segunda-feira, 26 de novembro de 2007
VOTAÇÃO DA 3ª RODADA
Todos os participantes têm até o dia 30 de novembro (sexta-feira) para votarem aqui nos comentários em seu conto preferido.
Lembrete: agora os leitores também podem votar aqui mesmo pelos comentários desse post. Os votos de todos os leitores somados equivalem ao voto de um dos participantes, com vantagens em caso de empate.
Votem, opinem, e boa sorte a todos!
Primeira vez
Deitada ao seu lado na cama, ela o observava demoradamente. Seu corpo forte e definido lembrava-lhe aquele dia na praia. Ela havia se mudado do interior, fascinada com a areia, as rochas e o mar. Não pôde resistir a colocar os pés na água. A batida das ondas e a espuma salgada a encantaram de tal modo que ela só percebeu onde estava quando os pés já não encontravam apoio e os braços se agitavam em pânico. Então, apenas lembrava de estar deitada na areia, com lábios quentes tocando os seus. Quando abriu os olhos, o rosto preocupado que a olhava quase a fez perder a respiração novamente. Ergueu-se, sem jeito, e pediu tímidas desculpas pelo seu descuido. Afinal, era a primeira vez que ela tinha nadado.
Dali em diante, os capítulos da história se desenrolaram em rápida sucessão. Daquela primeira conversa sob o guarda-sol, adveio a troca de telefones. Do primeiro telefonema, o primeiro encontro, junto a alguns amigos. No segundo encontro, a dois, um beijo suave no fim da noite. Em pouco tempo, a entrega total, o compromisso firmado, a mudança e a compra da cama de casal onde agora repousavam. Ela vivia cada dia como se fosse único, respirava aquele relacionamento a todo instante, e nada podia tirar-lhe o sorriso quando estava com ele. Afinal, era a primeira vez que ela tinha amado.
Uma lágrima desceu do seu rosto quando ela lembrou daquele outro dia, quando visitou-o de surpresa no trabalho. Jamais saiu de sua memória aquela cena, quando, paralisada, olhava os dois agarrados sobre a mesa, ele tentando balbuciar alguma desculpa ininteligível para sua mente entorpecida. Ela saiu às pressas, caminhando para lugar nenhum, chorando as lágrimas que não havia derramando em todos aqueles tempos de felicidade. Mais tarde se encontraram, e ele implorou para que ela voltasse. Disse ser um idiota. Falou que a amava. Abraçou-a com força e desabou em fragilidade, ao pedir seu perdão e jurar que jamais faria ela chorar novamente. Falou que sua vida a dois valia mais que um erro isolado, por mais idiota que fosse. Afinal, era a primeira vez que ele tinha errado.
A pesada lágrima logo secou, pois foi a única. Ela balançou a cabeça e repetiu para si mesma que não valia mais a pena resgatar tais lembranças. Acariciou seu robusto ombro, com um leve sorriso. Levantou-se da cama, indo para o banheiro. Lavou as mãos demoradamente e pôs-se a pensar no que fazer em seguida. Havia diversas formas de se livrar dele, mas muitos problemas poderiam surgir, portanto ela tinha que calcular cautelosamente os seus passos para não cometer um erro. Afinal, era a primeira vez que ela tinha matado...
25 de Setembro de 2006
25 de Setembro de 2006
Cinco segundos. Esse foi o tempo da minha primeira experiência como pessoa, como ser humano, e talvez, a minha primeira experiência como jornalista que observa os fatos sem poder fazer nada para interferir na sua ocorrência. Saí do jornal para o Hospital onde eu deveria chegar à UTI e conversar com o coordenador daquele setor sobre as melhorias que haviam acontecido. Hospitais já são um tanto quanto complicados pra mim, mas resolvi encarar o desafio, afinal, nem todo medo pode ser levado por uma vida.
Chego lá, reconheço o médico (já o havia entrevistado anteriormente), vou até ele. Cumprimentos feitos, seguimos para a sala de espera para podermos conversar. Ele me explica a respeito das UTIs e do que tem sido feito para a melhoria do atendimento a pacientes em estado grave. Como na primeira entrevista que fiz com o médico, de tempos em tempos éramos interrompidos por um pedido de ajuda, de exames ou de informações sobre pacientes. Normal, a profissão que ele exerce exige esse tipo de atenção. Da sala onde estávamos tínhamos a vista completa dos seis leitos da nova UTI. Enquanto ele me explicava a respeito dos aparelhos utilizados nos procedimentos, observamos a queda do ritmo cardíaco de um paciente.
Num ato de completo instinto, o médico levantou-se, sacou o aparelho que deveria fazer com que o coração do tal sujeito voltasse a bater. Todos ali estavam tensos, eu lutava contra a minha curiosidade queria sentar-me e não ver aquela cena, mas não pude. O risco verde com o fundo preto da tela parou de apresentar qualquer oscilação. O tal sujeito acabara de falecer. Não pude conter as lágrimas que caiam dos meus olhos sem que eu tivesse qualquer tipo de controle. Senti as pernas bambas. Vi filmes, cenas, vidas passando a minha frente em alguns segundos. Parece brincadeira, e talvez a minha reação tenha sido exagerada mesmo. Mas eu não contive, não conseguiria. Foi a primeira vez que eu vi um falecimento tão de perto.
Como se num ritual lento e mórbido, todos os funcionários da UTI se uniram em torno do corpo do homem, deram as mãos. Chamada pelo médico, participei da oração que seguiu. "Trabalhamos com vidas, sabemos que tentamos de qualquer forma o salvar. Não conseguimos. Ele está com Deus. Descansa. Temos certeza que esse dia ficará marcado na história de muita gente como um dia triste. Vamos lembrar dia como um dia de mudança, daquelas que todos temos que passar".
Senti meu corpo amolecer. Sentei-me. O médico que eu até então julgava como alguém completamente racional sentou-se ao meu lado, pediu licença e me abraçou. "Você não é a primeira que tem esse tipo de reação. A vida é assim. Lidar com a vida é assim". Me acalmei e ele fez questão de me trazer à redação. No caminho, ele me explicava que independente de credo ou religião, a vida acaba do mesmo jeito pra todos. "E, por mais que a gente tente, lidar com a vida não é algo fácil". Os olhos lacrimejantes do médico não me deram dúvidas disso.
