preciso priorizar a literatura. Que não é ciência, apesar do que alguns dizem, é arte.
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