sexta-feira, 27 de junho de 2008
Votação - Também
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Vamos lá!
quinta-feira, 26 de junho de 2008
Encontros
- Dorinha! Há quanto tempo!
- Dorinha não, por favor, que agora é Doutora Dolores, que a posição exige, né meu bem? – Diz rindo forçosamente Dorinha, professora primária aposentada, apontando o anel de rubi falso vermelho no dedo anular.
- Menina, que chique! Quer dizer então que conseguiu realizar o sonho de infância e virou juíza?
- Claro, meu bem! E você é uma executiva de sucesso e realizou seu sonho também?
- Óbvio, né, cherrie... Por sinal, acabei de voltar de um encontro com investidores estrangeiros que querem investir na minha empresa de cosméticos – disse Suzana, vendedora Avon na cidade onde mora hoje, Pinhalzinho, interior paulista.
- Menina, que coisa boa! E vai dizer que você também está vindo de Buenos Ayres? – Dorinha faz questão de destacar a palavra “também” na frase, mesmo tendo apenas passado uma semana na casa da irmã, que mora em São José.
- Também! Que coincidência, né amiga? Passei nove dias num roteiro lindíssimo pela América do Sul, para aproveitar que teria que ir até a Argentina para negociar com estes investidores. Você foi a Bariloche? – perguntou ela, que na realidade participara de um congresso de vendedoras Avon em Tubarão.
- Também dei uma passadinha lá sim! Não tem como não ir, não é mesmo? Todo ano dou um pulo rápido lá, para relembrar – disse, mesmo que a única Bariloche que já havia visitado era a sorveteria.
- Mas então amiga, que bom te encontrar depois de tantos anos! E nós continuamos assim, com tanta coisa em comum!
- Isso mesmo! Pena que minha poltrona está tão longe da sua. Estava uma delícia relembrar tudo isso.
- É, eu também adorei! Vamos marcar de se ver mais, né amada?
- Ótimo! Estarei em Paris no início do mês, quem sabe nos encontramos quando eu voltar?
- Ótima idéia, fofa. Até porque eu também estarei fora na primeira quinzena do mês. Negócios a tratar em Milão, sabe como é né?
Assim, Suzana e Dorinha foram, cada uma em sua poltrona, de volta a suas vidas infelizes. Dorinha adorou, pois não precisaria sustentar a farsa de Doutora Dolores por mais tempo. Suzana também.
Taammbééém!
- Conhece a piada do mineiro também?
(nenhuma expressão)
"Otário".
- O mineiro falou com o outro: como cê tá? E o outro: TAAMMBÉÉM! Hahaha!
"Que idiota".
- Oh, a moça não gostou... Ela não riu...
"Óbvio".
- ... mas o DAMON HILL! Hahahahaaaaaaaa!
"Fica quieto, por favor".
- Querida, você está muito séria. Relaxa, pega um chocolate.
"Encha a boca e pare de falar".
- É Lacta, viu? Eu gosto de Lacta. O Michal Jackson GAROTO! Pfffffffffuhauauauaa!!!
"Deus, manda um infarto pra matar esse babaca".
- Nossa, mas que olhar fulmimante! Parece que quer me matar. Cuidado que eu só morro uma vez...
"De forma lenta e sofrida, se continuar".
- ... mas a Alanis MORRISSETE!!!! Hhuahuahauhauauaaahhhahahaaúúúú!!!!!!
- CHEGA!!!!!!!!!!!!
(silêncio e supresa na sala de TV)
- Nossa... O que foi, querida?
- O que foi? O que foi? O QUE FOI??? Vinte anos ouvindo besteira, as mesmas piadas, a mesma risada, vendo a mesma cara de idiota quando ri, e tu me pergunta O QUE FOI????
- Mas amor... Eu achei que você gostava...
- ACHOU ERRADO!!!!!!!
- M-mas, mas... Você riu muito na primeira vez...
- Na PRIMEIRA das MILHÕES de vezes!!! E eu estava bêbada! Bebaça! E tinha fumado um baseado enorme! Chega, Geraldo, eu não aguento mais.
- Sim, querida... Eu prometo nunca falar mais...
- Agora já é tarde. Está tudo acabado entre nós.
- Não, não! Tudo por causa de uma coisa pequena dasses?
- Não é uma coisa pequena, Geraldo. Deu. já era.
- Não, querida, não, por favor... Você não faria isso...
(indiferença)
(...)
(...)
(...)
- ... mas a BETH FARIA!!!!!!