domingo, 25 de novembro de 2007
Prazeres
25/11/2007
Raffael estacionou o carro na rua escura, desligou o motor e puxou o freio de mão. Ao seu lado, Mari transparecia nervosismo, enquanto dava um sorriso sapeca. Raffael virou-se e a beijou um beijo molhado, quente e acelerado. Mari agarrou o cabelo em sua nuca e brincou com sua língua, ao mesmo tempo em que Felipe apagava as luzes do quarto. Larissa já o aguardava, deitada na cama apenas de camisola rosa, braços abertos e a ansiedade que trazia desde que vestiu a peça íntima. Felipe checou cada uma das velas acesas, apertou o “play” na trilha de Ben Harper e tirou a camisa enquanto caminhava na direção da cama. Reginaldo não chegou a tirar a camiseta, apenas abriu o cinto e baixou as calças até a metade das coxas. Zilá sentia vontade de gritar, não de prazer nem de tesão, e sim de dor, ao sentir o membro invasor penetrando seu corpo sem pedir licença. As mãos ligeiras soltaram o sutiã de Mari, que já estava em cima de Raffael, no banco deitado do carro de seu pai. Beijaram-se e abraçaram seus corpos seminus, enquanto Larissa suspirava e gemia no ouvido do namorado, na primeira noite de amor que o casal tinha. Felipe havia pensado em tudo, da champanhe até a trilha sonora e as velas espalhadas pelo quarto. Aquele era um momento especial, era a primeira vez de sua namorada, uma noite inesquecível, quase tão inesquecível quanto a noite de Zilá, que passaria os próximos anos de sua vida culpando a si mesma por ter deixado aquele homem rude arrancar sua virgindade sem fazer nada. É verdade que ela abrira a porta de casa apenas por se tratar de um amigo de seu pai, que estava viajando, e não suspeitara de nada, com seus apenas 14 anos. Zilá derramou uma lágrima e virou para o lado segurando o choro, quando Reginaldo foi embora. Raffael também virou para o lado após gozar, para sentar-se novamente no banco do motorista e deixar Mari se vestir no banco do carona. Felipe e Larissa viraram cada um para o seu lado, depois daquele momento tão íntimo quanto seria possível. Nenhum deles jamais esqueceu aquele 25 de novembro.
sábado, 24 de novembro de 2007
O Gosto da Fruta
Se já teve alguma história engraçada? Teve, teve sim. Sempre tem alguma coisa diferente. Tem cada tipo que aparece! As melhores sempre são as de algum endinheirado que fecha a casa só pra ele e pros amigos, ou aqueles de trazem alguém pra inaugurar. É, inaugurar. A primeira vez, sabe? Porque virgem nunca vem sozinho, né? Sempre é alguém que traz. Se teve alguma vez em especial? Não sei. Tem uma juntou um pouco dos dois, eu acho. Veio um coronel certa vez, de uma cercania aqui perto, pra inaugurar o filho. Isso faz uns cinco, seis anos, se não me engano. Não! Que é isso! Não posso dizer o nome, não. Sabe como é, normas da casa. E também por respeito aos clientes, né? Mas veio aquela vez, então, aquele coronel que eu não vou dizer nome, trazendo o guri mais velho dele. Ele não fechou a casa, mas pegou um elevado só pra ele. Veio com os amigos, gente de dinheiro, de fazenda, sabe? E o guri. E coronel era cliente bom, tinha que atender bem. Pagava bem e tratava bem. Era um homem bom. Por isso a gente também tratava ele bem. E o rapazote veio então pela primeira vez. Devia ter uns quinze, no máximo dezessete. Era meio franzininho mas era de se jogar fora, não. Tímido, o coitado. Nem sabia direito o que fazer. A Dona Keka viu que coronel tinha chegado e mandou eu e as meninas ir lá fazer sala pra eles. Eu sempre atendia o coronel, então foi bem tranqüilo. Já era da casa, nunca deu problema. Eu fui lá com as meninas e o coronel apresentou o filho. Claro, que também não posso falar o nome dele, mas ele, mesmo meio nervoso, foi bem educado com as meninas. A gente serviu os clientes com a garrafa reservada pro coronel, e até o filho deu uns golinhos. Acho que também foi a primeira vez que provou, pela cara que fez. Mas aí que o coronel queria inaugurar o garoto, e queria que fosse bem feito. Falou que já tava na hora de virar homem, que filho alegre não se cria. E pra prevenir, achou melhor trazer o rapaz aqui. E fez questão que eu também atendesse o garoto. Por mim tava tudo bem, até fiquei feliz com o reconhecimento do coronel. Depois de deixar o garoto mais à vontade e um pouco menos nervoso, levei ele lá pra cima. E os amigos do coronel faziam a festa, tinha até padrinho chorando de emoção.
No começo, tudo normal. Ele tava um pouco nervoso, mas todo mundo fica assim na primeira vez. Já cansei de pegar homem feito tremendo feito bambu no vento. Então comecei a conversar com ele, aquelas preliminares de sempre, pra não assustar. Perguntei se era mesmo a primeira vez dele (como se eu não soubesse!) só pra dar mais confiança. Ele disse que era. Ao menos com uma mulher. Na hora me deu um branco. Será o filho do coronel era fruta? Mas daí, logo lembrei que não podia ser. Logo o filho do coronel! Perguntei se era porque ele já tinha treinado sozinho. Ele riu nervoso e disse que sim. Quando tava pra começar o garoto, pra tranqüilizar, eu falei que era parecido com o que ele já tinha feito, e essas coisas que a gente sempre diz pra soltar mais o cliente. Mas só então eu vi ele não tava conseguindo. Devia estar nervoso, o coitadinho. Ele explicou que não era parecido com o que ele já tinha feito, que lá na fazenda os meninos aprendiam diferente. Eu já tinha iniciado muito filho que agricultor e sabia bem como era na fazenda. Molecada vivia no curral! E não era ordenha que eles faziam nas vacas, não! É verdade, aqui na cidade tem gente que não acredita, mas esse pessoal da fazenda aprendia assim até uns anos atrás. Você ri porque sempre morou por aqui. Mas enfim, eu tava perdendo o meu tempo e queria logo resolver aquilo. Então eu virei as costas pro garoto, bem na beirada da cama, e pedi pra ele vir. Falei que ia ser quase como ele já tinha feito antes. Enfim o coronelzinho conseguiu marcar presença e achei que ia se resolver logo. Mas aquilo tava demorando um pouco demais. Perguntei se estava tudo bem, e ele disse que aquilo não era bem como ele já tinha feito antes. Pôxa, aquilo era o mais próximo que eu podia chegar! Só faltava ele pedir pra eu mugir! Só então ele me explicou, bem sem jeito. Ele não freqüentava muito o curral, não. Ele costuma era ir lá pra plantação de melancia do coronel. Se tinha alguma menina que ele encontrava lá? Não, não. Se ele já tivesse conhecido menina eu não tinha passado tanto trabalho e tanta humilhação! Ele tava era atrás das melancias mesmo. Literalmente. Fazia um furinho com a faca e depois emprenhava a fruta. Que fim dava na melancia depois, eu não sei. Só sei que nunca mais comprei melancia que veio da fazenda do coronel. E não é que o moleque me pediu pra ficar que nem melancia? Que abuso! E lá fiquei eu, que já tinha mandado minha dignidade pro ralo, toda encolhida, abraçando os joelhos contra o peito esperando o garoto terminar. Pior é que de raiva e de vergonha devo mesmo ter ficado vermelha que nem melancia. Só sei que o moleque acabou não acabando. É, não deu certo, eu já tava irritada, e o coronel que me desculpe, mas aquele piá tem algum problema. Levei o coronelzinho de volta pro pai. Ele foi meio cabisbaixo mas eu pus o sorriso mais falso que tinha na cara e disse pro coronel: Coronel, seu menino não volta mais. Agora eu trouxe pro senhor um homem! E o padrinho chorão voltar a chorar, o velho acendeu um charuto e enfiou na boca do moleque e eu encerrei o expediente por ali mesmo. O que aconteceu com ele? Não sei bem. O coronel nunca mais apareceu. Nem o filho. Dizem que o moleque virou padre. E a Ritinha disse que viu ele com um outro garoto fazendo o que não fez aqui. Ela disse que o coronelzinho não gosta da fruta não. Mas, da fruta, ah, disso eu sei que ele gosta.
