Olhava a xícara fumegante na sua frente, parada sobre a mesa. Via seu reflexo no líquido negro, estático. Uma lágrima corria lentamente pela maçã do rosto, até desprender-se da face e atingir com violência a então calma superfície líquida. As pequenas ondas circulares que se formavam desfiguravam seu rosto, mostrando a ele o monstro que era, mas que era visível apenas assim. De olhos vermelhos e inchados, refletidos na mais negra das superfícies.
Colocou a colher dentro do pote de açúcar e a despejou dentro da xícara, como que tentando disfarçar a queda da lágrima. Apenas uma colher, rala. Mexeu até os cristais dissolverem-se e deu seu primeiro gole. O gosto forte encheu a boca e queimou a língua, descendo fumegante pela garganta. Fez uma cara feia, tão treinada pelas doses de tequila consumidas aos pares, mas sempre sozinho.
Levantou o rosto pela primeira vez desde que se sentou naquele café de esquina, bonito e requintado. Seus olhos se encontraram com os da mulher no balcão, mas assim que ela fez uma menção de lhe tomar um novo pedido, ele desviou o olhar. Os olhos pousaram desta vez num casal que se sentava em um sofá mais à frente. Suas risadas eram apaixonadas, e sua visão mais amarga que o mais forte dos cafés.
Não conseguia fixar o olhar em ninguém. Não tinha coragem para assumir uma proximidade tão grande quanto a de um olhar retribuído. Voltou os olhos novamente ao seu café. Colocou a mão esquerda sobre o ombro direito e apertou. Sentiu o músculo tenso reclamar, mas ao mesmo tempo relaxou com aquele quase-abraço, aquela quase-massagem, aquele quase-carinho. Chacoalhou a cabeça, para tirar-lhe da memória.
Evitava, a cada instante, o pensamento nela. Ela, que freqüentava aquele café com ele. Ela, que nem era muito fã de café, mas adorava os salgados do lugar. Ela, que não gostava do cheiro da cerveja, fazendo com que ele se tornasse um amante de um bom café. Ela, que estava a duas quadras dali, mas a uma eternidade de distância dele. Ela, que se tornara tão amarga quanto aquele café.
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
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6 comentários:
Ótima passagem essa: "Ela, que se tornara tão amarga quanto aquele café".
eu já curti "ao mesmo tempo relaxou com aquele quase-abraço, aquela quase-massagem, aquele quase-carinho. " Pra mim foi a melhor passagem e a melhor imagem.
"Os olhos pousaram desta vez num casal que se sentava em um sofá mais à frente. Suas risadas eram apaixonadas, e sua visão mais amarga que o mais forte dos cafés" Bom. Muito bom.
já vi que sou o mais boêmio daqui... curti mais: "Fez uma cara feia, tão treinada pelas doses de tequila consumidas aos pares, mas sempre sozinho." ahahhaahaha
verdade, essa ficou mto boa tb. e não só pela tequila.
As palavras escolhidas evocam muito bem as ilustrações. Belíssimo!
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