segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A riqueza da fé

Marina Melz
05/11/2007

Eram poucas as cenas de sua infância que ele lembrava-se tão bem. O avô, um velho ranzinza e muito doente, com os pulsos tremendo olha pra ela pela primeira vez na vida com um pouco de amor, estica os braços já enrugados e flácidos e entrega-lhe aquela que seria sua companheira para o resto de uma vida. “Como prometi há 64 anos, no dia da minha Crisma, criei meus filhos seguindo a palavra do Senhor e te entrego agora o símbolo máximo da minha fé”, disse, com a voz rouca. Pensou ter visto o velho piscar.

Quando conseguiu formular uma pergunta simples – que se resumiria em “o que é isso?” -, olhou para o velho e ele dormia. O menino foi tirado da cama e, sem entender ao certo o que se passara, viu que várias pessoas choravam. Agarrou-se ao objeto que tinha acabado de ganhar, chorou também.

Durante vários anos aquele monte de papéis ficou assentado ao lado de sua cama. Lembrava-se do avô, e acariciava aquilo, emocionando-se ao pensar em como seu avô ficaria orgulhoso em vê-lo naquela cena. Abrir capa e ver o que estava ali não tinha a menor importância, afinal de contas, se era importante para seu avô era importante pra ele também.

Somaram-se mais alguns anos – todos os de uma vida. O menino virou homem. Volta e meia leva o calhamaço para passear. Nunca se importou em abri-lo pra ler. É como se fosse um animal inanimado. Seu avô está ali. A fé dele está ali. E, estar perto de sua mais preciosa herança é terceirizar sua fé.

No leito de sua morte, o então menino, repetiu o gesto de seu avô. Deu a seu netinho aquele monte de papéis já amarelados pelo tempo e disse-lhe que era a herança de família mais importante que existia. Assim que fechou os olhos para descansar – aquele tal de descanso eterno -, seu neto abriu o tal monte de papéis.

No meio das folhas, várias notas antigas e um buraco. Meticulosamente o garoto colocou o dedo indicador e retirou lá de dentro uma peça em ouro e, pelo que os adultos em volta puderam perceber, várias pedras preciosas. Por fim, o neto entendeu de que riqueza da fé que o velho avô falou a vida inteira.

4 comentários:

Anônimo disse...

Adorei a idéia, adorei o blog, adorei os autores! Quando eu crescer quero escrever aqui, tá? Parabéns! Tá nos favoritos-top-de-linha.

Unknown disse...

Estou quase plageando a Larissa...

Desejo muito sucesso ao duelo e aos autores. Parabéns pela forma inusitada, interessante e criativa de se utilizar um blogue...

Depois ainda perguntam como usar o blogue no ensino. Basta procurar, que se encontra muita história boa para contar e estudar.

É isso moçada! Tudo de bom! Já estou assinado o blogue para acompanhar de pertinho!

[]'s

Anônimo disse...

surpreendente, e gostoso de ler.

o que se torna cada vez mais interessante é ver como cada um dá seu jeitinho de encaixar o tema. como a gente já sabe o tema, fica esperando um determinado final, e aqui veio outro.

Fábio Ricardo disse...

final surpreendente! conto curto e direto ao ponto, o que é ótimo! se não surgisse uma bíbli propriamente dita ali em cima, teria meu voto :P