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
Dama de preto
22 de novembro de 2007
Ela veio para cima de mim sem o mínimo pudor. Admito que estava assustado, afinal, era minha primeira vez. As vestes pretas davam a ela um ar imponente e isso me intimidava muito, não era toda hora que uma situação dessas acontecia com um garoto tímido de 17 anos.
Terminado o pesadelo da aproximação inicial, começou a me envolver com sua nítida experiência. Fui ficando tranqüilo, aos poucos. Era uma sensação incrível. Sentia como se meu corpo não pertencesse a mim. Como se meus sentidos se confundissem. Como se mergulhasse num sonho.
Desde pequeno tentara imaginar como seria essa hora marcante, esse momento que, de tão esperado, parecia infinitamente distante. Ouvi alguns breves gemidos, que julgava ter eu mesmo emitido. Foi aí que o líquido mais precioso começou a jorrar de meu corpo. Ela parecia satisfeita. Era como se tivesse vencido uma guerra particular.
Dali em diante, lembro de pouca coisa. Devo ter perdido, de fato, os sentidos. Até que vi ao meu redor algumas flores, uma foto e, se não me falha a memória, alguns pares de olhos enrubescidos e lacrimejantes.
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
Tema: Primeira Vez
O tema é Primeira Vez e a data final para a postagem dos textos é 26 de novembro, segunda-feira.
Lembrando que as regras mudaram e agora o público tem ainda mais voz no nosso Duelo!
Boa sorte a todos!
Marina Melz
Caro leitor,
Ao final da votação serão seis votos. Os cinco duelistas e o campeão do público, que somará um voto a contagem total. Mas não é só isso. Em caso de empate, o voto do público é considerado de minerva – um critério de desempate.
Vale lembrar que os comentários estão abertos em todos os textos, e a opinião de quem lê é muito importante para que as batalhas fiquem cada vez mais disputadas.
Não perca as datas de votação e participe. Agora você ajuda a decidir quem ganhará flores ao final de cada batalha!
Ao lado, criamos um link para o nosso regulamento, para que você tenha acesso às regras do jogo.
Muito obrigada,
Duelistas na arena
Fábio, Marina, Thiago, Rodrigo e Félix
sábado, 17 de novembro de 2007
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
O desvio
16 de novembro de 2007
Tem vezes que acho que estou no emprego mais chato do mundo. Cá estou eu, mais um dia, encostado em um pilar de concreto, com a obrigação de observar todo mundo que passa. Se pelo menos tivesse algo bonito pra olhar, mas geralmente precisava observar os homens em atitude suspeita. O problema todo é que passam muitas mulheres por aqui. Correndo para consumir as vitrines em olhares quase doentios ou simplesmente desfilando, elas passam por mim sem notar que existo. Coberto com esse traje preto, pareço mais um personagem do Men in Black.
Esse ainda não é o ponto mais triste da história. O difícil mesmo é desviar os olhos das curvas voluptuosas evidenciadas por uma pequena ausência de tecido entre os seios. Isso sim me incomoda. Ver e não tocar. Tocar e não lamber. Lamber e não... Não. Não. Não. Não viaja, ô! Nem sequer chegar perto eu posso, que dirá tocar.
Nessas horas fica difícil prestar atenção nos marmanjos que passam, sedentos por uma vitrine ou por ver o desfile dessas mulheres, ou ainda pra entrar numa loja qualquer com uma touca que cobre o rosto. Cá estou, recostado a um pedaço de concreto e olhando para um perfeito par de seios. Pelo visto, a dona dos ditos cujos usa um vestido roxo, mas como só consigo ver a parte que cobre um terço dos seios, não sei distinguir muito bem. Também não preciso fazer muitas conjecturas a respeito. São belos e ponto final. De que interessa a embalagem?
Eis que ouço aqueles seios falarem. Meu Deus! Acho que estou ficando louco! Sim, os seios me falam algo que não consigo identificar de primeira. A tal mulher vem em minha direção e, pasme, pára na minha frente. Não consigo desviar o olhar, até pelo fato de que os seios falam comigo. Falam e gesticulam! Essa é boa. Como pode? Aquelas duas maravilhas da natureza ficam de mamilos eriçados como se apontassem alguma coisa. E lá se vai mais um rapaz correndo com uma sacola de jóias nas mãos.
Uma piada de noite
16 de novembro de 2007
João Alberto era um cara totalmente high society. Solteiro há três anos, um divórcio digno da capa de Caras, 300 milhas mais pobre por causa da ex-mulher – aquela que já não dava a ele um prazer digno há anos por achar que sexo sujava seu corpo totalmente coberto de cremes dos mais variados tipos. Se preparava para mais uma insuportável festa com tapete vermelho. Olhou-se pela última vez no espelho. O smoking estava impecável. Ensaiou um sorriso falso.
Regada a champagne, caviar e um blues insuportavelmente alto a festa estava um saco. Conversando sobre os negócios da multinacional que dirigia com um bando de homens velhos e totalmente gagás. Resolve dar uma volta para livrar-se daquele papo sem nexo e do cheiro de charuto cubano.
Em sua direção, um par de peitos cobertos por um vestido vermelho. Não, não. Não podia ser verdade. Eles vinham mesmo em sua direção. A mulher, cujo rosto pouco importava, usava um longo que acentuava a silhueta perfeitamente curvilínea chegou como um furação e ele teve que disfarçar uma quase ereção. “Segura aí, parceiro”.
- Boa noite, jovem senhor.
- Uma belíssima noite, caríssima – respondeu João Alberto, com as pernas bambas e a certeza que aquela noite certamente prometia.
Depois de beijá-la na mão, João Alberto – que já havia perdido a conta de há quantos anos não era chamado de jovem – convidou-a a para um wisky. Conversaram durante a noite, embora ele não lembre de absolutamente nada do que ela tinha falado. Vagamente, passava por sua memória algumas palavras. Aquele delicioso vão entre seus peitos era um convite muito mais apetitoso do que qualquer assunto.
Resolveram estender a noite por uma proposta dela porque ele, ah, quem disse que ele conseguia pensar em alguma coisa? Embarcaram no carro importado dele, ela abaixou a cabeça temendo que alguns dos insuportáveis jornalistas sociais conseguisse os flagrar juntos.