(Geraldo efetivamente morreu apenas uma vez)
Homenagem a reciprocidade
- Tudo bem?
- Tudo certo, e contigo?
- Também. Seguinte, gostei do novo layout do teu blog, tens como me ajudar a fazer um parecido?
- Ajudo, sim. Também achei melhor. Conheces a nova plataforma de hospedagem?
- Não! Na verdade não entendo nada dessas coisas. Eu escrevo e boa.
- Eu também não entendo, mas vou te mostrar o que eu sei. Vamos lá.
- Ah, estou com vontade de comer chocolate.
- Tá brincando?
- Não?!
- Também estou. Estava, quer dizer. Acabei de comprar.
- Opa, acabaram de trazer um Sonho de Valsa pra mim.
- Adivinha que chocolate está na minha mão agora? É claro que também é um Sonho de Valsa, meu preferido.
- Meu também.
- Ah, mas é que eu terminei um relacionamento recentemente.
- Quando?
- Há alguns meses, em março deste ano.
- Olha, eu terminei em março, também. Só não vai me dizer que foi dia 27?
- Eu te amo.
- Eu também te amo.
(- Acho que podíamos tentar dar um tempo pra ver se conseguimos lidar com a ausência um do outro.
- Eu também acho.
- Não me sinto preparada pra voltar.
- Também...
- Então acabou?
- É, acho que sim.
- E agora?
- Agora vamos voltar a ser amigos, vamos ficar um tempo sem nos falar mas vamos continuar sentindo um grande carinho um pelo outro.
- Tenho certeza disso.
- Adivinha? Eu também.)
Eu também
Sempre que ela dizia eu te amo, ele respondia eu também.
Ela nunca reclamou porque, quando dizia eu te amo, estava sendo sincera.
Ele nunca percebeu porque, quando dizia eu também, também era sincero.
Isso durou alguns anos. Os te amos e os tambéns.
Ela amava. Ele só também.
Aos poucos os tambéns foram acabando com os te amos.
Cada também colhia um te amo a menos.
Até que um dia ele falou um eu também perdido no ar. Ela não havia dito eu te amo.
Até que um dia ela parou de dizer eu te amo.
Até que um dia ela disse um já não gosto mais de você.
E ele percebeu que, sem ela, ele também.
A Chamada
26jun2008.
- Samara.
- Presente.
- Tales.
- Presente.
- Taís.
- Aqui, ‘fessora.
- Também.
- Presente.
(silêncio)
- Pedro, pare de rir do coleguinha.
- Ah, professora, mas ele também tá rindo – aponta para Jonas.
- Jonas!
- Também, professora, com um nome desses sou obrigado a rir.
Também se levanta e sai da sala.. Seria a última vez que aquela escola o veria, e eu também.
domingo, 22 de junho de 2008
Tema: Também
Lembrando que a interpretação do termo é livre, portanto, coloquem suas cabeçinhas pra funcionar.
(Sim, eu pensei em dar um tema romântico pra ver esses homens todos falando de amor, mas cheguei a conclusão que o Félix ia matar ou abdusir alguém e achei melhor não.)
A data limite para a postagem dos textos é dia 26 de junho.
OBS: Estive totalmente sem internet ontem, perdão pelo atraso.
terça-feira, 17 de junho de 2008
segunda-feira, 16 de junho de 2008
Vastidão vazia
Gritou como se aquele oceano não fosse obra de um Deus, como se não fosse infinito ao olhar, como se não tivesse a força de suas correntezas. Gritou como se ele fosse ínfimo, tolo. Gritou como se aquele oceano fosse nada, fosse apenas um pequeno pedaço de si.
E só então ele descobriu que o oceano não era aquela vastidão azul e vazia a sua frente. O oceano era ele.
O navegante
Um novo dia raiou para o navegante. Da praia alva onde morosas ondas espumam na areia, partiu com sua nau, estendo a vela ao sol reluzente de terras imortais. Partiu para a imensidão azul, onde sua alegria e liberdade eram absolutas, em busca de novas terras, novas águas, novas descobertas. Nos vagalhões aquosos onde cavalgou, foi acompanhado por gaivotas e golfinhos, lutou com grandes peixes para obter seu pescado e, vez por outra, fugiu às pressas de colossais sombras que se moviam sob as águas, algumas tão grandes que até seus contornos eram impossíveis de discernir.
