sábado, 14 de fevereiro de 2009

Café, sangue e ouro

Longe, longe, trabalhar, trabalhar. Andar, pegar um ramo, puxar. Grãos vermelhos como sangue para beberem o suor do seu trabalho. Bebida negra, negra como a pele marcada. Cicatrizes de sonhos nunca realizados, de fuga e liberdade. Tão negros quanto o líquido que jamais beberá, os restos dos porcos revolvem em seu estômago enquanto trabalha. Do negror ao negror, sem descanso nos píncaros da claridade. Claridade que traz calor, calor e tontura, que o impede de pensar, tornando-o uma marionete ao chicote do feitor. Feitor claro como o sol irradiante, não conseguiria viver um dia sob este, por isso se esconde nas horas infernais.

Ele segue trabalhando, pois não consegue raciocinar. Sua mente alquebrada não compreende aquilo tudo. Não vê o mundo com olhos claros, para ele a vida é ser escravo. Mal se lembra de uma terra distante, do mesmo modo escaldante, onde o sol não sobe ao céu e é a noite que domina. Um mundo não tão diferente, de dor e sofrimento, apenas onde o negro é escravo, mas também senhor.

Ele fraqueja, arqueia pernas e se permite um segundo de descanso. Descansa olhando para a cesta, tão cheia de riqueza. Ao alcance de suas mãos, mas distante de seu cérebro. Não tem noção do que aqueles grãos fazem girar. Em um mundo já pequeno, seu esforço viaja oceanos para agradar a povos longínquos, planetas diferentes compartilhando o mesmo astro. Os senhores se refestelam em rios de café, sangue e ouro, enquanto o negro apenas pode suar. Suar e sorrir com dentes amarelados. Pois, diante de uma trilha sem saídas, lhe resta apenas renegar os sonhos e viver da realidade, sem se render à insanidade, e bailar ao som de antigos delírios tribais. Tribos sem nome perdidas no passado, em uma consciência que não recapitula ancestrais.

O feitor não se furta a enfrentar o sol para checar quem está parado. Ele volta a trabalhar com vigor, quando o sol se aproxima. O branco não enxerga humanos, cuida de seus animais como faria com as reses. Escravo e senhor, não se vêem como irmãos, pois sabem que não o são. Incompreendidos pela história, tanto Yin quanto Yang, condenados e beatificados em um futuro que não se importa com contexto. A mesma história em todos os tempos, tempos que se repetem, ciclos naturais. Café, sangue e ouro, dominador e dominado, um universo de desiguais.

4 comentários:

Marcelo Labes disse...

Um outro lado interessantíssimo, Félix. E muito bem escrito.

Rodrigo Oliveira disse...

Cara, gostei bastante do enfoque e da intenção. Como o Labes disse, um outro lado intessantíssimo. Só acho que dessa vez o texto não saiu tão bem resolvido, visto outros seus nesse estilo.

Marina Melz disse...

Bã. Texto com cara de poema, até algumas rimas escondidas ali no meio. Gostei pra cacete.

Vivi disse...

Só pela a abordagem distinta vale muitos pontos. Eu gostei do estilo!