Na portaria do motel, ele quase não conseguia controlar sua excitação. Escolheu o quarto. Exigia que aquele desjejum tivesse direito a cama redonda, espelho no teto e tudo mais. Sentia-se com 18 anos. Ela pegou uma das mãos que estava no volante, colocou sobre o peito direito. Ele quase bateu o carro. Riram um riso nervoso.
Subiram a escada do quarto amassando-se como se essa fosse a última noite de suas vidas. Ele jogou-a a cama. Já totalmente ereto, dispensou demais preliminares já temendo que uma ejaculação acontecesse antes mesmo de invadir o corpo dela.
Ao tirar a parte de cima do vestido, mal podia esperar para ver aqueles peitos nus. Teve a primeira surpresa. Uma espécie de sutiã colado ao corpo dava um aspecto estranho aos tão esperados. Ela riu, sem jeito. “Sabe como é, né? Alguma coisa tem que segurar”. Mal podia acreditar. Esforçou-se para se manter concentrado. Teve medo de puxar aquilo e ouvir um grito de dor. Ele percebeu e tirou o tal sutiã especial, que mais parecia uma gelatina nojenta.
Os tais peitos perderam totalmente o sentido, mas agora era tarde. Resolveu tirar o resto do vestido esperando encontrar o belo par de pernas que estava amostra apenas até o joelho. “Calma aí, amigão, teremos surpresas aqui”. Realmente. E não das melhores. Ao invés de uma sexy lingerie vermelha – ah, como ele adorava esses caprichos femininos – uma espécie de bermuda, que apertava sua pele e definia suas curvas.
Ele respirou fundo, foi até o final. Foram 15 minutos afinal de contas. “Chegamos ao ponto chato de não ter que pagar por isso, paciência”. Era batata. Elas sempre deitavam-se no seu peito esperando por um afago. Antes que ela pudesse sentir um real carinho, ele pegou no sono.
Pela primeira vez na vida, João Alberto sentiu-se um cara normal. Havia sonhado com os tais peitos empinados, com sua quase ejaculação antes mesmo de comer aquela mulher. Acordou, olhou para a fronha totalmente pintada ao lado. Pensou ter dormido com o Bozo. Gargalhou sozinho. Pelo menos não pagou pra descobrir o que havia embaixo do decote vermelho.
Conhecedora de homens
15/11/2007
Saiu do banho e vestiu vagarosamente a recém comprada calcinha de renda preta. Ela conhecia muito bem os homens, e sabia que a lingerie certa podia enlouquecer qualquer um. Passou um perfume suave, pois sabia que os homens não gostavam de perfumes muito doces, e vestiu seu melhor vestido. Era preto, justo, curtíssimo e o mais decotado que tinha. Ela conhecia muito bem os homens e sabia que um decote provocante podia garantir a atenção e os olhares durante toda a noite.
Arrumou os seios sob o decote provocante, maquiou-se e desceu as escadas que levavam até a rua. Pegou um táxi a caminho da festa, pois conhecia bem os homens e sabia que conseguiria uma carona de volta para casa.
Chegando na festa, pediu um drink e ficou de olho em tudo ao seu redor. Flertou com alguns rapazes, escolhidos a dedo, pois ela entendia de homens e sabia quais eram os melhores partidos. E como entendia bem, decidiu ir para a pista de dança. Ela sabia que homem algum resistia a um belo decote dançando sozinho no meio do salão.
Logo foi abordada por alguns rapazes. Ignorou os errados e abriu-se em sorrisos para o melhor partido da festa. Ele a convidou para dançar e ela derreteu-se em rebolados junto ao seu corpo. Ela conhecia bem os homens e sabia perfeitamente como excitá-los.
Dançaram por um longo tempo, rindo e se divertindo, até que suas respirações já se misturavam, suas bocas procuravam-se e suas mãos percorriam seus corpos. Ela conhecia bem os homens, e por isso puxou-o para fora da pista de dança, levando-o pela mão até a varanda na área externa da danceteria.
O som da música perdia-se à distância, enquanto os dois se agarravam sob as estrelas. Ela sabia do que os homens gostavam, então arranhava as costas do rapaz sob a camisa, enquanto gemia no seu ouvido. Esfregava suavemente seu corpo no dele, então pegou sua mão e levou até o decote. Ele, enlouquecido, apertava seus seios, sedento por carne. Ela sabia do que os homens gostavam, então deixou que ele os devorasse com os lábios, longe dos olhares de qualquer um. Ele se empolgava cada vez mais, e deslizando sua mão pelo corpo dela, procurou abrigo entre suas pernas.
Ela conhecia muito bem os homens, e sabia que não podia deixar que ele chegasse a seu objetivo logo na primeira noite. Atiçou o rapaz ao máximo, mas impediu que sua mão continuasse desbravando seu corpo. Pediu que ele a levasse para casa, mas ele negou. Ela conhecia bem os homens, então escreveu seu número na mão dele, e levou-a novamente ao seu insaciável decote, prometendo muito mais da próxima vez.
Quando ela a deixou em casa, ela lhe deu um beijo de despedida e riu por dentro, confirmando que ainda sabia tudo sobre a mente masculina. Tirou a maquiagem já borrada e desarrumou os cabelos, tirou os sapatos de salto alto, que ela sabia serem os preferidos dos homens, e foi até o banheiro. Escovou os dentes e lavou o rosto.
Foi até a frente da privada, abaixou a calcinha e levantou o vestido. Colocou o pênis para fora e urinou. Depois de tantos anos sendo um deles, ela conhecia os homens como ninguém.
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Decote-se
'que teu decote é carnaval.
Peito aberto, orbes ao vento,
da vida, manancial.
Decote-se, denote-se, morena,
vem!
Que teu decote é meu enredo,
é meu credo, é meu bem.
No teu decote que me perco,
que m'encontro, me aconchego.
No teu decote um abrigo zen.
Nos teu orbes de desejo
te desejo,
sem decoro,
sem decote, vem, morena, vem.
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Fascínio
13/11/07
O café está vazio por conta do horário avançado. Os garçons não agüentam a hora de poder enxotar os últimos clientes e ir para casa. Eu sou um destes clientes, e em pouco tempo uma nova companhia aparece. Ela entra e toma uma mesa para si, para desagrado das garçonetes e alegria dos garçons. Pois não deve ser toda noite que uma mulher daquelas aparece no lugar. O copo de cerveja, que fazia sua jornada rumo à minha boca, pára no ar quando a vejo. Observo-a sentar-se, cruzar as pernas e espiar o cardápio. Seu rosto é maravilhoso, mas meus olhos se pregam em seu decote esplendoroso. Fascinado, não consigo tirar os olhos da pele que se revela por entre a generosa abertura de seu vestido. Os vincos no tecido denunciam que a roupa está estufada pelo seu generoso conteúdo, quase pedindo para pular fora. Perto dos ombros posso ver uma pequena centelha do sutiã preto, fazendo um contraste enlouquecedor com a veste vermelha. E, ah!, aquela bendita curva dos seios que se revela no decote, que fascina qualquer homem em qualquer época ou lugar! Sigo lentamente com o olhar seu delineamento perfeito, quase como se pudesse acariciá-la com os olhos...
