quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Não brinca com isso, cara!

Eu peguei a arma, e com ela ainda apontada pro chão, puxei o gatilho. Ela fez aquele barulho de girar o tambor, e de bater o cão da arma, aquela parte que tem pra puxar atrás. Eu vi que não tinha problema, não tinha acontecido nada, então mirei na direção da varanda, imaginando um bandido, um inimigo que tinha que ser morto, e puxei de novo o gatilho. Aconteceu a mesma coisa, o mesmo barulho, e o tambor girou de novo. Nessa hora o Serginho já viu que eu tinha a arma na mão, e eu virei pra ele, como que brincando de polícia e ladrão.

Quando ele olhou pra mim, eu apontei a arma pra ele, nós dois em cima da cama, e puxei o gatilho, com a arma apontada pro rosto dele. A única coisa que eu ouvi foi ele gritando bem alto “não brinca com isso, cara!”, e um barulho de trovão, um estouro, se sobrepondo à voz dele.

- Não brinca com isso cara! – a voz de Serginho foi abafada pelo ruído alto como um trovão, que ecoou pelas ruas do bairro Vila Nova. Uma cortina de fumaça se ergueu dentro do quarto, no sétimo andar do edifício. Ao se dissipar, a névoa mostrou o corpo do garoto caído ao lado da cama. Por um segundo, o outro menino pensou que ele estivesse brincando, fingindo ter sido atingido. O laudo do Instituto Médico Legal, porém, viria mais tarde confirmar a morte com um tiro à queima-roupa, logo abaixo de seu olho esquerdo.

A próxima coisa que eu vi foi uma fumaça que apareceu no quarto, e o Serginho caído no chão, ao lado da cama. Eu pensei que ele estava só brincando, fingindo ter sido atingido pelo meu tiro imaginário. Só que quando eu me debrucei sobre a cama, pra olhar ele, e vi todo aquele sangue, me toquei que ele não tava fingindo, eu tinha matado ele.

Ao perceber o sangue no rosto do amigo, e também espalhado no chão ao seu redor, largou o revólver e se desesperou. Logo entendeu o que tinha acontecido. Ele havia matado seu melhor amigo. A primeira ação que teve foi a de correr na direção da varanda. Chegou até o parapeito e se debruçou do sétimo andar, imaginando a trajetória que seu corpo faria até atingir o chão. Aquele pensamento, para ele, durou apenas uma fração de segundo, mas na verdade, durou tempo suficiente para que a empregada, que estava no andar de baixo do apartamento duplex, chamasse o vizinho para ver o que havia acontecido. E até para que ele chegasse ao local onde o garoto havia morrido, e conseguisse chegar na varanda, a tempo de impedir que mais uma vida se perdesse, segurando o rapaz e impossibilitando o salto planejado.

2 comentários:

Fábio Ricardo disse...

O texto é um trecho do livro-reportagem "Não brinca com isso, cara", que escrevi na faculdade e conta a história real de Sérgio de Oliveira II, o Serginho.

Rodrigo Oliveira disse...

Ficou bem fatiado e isso deu pra perceber no texto. Mas a intercalação de narrador pode ficar interessante. Mas assim, nao dá pra ter certeza.