Era um simples dia, como qualquer outro. Paulo ajudava o pai na construção, como sempre fazia, seis dias por semana. Chovia lá fora e ele sabia que não podia sair para se divertir na vizinhança. Pensou em chamar os amigos para correr no quintal, adoravam fazer isso em dias de chuva, mas sabia que se seus pais descobrissem, ficaria de castigo pelo menos uma semana. Eles odiavam que Paulo e os outros garotos ficassem correndo entre as poças de lama do quintal. “É perigoso”, diziam. “É só água”, era a resposta padrão de Paulo.
Naquele dia, porém, a tempestade parecia mais forte que o normal. O som das gotas ecoava pelos corredores escuros da construção, tornando os subterrâneos ainda mais assustadores. Por isso mesmo que o pai de Paulo deu o alerta: as obras seriam canceladas até que a chuva cessasse. A umidade não era boa para trabalhar e caso houvesse infiltrações desconhecidas pelos engenheiros, um desmoronamento poderia acontecer dentro do túnel.
Paulo correu até o grande salão que abrigava os funcionários em suas horas de folga e procurou pelos amigos. Guido estava conversando com o pai, e logo falou que não poderia ir brincar. Alberto logo apareceu e trouxe com ele dois primos, que estavam visitando sua casa. Chico logo chegou com a bola embaixo do braço.
Os quatro correram entre operários e esposas preocupadas, afinal as notícias eram de que uma inundação poderia tomar a vila. Os bombeiros foram chamados para preparar uma barricada que impedisse a entrada de água pelos túneis de contenção, o exército estava de prontidão no caso de qualquer emergência. Nada disso importava para eles, que driblavam latas de cola, marmitas e pilares.
Correram pelos corredores já úmidos, até que numa escorregada na lama que se formava no chão com uma goteira no teto, Alberto desequilibrou e chutou longe. Paulo não pensou duas vezes e correu para buscar a bola, que rolava morro abaixo. Em uma curva rápida, perdeu o equilíbrio com o chão molhado e tombou violentamente. Escorregou por uma curta distância e se chocou contra a parede em uma curva acentuada.
Já não achava mais graça quando reparou que uma de suas pernas havia se prendido na lama da parede. A terra estava incrivelmente molhada. Paulo conseguiu desgrudar a perna da parede com alguma dificuldade, e começou a cavar. Como aquela parede poderia estar tão molhada? A umidade era comum nessa profundidade, mas ele nunca havia visto a terra molhada daquele jeito.
Resolveu que era mais seguro procurar algum adulto, quando notou que já era tarde demais. Uma fina camada de água saía de um buraco na parede, e se acumulava aos seus pés. Antes que pudesse tirar seus pés da lama que já o fazia afundar, a fina camada de terra que servia de parede para o mundo exterior se rompeu.
Um rio de água barrenta atingiu violentamente o corpo de Paulo, o lançando pelas galerias de terra. Foi arrastado por alguns segundos quando viu uma raiz no teto, pendendo ao seu alcance.
Conseguiu se segurar, mas sentiu que ela se soltava do teto. Torceu para que agüentasse pelo menos mais alguns instantes, já que o fluxo de água já parecia diminuir, quando notou que era justamente o contrário que iria acontecer.
A raiz se soltou do teto, e com ela, toda a terra que estava sobre sua cabeça veio abaixo. Os túneis não tinham paredes grossas o suficiente para suportar tanta água caindo sobre si ao mesmo tempo, e uma simples rachadura criada pelo impacto de Paulo contra a parede fez com que a água invadisse e inundasse todo o formigueiro.
Operários e soldados foram levados pelas águas e muitas vidas se perderam naquele dia. Com alguma dificuldade o água foi contida e no dia seguinte, com o sol já secando a terra, novas proteções foram feitas, ainda mais resistentes que as de então. Paulo nunca mais foi visto. Mesmo assim, a vida o formigueiro seguiu em frente e o trabalho continuou. Todos sabiam que uma nova tempestade poderia acontecer a qualquer momento, mas precisavam seguir com suas vidas, não havia nada que pudessem fazer. Mas Chico, Alberto e seus primos nunca mais foram jogar bola nos túneis molhados pela chuva.
segunda-feira, 7 de julho de 2008
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6 comentários:
imaginar uma formiga jogando futebol, só se for a formiga atômica... ahhahahahaha
Fico imaginando o que era a bola das formigas...
:-)
Mas como gosto de finais surpreendentes - Gostei!
Quando criança, sempre me perguntava sobre o que é que as formigas fazem em dias chuvosos. Agora, já tenho uma idéia...
Gostei de suas formigas atômicas. ;)
Abraços
cara, curti! realmente não entendi bem o que estava acontecendo e onde iam entrar as formigas até o final.
mas só para registro, as bichinhas tem mil maneiras de evitar inundações em suas casinhas... :)
Fábio, adoro seu estilo e criatividade.
Formigas são seres impressionantes!!
Quem sabe no time delas tem algum astro para ajudar a nossa seleção.:-)
Parabéns!
curti. mérito principal pro desenvolvimento do texto.
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