De repente, percebo que ela me encara. Com uma expressão contrariada, larga o cardápio e sai do café. Fico sem ação por um segundo, mas logo me levanto também, soltando algumas notas sobre a mesa. Ela caminha apressadamente na rua escura, um pouco à frente. Preciso pedir-lhe desculpas, afinal, não queria deixá-la raivosa. Apenas estava apreciando a sua beleza, sem intenção alguma de envergonhá-la. Chamo-a, mas ela mal olha para trás e acelera o passo. Aumento o ritmo para alcançá-la. Calma, moça, não é nada do que você está pensando. Mas ela começa a correr, e tenho que seguir atrás. Eu apenas quero parar, dizer-lhe o quanto ela é bela e pedir perdão pela minha indiscrição, explicar-lhe que não sou um pervertido qualquer. Mas ela foge e, quando a alcanço, ela começa a gritar. Meu Deus, moça, acalme-se! Por que ela reage deste modo? Apenas quero lhe falar uma coisa! Ela se debate e tenho que puxá-la para um canto, antes que alguém apareça e entenda a situação de um modo errado...
Dos dois que entram naquela ruela lateral, apenas um sai. Estou exausto, contrariado e triste. Por que diabos ela teve que dificultar tudo, e fazer as coisas chegarem àquele ponto? Tudo porque achei-a belíssima, fiquei fascinado pelos seus dotes. E, afinal, se ela usava aquele fascinante decote, era por que queria chamar a atenção, não? Raios, não consigo entender as mulheres. Agora tenho que voltar a pé para casa, para que ninguém desconfie da minha roupa rasgada e meu rosto ferido, cruzar com alguém que não consiga compreender a minha situação. Talvez eu pudesse pegar um ônibus naquele ponto... Não, melhor não arriscar. Mas veja... Tem alguém ali, esperando. Meu Deus, que criatura magnífica! O que faz na rua sozinha, tão tarde? E veja a saia que ela usa! Não consigo mais tirar os olhos das linhas perfeitas de suas pernas, meus olhos vão subindo junto com minha imaginação, até chegar na linha reta da saia, aquele limite para a visão que enlouquece qualquer homem, em qualquer época ou lugar...
sábado, 10 de novembro de 2007
TEMA: DECOTE
Tema: Decote.
Publiquem seus textos até o dia 16 de novembro, sexta-feira.
Boa sorte a todos!
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
terça-feira, 6 de novembro de 2007
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O Santuário
05/11/07
Com o sol ainda por se levantar, Flávio Galério acordou de um sono inquieto. Sem demora, levantou-se e caminhou para certa distância do acampamento, onde seus guardas e servos ainda dormiam. Da borda de um profundo penhasco, pôde observar a vastidão montanhosa que se estendia pela Anatólia. Tão longe estava de sua casa, na reluzente Roma de tantas glórias... Mas agora os tempos eram outros. Há gerações os romanos não podiam gozar de um longo período de paz e prosperidade como os de outrora. Se um fiapo de esperança surgia com a ascensão de homens poderosos, era apenas para se romper com sua morte, lançando novamente a vastidão imperial em desordem e revolta. Eram tempos de turbulência, tanto material como espiritual. Pois a inconstância das convenções e as rápidas mudanças deixavam as almas irriquietas, titubeantes quanto à firmeza de suas convicções. Almas que por vezes se lançavam para o mundo em busca de respostas, como a de Galério.
Não fazia muito tempo que deixara a capital do Leste, a ancestral Bizâncio, rebatizada Constantinopla em homenagem ao seu reformador. Mais de século já se passara desde que o governo do império fora dividido, e povos bárbaros não cessavam de penetrar em seu território, tornando longas viagens extremamente perigosas. Mas o romano não se intimidava diante dos perigos. Cruzara o Bósforo em um barco e agora transitava por uma terra que fora de muitos reis ao longo dos séculos. Seguia uma estrada tão antiga que suas pedras veriam Roma apenas como uma criança. Lendas diziam que levava à capital de um império de tempos primevos, que guerreava com povos grandiosos muito antes da época em que Tróia fora devastada. Galério seguia esse tortuoso caminho como resultado de suas inquietações e pesquisas. Inquietações ante perguntas capitais sobre o homem e o universo. E pesquisas que indicavam ser aquela a direção de suas respostas.
Voltou para junto de seus seis companheiros, que levantavam e arrumavam as coisas para a partida. Com o sol raiando, as duas pequenas carruagens colocaram-se em movimento. Não podiam estar muito longe do lugar procurado, se este de fato existisse. E bastou apenas mais um dia e meio para que avistassem o pitoresco templo escavado na rocha, cuja visão pareceu aos olhos de Galério mais espetacular que o grandioso Teatro de Jogos de Roma. Se suas pesquisas estivessem certas, aquele era o remanescente de uma antiga ordem de sábios gregos, cujo conhecimento único e enigmático de certos assuntos não encontrava paralelo nem mesmo nos tempos áureos de Atenas.
Galério ordenou que os outros permanecessem do lado de fora, dirigindo-se para o templo apenas acompanhado dos dois servos para auxiliá-lo no transporte de um pesado baú. Deteve-se por um instante à porta da construção. Nada mais era que uma fronte grega esculpida na rocha, ligando o exterior a aposentos interioranos escavados a desconhecidas profundidades. Com seu conhecimento de grego arcaico, conseguiu decifrar parte das gastas inscrições decorativas, mas o estranho e misterioso nome do deus para o qual o santuário era consagrado lhe era inteiramente desconhecido. Nada indicava que o lugar era habitado, mas as duas pesadas portas de madeira ainda mantinham-se de pé. Galério anunciou sua chegada e, não obtendo resposta, bateu nas portas fechadas com força.
Um longo tempo se passou antes que ouvisse uma resposta do outro lado. A pergunta veio em um dialeto latino do leste, facilmente entendível para o erudito romano. Respondeu quem era e quais suas intenções, ao que a porta foi aberta por um surpreso jovem de aparência anatólia. Galério e os carregadores entraram no escuro corredor que se estendia diante deles.
Passando por alguns aposentos e salões, Galério notou a ausência de referências ao panteão grego de deuses. Na verdade, todo o interior parecia acentuadamente austero, com raras pinturas e esculturas. Passaram por poucos objetos e nenhuma pessoa, dando a impressão de um lugar que outrora fora mais habitado. Por fim foram apresentados a um homem de meia idade e fisionomia egípcia, que os olhou de um modo desconfiado quando o jovem fez seu relato. Com poucas palavras, o egípcio passou a conduzi-los em direção a um portal maior, por detrás de onde se abria um grande salão.
