quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A prece

“Pai nosso, que estais no céu...”

- Fala, filho.

Silêncio.

“Pai nosso, que estais no céu..”

- Fala, pode falar.
- Er... quem tá aí?
- Eu, ué. Você não chamou?
- “Eu” quem? Quem tá aí, que merda é essa?
- Sou eu, cacete. O Pai. Você chamou, eu respondi.
- D-Deus?
- Eu mesmo. Diz aí, no que eu posso te ajudar?
- C-Como assim? Quem merda é essa?
- Ai, meu cacete. Sempre a mesma coisa... Vamos lá, é o seguinte. Eu sou Deus, e você me chamou. Diz aí, o que te aflige?
- C-como assim? Deus?
- Ô, caralho! Mas por que vocês nunca facilitam, hein?
-...
- Seguinte, já sei como isso funciona. Vocês só acreditam quando eu provo, né? E ainda se dizem crentes.

Uma nuvem de fumaça começa a tomar o chão do quarto. Um cheiro adocicado enche o ar e um vento vindo sabe-se lá de onde balança algumas folhas, espalhando-as pelo chão.

- O que tá acontecendo? Quem é você?
- Ai, cacete. Gente burra!

O vento aumenta, a fumaça torna-se espessa. Em cima do criado-mudo, m bonsai entra em chamas. No meio do fogo, um rosto idoso e imponente surge com uma voz retumbante.

- Acredita agora, infiel?
- Tá certo, tá certo, eu acredito... eu acredito...
- Então, diga no que posso lhe se útil.
- É você mesmo? Mas... mas como isso é possível?
- Putaqueopariu, hein? A coisa tá difícil de andar aqui. Seguinte: tu me chamou, eu vim. Ou você diz logo porque tava me chamando, ou avisa de uma vez, que eu tenho um outro tanto de casas pra visitar ainda essa noite.
- Você é mesmo Deus?
- Sou sim. A fumaça, o vento, a arvorezinha pegando fogo, nada disso funcionou, não?
- T-tudo bem... eu acredito.
- Mas então, me diga, meu filho: por que você me chamou.
- Eu... eu estava rezando.
- Sim, isso eu percebi. Mas por que rezavas?
- Bem... eu rezo toda noite, antes de dormir.
- Sei disso, sei disso. Mas vamos direto ao assunto! Imagino que irias me pedir algo. Pode mandar.
- Hum... er...saúde?
- Ah, pára, né? Quer que eu acredite nisso? Vamos lá, você pode fazer melhor que isso!
- Ahn... a paz entre os homens?
- Porra! Não me venha com conversa fiada! O que você realmente queria? Pode falar! Que tal ser promovido? Ganhar na Mega Sena? Ser adorado por todos, ser amado por uma em especial...
- Hum... sabe a Silvinha do 204?
- Não cobiçarás a mulher do próximo! Cuida com a boca que a Silvinha é casada.
- Ah, foi mal. Mas diz aí, posso pedir qualquer coisa mesmo?
- Claro, a oração é sua.
- Tá bom. Então me responde: existe vida após a morte?
- Ai, cacete. Que fixação é essa de vocês com a vida após a morte? Você pode pedir tudo o que você quiser, dinheiro, fama, amor, toda a felicidade de uma vida, TUDO! E vem me perguntar justo o que vai acontecer DEPOIS de você morrer?
- Ah, é uma curiosidade, assim.
- Não! Não existe vida após a morte. Morreu, morreu. E ponto final. Passar bem.
- Deus? Deus?

A fumaça se foi, o fogo se apagou e José sentiu-se confuso.

“Bah... não existe?”

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