Ao aproximar-se da entrada, percebeu que o salão parecia uma mistura de biblioteca com dormitório. Ali sim havia alguma coisa, enfim: vasos para depósito de pergaminhos e suprimentos, além de alguns móveis de madeira e um amontoado de palha e peles num canto. No centro do aposento, uma mesa com algumas cadeiras. Ocupando uma delas, um ancião de aparência tão antiga quanto o pergaminho que lia. O egípcio trocou algumas frases em uma forma de grego arcaico sobre o qual Galério pouco mais pôde fazer além de identificar como tal. Em um tom neutro, o velho convidou-lhe a sentar. O egípcio saiu, assim como os servos, após depositarem o baú ao lado da mesa.
Galério fez a reverência formal que os antigos gregos faziam para os velhos e sábios, antes de tomar seu lugar e falar as primeiras palavras com o homem.
- Saudações, ó sábio das montanhas! Meu nome é Flávio Galério, cidadão de Roma. Viajei de muito longe em busca deste misterioso templo, cujas raras citações ainda existentes indicam como um lugar de profunda e exótica sabedoria.
O ancião respondeu num latim carregado de estranho sotaque, mas perfeitamente entendível para qualquer romano contemporâneo.
- Sou Antígono de Éfeso, o mais velho e líder dos poucos que habitam este local. Há muito ninguém percorre a estrada para Hattusa até chegar neste santuário, viajante. Nossa ordem é antiga, reduzida, e não passamos de uma lembrança nebulosa enterrada nos pergaminhos mais esquecidos das bibliotecas. Muito me admira que alguns ainda consigam unir pequenos cacos de informação e chegar até nós, pois, é claro, não és o primeiro que vejo bater à nossa porta durante minha vida. Entretanto, ninguém faz tal empresa por nada. Então me diga a que vens, e te direi se podemos ou queremos ajudar com nosso conhecimento.
- Procuro por uma resposta, sábio. Muitos poderiam fornecê-la, devido ao caráter da pergunta. Mas seriam respostas vazias e cegas. Procuro por uma resposta de verdade a uma dúvida fundamental, e acredito que só aqui obterei-as - respirou fundo e concluiu, em tom solene - Pois o que se diz nas obscuras referências à sua ordem é que vocês possuem o conhecimento mais profundo da natureza do deus. Ou dos deuses.
O ancião ergueu uma sobrancelha.
- Deuses? Diga-me que tipo de pergunta você tem sobre os deuses, pois assunto que desperta mais dúvidas nos mortais não há.
- Exato, sábio! E minha dúvida é a mais primeva e basal de todas: quem é o verdadeiro, ou os verdadeiros deuses?
Abriu seu baú, revelando uma profusão de pergaminhos de idades variadas, nos quais remexia enquanto falava.
- Desde nossos mais remotos registros, nós, romanos, adorávamos a um panteão divino que compartilhávamos com os gregos. Tal universalidade de culto entre nossas verdadeiras civilizações bastava para mostrar sua veracidade. Tivemos templos dedicados a cada deus, crônicas tecidas em torno de suas peripécias, rituais para que nos olhassem com bons olhos, fosse na colheita, no amor ou na guerra. Por séculos assim foi, de Rômulo a Dioclesiano, passando por reis, cônsules, césares e augustos.
- Porém, uma nova seita nasce, cresce, e um imperador, conhecido por sua força e sabedoria em outros campos, eleva-a a crença única e oficial de nosso império. De um momento para o outro, Roma renega seus deuses e toma para si um deus único, absoluto, que a tudo criou e que tudo governa. Os antigos templos são desmantelados, os altares são removidos dos salões imperiais e o povo gradualmente muda suas crenças, do mesmo modo que mudaria os calçados.
O ancião apenas escutava em silêncio, com olhos frios.
- E há ainda mais, sábio! Na nova religião, mesmo tendo apenas um deus, nasce a discórdia quanto à sua natureza. Alguns chegam a falar que o um na verdade são três, e outros respondem que na verdade os três são um! Assim se passam as décadas, nas quais os sacerdotes se encontram, discutem, concordam e discordam. E agora, sábio, o que ocorre?
Galério retirou uma volumosa pilha de pergaminhos do baú, despejando-os na mesa.
- Os sacerdotes se reúnem e escolhem quais de suas escrituras são verdadeiras, e quais não são. Não é mais qualquer texto que diz a verdade sobre o deus, tampouco os escritos de todos que foram discípulos do seu enviado na terra. São estes, e apenas estes livros, que agora os sacerdotes consideram como verdadeiros. Apenas algumas dezenas, dentre centenas. Não é o que foi escrito que é divino, mas o que foi escolhido!
Parou por um instante, no qual Antígono apenas olhou de soslaio para os documentos sobre a mesa. Então, o romano prosseguiu.
- Me responda, sábio, você que é versado na sabedoria divina: se o que já foi sagrado agora é herético, e se o que já foi verdadeiro pode se tornar falso, como podem os sacerdotes de agora ter tanta certeza de que estes livros que agora têm em mãos não serão renegados no futuro? E como podem ter certeza de que o deus que povoa estes escritos é o verdadeiro? Diga-me, sábio, se tens estas respostas: quem é o verdadeiro deus?
Um longo momento estendeu-se enquanto a pergunta de Galério, tão pesada quanto a própria montanha que os cobria, reverberava pelas galerias de pedra. Não era difícil imaginar que, fossem quais fossem os deuses do mundo, poderiam vir em pessoa responder. Mas a voz grave que soou na sala vinha não de um ente divino, mas do próprio Antígono.
- Muito estudastes sobre aquilo que os homens preferem não pensar, romano. Por conta disto, fazes as perguntas que poucos se atrevem a fazer. Perguntas que são a gênese e o cerne de nossa ordem, desde antes do meu povo sequer pisar nestas terras ancestrais. Por isso vens até nós, pois tens a mesma dúvida que o nosso fundador. E te digo que, em quase mil anos de indagações, nós obtivemos a resposta. E posso fornecê-la.
O coração de Galério acelerou-se. Suas extensas pesquisas e sua longa viagem haviam de, finalmente, ter chegado ao fim, nas palavras de Antígono.
Este se inclinou sobre a mesa, com a lamparina lançando sombras dançantes em sua face enrugada.
- E a resposta é: nenhum.
Silêncio. Durante vários segundos, Galério permaneceu de olhos vidrados, fitando o ancião, como se esperasse por mais alguma coisa. Por fim, piscou e balançou a cabeça, desnorteado.
- Nenhum?..
- Nenhum, viajante. Nenhum destes deuses dos quais me falaste são verdadeiros.
- Mas... então... onde estão os verdadeiros deuses?...
- Não percebes, viajante? A resposta que tenho é que nem estes, nem quaisquer outros, são os verdadeiros deuses, simplesmente por que não existem deuses. Não há nada neste mundo maior do que a substância do qual eu, você, estes pergaminhos, esta montanha, são feitos. As coisas são apenas do modo como elas são, segundo rumos e objetivos que, se existem, são inteiramente desvinculados das nossas impressões. Quando você olha para o oceano, para as florestas, para os céus, não vê nada além do oceano, das florestas, dos céus. Quando uma guerra explode ou uma paixão se consuma, nada mais ocorre além de uma guerra encarniçada ou uma paixão aventurosa.
- Mas, sábio... E por que então este conhecimento está restrito a estas cavernas?? Como podem todas aquelas pessoas lá fora ver fantasmas nos oceanos e florestas, enquanto vocês vêem árvores e águas??
- Os homens não estão preparados para tal conhecimento, romano. Precisam olhar para as coisas e sentir que há algum propósito em tudo. Não foram os deuses, em seus desejos e paixões mundanas ou sobre-humanas, que criaram os homens. Foram os homens, em sua tentativa de dar algum sentido humano ao que lhes cerca, que criaram os deuses. Talvez em algum momento no futuro, possam desprender-se de suas fantasias, assim como uma criança aprende que não existem monstros sob seu leito. Mas, até lá, seguirão louvando seus ídolos, sejam de pedra, ouro - apontou para os pergaminhos - ou papel.
Nada mais foi dito, enquanto Galério assimilava aquilo que o ancião lhe falara. Depois de alguns minutos, pegou seus pergaminhos e colocou de volta no baú. Sem trocar mais palavras, saiu lentamente da sala, enquanto seus servos se apressavam para pegar o baú. Caminhou para fora do templo e observou a entrada, agora compreendendo o que aquele nome dizia. Com o sol alto no céu, voltou a vista para os arredores, e se perguntou se o que via era realmente apenas o sol, o céu e as montanhas. Não era a resposta que ele esperava. Tampouco uma pelo qual ansiava. Sem saber se sentia-se aliviado, insatisfeito ou vazio, abandonou o Santuário de Atheos e iniciou a penosa jornada de volta a Roma.
* * *
NOTA HISTÓRICA: esta história se passa entre o primeiro Concílio de Cartago (397 d.C.) e o saque de Roma pelos bárbaros visigodos (410 d.C.). Nos Concílios de Cartago e Higona (393 d.C.) ocorreram as primeiras padronizações de livros sagrados da religião cristã; pode-se dizer que a Bíblia foi "criada" neles. A Anatólia corresponde à região da atual Turquia asiática. Hattusa foi a capital do império Hitita, que ocupou a região entre 2000 - 1200 a.C.
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
A riqueza da fé
05/11/2007
Eram poucas as cenas de sua infância que ele lembrava-se tão bem. O avô, um velho ranzinza e muito doente, com os pulsos tremendo olha pra ela pela primeira vez na vida com um pouco de amor, estica os braços já enrugados e flácidos e entrega-lhe aquela que seria sua companheira para o resto de uma vida. “Como prometi há 64 anos, no dia da minha Crisma, criei meus filhos seguindo a palavra do Senhor e te entrego agora o símbolo máximo da minha fé”, disse, com a voz rouca. Pensou ter visto o velho piscar.
Quando conseguiu formular uma pergunta simples – que se resumiria em “o que é isso?” -, olhou para o velho e ele dormia. O menino foi tirado da cama e, sem entender ao certo o que se passara, viu que várias pessoas choravam. Agarrou-se ao objeto que tinha acabado de ganhar, chorou também.
Durante vários anos aquele monte de papéis ficou assentado ao lado de sua cama. Lembrava-se do avô, e acariciava aquilo, emocionando-se ao pensar em como seu avô ficaria orgulhoso em vê-lo naquela cena. Abrir capa e ver o que estava ali não tinha a menor importância, afinal de contas, se era importante para seu avô era importante pra ele também.
Somaram-se mais alguns anos – todos os de uma vida. O menino virou homem. Volta e meia leva o calhamaço para passear. Nunca se importou em abri-lo pra ler. É como se fosse um animal inanimado. Seu avô está ali. A fé dele está ali. E, estar perto de sua mais preciosa herança é terceirizar sua fé.
No leito de sua morte, o então menino, repetiu o gesto de seu avô. Deu a seu netinho aquele monte de papéis já amarelados pelo tempo e disse-lhe que era a herança de família mais importante que existia. Assim que fechou os olhos para descansar – aquele tal de descanso eterno -, seu neto abriu o tal monte de papéis.
No meio das folhas, várias notas antigas e um buraco. Meticulosamente o garoto colocou o dedo indicador e retirou lá de dentro uma peça em ouro e, pelo que os adultos em volta puderam perceber, várias pedras preciosas. Por fim, o neto entendeu de que riqueza da fé que o velho avô falou a vida inteira.
sábado, 3 de novembro de 2007
A Criação
03/11/07
- Maria, o livro vai ser um sucesso, vamos ficar ricos!
- Que bom, Pedro! Mas... você tem certeza? Essas histórias de ficção que você escreve... não fazem muito sucesso, né?
- Que nada Maria, tive uma ótima idéia, você vai ver. Vou contar tudo como se fosse realidade, como se tivesse mesmo acontecido, em um lugar longínquo, anos atrás. Assim as pessoas não vão saber que é ficção!
- Hum... mas como assim? Sobre o que fala o livro?
- Sobre a criação do mundo!
- Mas um livro de ciências? O que você entende de ciências, homem?
- Ciências não, Maria, vou falar de fé! De crenças, de um homem que salva toda a humanidade, um herói!
- Hum... explica isso direito, homem! Como vai ser esse negócio de criação do mundo? Contar a história do Big Bang, é isso?
- Claro que não, Maria! No livro, a criação do mundo foi feita por um homem, um ser superior, e ele criou tudo e todos! Forte, não?
- Mas e como ele criou tudo?
- Eu tava pensando nisso. Ele vai criar o mundo em uma semana! Cada dia ele cria uma coisa diferente: as montanhas, o mar, os animais.
- Uma semana, homem? Tu bebeu, foi? E dá pra criar o mundo todo em uma semana?
- Claro que dá, Maria! Tô te falando que esse homem é bom, Maria. Ele podia ter criado até em menos tempo, se quisesse. Se ele quisesse, podia ter ficado é descansando no último dia. Isso, Maria, que idéia que tu me desse! Ele vai criar o mundo em sete dias, mas vai descansar no último! Pra mostrar como ele era todo-poderoso, entendeu?
- Ai Pedro, isso não vai dar certo.
- Claro que vai, Maria! Claro que vai! Os homens vão até se emocionar quando lerem! Afinal de contas, o livro vai contar a história da criação do homem também, né.
- Ix... e como foi que o homem foi criado, Pedro?
- Eu bolei uma super frase pra esse capítulo, olha só. “Deus...”, er, Deus é o nome desse meu personagem, tá?... Deus!
- Mas Deus, Pedro?
- É, Maria, Deus! Agora deixa eu continuar. A frase é assim, ó: “Deus então criou o homem à sua imagem e semelhança”.
- Mas como é a imagem de Deus?
- Igual a nossa, Maria, ele é todo poderoso, mas ama tanto sua criação que resolveu criar os homens a sua imagem e semelhança!
- Mas criou como, homem?
- Como assim?
- Como ele criou, ué. Tinha forma? Foi magia? Como foi isso?
- E-eu... e-eu não tinha pensado nisso...
- Ai Pedro... Tu e esses teus livros de ficção... Vamos dormir, homem...
- Não, não, já sei. Ele criou o homem do barro!
- Do barro?
- É, do barro, Maria! Ele pegou o barro, moldou o homem, assoprou e pronto: o homem ganhou vida!
- Assoprou?
- É, Maria, assoprou! O sopro da vida! Olha que lindo... O sopro da vida!
- Tá bom, tá bom... e tem mais alguém nesse livro, ou só esse Zeus?
- Deus, Maria, é Deus!
- Tá, Deus. E tem mais ninguém, não?
- Tem sim, Maria. Como Deus gosta muito de sua criação, ele cria uma mulher pro homem, para ele não ficar sozinho.
- E ela é de barro também?
- Não, Maria, ninguém é de barro não, é tudo de carne e osso!
- Mas você falou...
- Esquece o que eu falei, Maria, aquilo era uma metáfora!
- Ah... e como surgiu a mulher, então?
- Ah, Deus criou a mulher de uma parte do homem.
- Do homem, mas arrancou, assim?
- Não, Maria. Ele fez a mulher do homem, entendeu? Pegou o homem e multiplicou ele pra criar a mulher.
- Mas... tipo um braço? Deus pega o homem e diz: “ô tu, agora tu perde um braço, mas ganha uma mulher”? É isso?
- Claro que não, mulher. Deus pega e faz a mulher da... da... da costela! Isso, da costela dele.
- Tá bom, tá bom, Pedro, e o que mais? Eles vivem aonde, se não tem mais ninguém no mundo, só os dois?
- Ah, eles vivem num lugar lindo, cheio de plantas, frutas e animais. E eles não tem pecado nenhum na alma, eles vivem felizes e tudo é perfeito lá.
- E Deus, não aparece em lugar nenhum?
- Aparece sim! Tem uma hora que Deus pega e expulsa eles daquele lugar! Manda eles viverem na terra, cheia de desgraças.
- Mas por que, homem? Credo, que horrível!
- Não, Maria, Deus é bom. Mas é que o homem fez uma coisa errada, muito errada, e teve que ser castigado.
- Errada como, Pedro? Se lá só tinha animais e frutas?
- Ah, ele comeu uma fruta que não podia. Isso, uma fruta proibida! Uma maçã... é, uma maçã que ele não podia comer.
- E por que ele comeu, se ele era tão puro, que nem você falou?
- Porra, mulher, que saco, não? Foi a mulher, é, foi culpa da mulher. A mulher foi lá, roubou uma maçã da árvore proibida e deu pra ele comer.
- Hum... sei...
- É e tem mais, depois, num capítulo mais pra frente, entram outros personagens, um monte de gente santa e cheia de poderes.
- Sei não, Pedro.
- Sim, sim, tem um que cura os leprosos. E ele chega pro deficiente e diz: levanta-te e anda! E o doente levanta e anda! E ele transforma água em vinho, faz os pães se multiplicarem, faz chover sapos...
- Chover sapos? Éca...
- Hum... tá bom, chover sapos talvez não... Mas tem um outro que até faz o mar se abrir. Ele bate o cajado no chão e o mar se abre.
- Pedro, vamos dormir, vamos?
- Mas Maria, esse livro vai mudar o mundo, entendes, Maria? Vai ser o livro mais vendido do mundo, todos terão em casa, vão acreditar nele. O filho de Deus, Maria, todo mundo vai amar o filho de Deus, e o filho de Deus vai amar a todos!
- Sei não, Pedro. Mas ninguém vai morrer nesse livro não?
- Morrer?
- É Pedro, tu sabe que livro sem morte ninguém compra, homem. Essa tua mania de só fazer história de ficção e toda bonitinha...
- Mas quem eu vou matar na história, Maria?
- Mata Deus, ué.
- Deus? Mas Deus não morre Maria, Deus não morre, não.
- Mata o filho dele, então.
- O filho?
- É homem, mata o filho.
- Mas e daí vai terminar assim, uma história triste? O filho de Deus vai salvar a humanidade, Maria, não posso matar ele.
- Ah Pedro, faz assim então. O moleque tem poderes, não tem?
- Tem sim.
- Então mata e depois traz de volta, ué.
- Trazer de volta?
- É, Pedro. Mata ele, daí todo mundo vai se empolgar com o livro, e ele vai vender um monte. Depois, mais perto do final, tu traz ele de volta. Diz que ele ressuscitou. Se ele pode transformar água em vinho, pode ressuscitar, ué.
- Hum... é uma boa.
- É Pedro, mas faz uma morte boa, né Pedro. Nada de doença do coração não. O povo gosta de ler sobre dor e sofrimento. Faz ele apanhar. Isso, faz ele apanhar um monte, daí pendura ele assim numa cruz, de braços abertos, sangrando um monte!
- Credo, Maria.
- Mas é verdade, ué. Coloca um monte de gente pra açoitar ele, põe ele pra carregar a própria cruz até um cima de um morro, e prega ele lá, O povo gosta de ver sofrimento, Pedro.
- Hum... será que vai funcionar?
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
Macunaã
— É a Palavra — diziam. Mas Macunaã não entedia. Como se pega a palavra? E porque ela deixava aqueles homens tão tristes?
— É na Palavra que mora Deus — explicavam. Mas Macunaã ainda não entendia. Porque aquele deus deixava os homens tão tristes?
Os deuses de seu povo o deixavam alegre. Com a chuva, com o vento, com comida
À noite, esgueirou-se silencioso entre as tendas dos homens-de-longe e tomou o pequeno cárcere onde aquele deus triste estava preso. Foi para a campina, onde os estrangeiros oravam pelo seu deus-refém, determinado a libertá-lo para alegria dos visitantes.
Colocou no chão o objeto que se assemelhava a um pequeno caixote, em cuja tampa escura cintilavam dourados ornamentos. Mas não era de madeira ou de barro, nem osso ou pedra. Era macia, como um punhado de folhas retangulares sobrepostas. Só aquela tampa ornamentada era um pouco mais grossa que as demais. Arrancou-a com força esperando ver aquele deus encarcerado lançar-se ao ar; mas nada aconteceu. Notou, no volume que restou, intrincadas pinturas diminutas. Mas na escuridão da campina sem luar era impossível distinguir qualquer sinal. Acendeu uma fogueira e aproximou aquele incomum artefato das chamas. Então pôde ver que as pinturas se repetiam. Mas onde estaria aquele
— Deus! Ele vai queimá-la! — O grito do batedor alertou os jesuítas e capitães-do-mato, que viram chocados o selvagem que destruía as Sagradas Escrituras.
O estrondo do mosquete disparou ruidoso e o cheiro da pólvora tomou a noite na campina envolvendo os europeus. Aos pés das duas vigas cruzadas Macunaã jazia com a bíblia na mão. Não pôde libertar o deus dos visitantes, mas naquela noite, visitaria os seus.
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
Linha do tempo
TEMA: BÍBLIA
Lembrando sempre que todos os participantes têm como prazo máximo o dia 6 para postar seus contos/crônicas/poesias.
Boa sorte a todos!