O navegante passou por ilhas onde habitantes exóticos lhe prestaram homenagens, com presentes, músicas e sabores nunca antes explorados. Amigos ele fez, amantes deixou a sonhar nos portos, inimigos cultivou nas mesas de jogo e brigas de taberna. Chegou a continentes tão distantes quanto os mitos e cidades tão formidáveis quanto os mares. Nos mercados da prateada Celephais, trocou suas mercadorias por artigos provenientes dos confins do mundo. Na ilha onde o Ngarok se ergue ominoso, contemplou o cume envolto em nuvens onde, diz-se, os deuses dançavam no passado. Navegou mesmo por águas escuras e céus sinistros, esquivando-se dos rochedos pontiagudos da costa que leva ao maldito planalto de Leng, com seus segredos sinistros e a Kadath na vastidão fria, cujos caminhos até hoje apenas um homem ousou trilhar.
Despido de receio ou moderação, navegou até o limite do horizonte, e ali o barco se alçou aos céus. Agora o navegante viajava entre nuvens e um outro oceano azul que logo se dissipou, dando lugar à eterna noite espacial pontilhada de estrelas. O navegante guiou seu barco entre astros, visitou planetas e orbitou estrelas, conhecendo maravilhas inimagináveis e perigos incompreensíveis para aqueles que da sua terra nunca saem. Viu coisas que não gostaria se arrastando pelo lado escuro da Lua, e prudentemente passou ao largo do fungoso Yuggoth, nos confins do Sol. Conheceu raças sábias muito além dos limites solares, que construíam cidades enormes com torreões ciclópicos. Viu a vida lutando debilmente para se firmar em terras tão hostis quanto os mais aterradoramente idealizados Avernos. E habilmente circundou a espiral galáctica, devorada pela monstruosidade negra em seu centro, como na Terra evitaria um redemoinho em pleno mar.
Porém, chegou a hora do navegante dar meia volta e retornar às paragens familiares e sua velha conhecida praia. O dia esmorecia e o navegante atracou seu barco e recolheu sua vela. A aventura deu lugar ao descanso, enquanto outro homem se levantava para mais um dia de trabalho. Adormecido em um sono de realidade profunda, o navegante aguardou por mais um despertar, quando novas maravilhas o aguardariam sob um sol reluzente de terras imortais.
Oceano
16/jun/2008
Saí correndo pra pegar o ônibus assim que o dia amanheceu. Dia frio de outono. O ônibus estava cheio, mas o cobrador me chamou a atenção por ter o rosto de um amigo que há tempos não via. Ele conversava com uma das passageiras, que de uma hora pra outra me fez lembrar uma colega de faculdade. Tudo sumiu da minha visão. Parecia não haver mais nada em lugar nenhum. Não senti o tempo passar e, logo, pulei na piscina. Nadei, nadei, nadei... Até que surgiu um sujeito estranho, com a cara do Freud. Ele me dizia que essa minha compulsão por nadar era por eu não ter mergulhado fundo no mar alto da paixão. Não entendi muito bem, mas continuei pisando fundo. Nessa hora, o carro já devia estar a uns 130 quilômetros por hora e eu não conseguia te encontrar. “Cadê você?”, eu gritava, lamentando. Que solidão! Era angustiante. Eu continuava correndo. Pé no fundo do acelerador. O engenheiro da equipe dizia pelo rádio que só faltavam mais três voltas e que eu estava em primeiro lugar. Mas parecia que o carro não se movia mais. Ninguém sabe o que eu sofri. O carro rodou. Comecei a subir uma escada de madeira que estava a quase noventa graus do chão. Não tinha coragem de olhar para baixo. Mas meu entorno parecia um deserto. Lembrei de você e imaginei que na verdade amar é um deserto. Cansei de subir e me pus a chorar. Sentado em um canto, entre as pedras, confundia o som de minhas lágrimas caindo com o estourar das ondas, bem longe de ti. Tudo parou. Finalmente acordei. De hoje em diante, por favor, me lembre de não dormir com o som ligado no modo repetição. Não resitiria a mais uma sessão de Djavan no meu inconsciente.
Ao oceano,
Quando eu ouvia a voz dos meus pais, eu sentia uma emoção diferente. Eu sempre fui melhor com sons do que com os outros três sentidos que me restam. Eu consigo identificar de longe o ritmo do andar da minha esposa, esteja ela apressada ou vindo calmamente em minha direção. Hoje, quando ela chegou e me avisou que eu te conheceria, eu confesso que não senti lá muita empolgação.
Todos dizem que não há imagem melhor do que ver a sua frente o mar, ou o oceano. A minha falta de visão sempre me angustia e a coisa mais linda que eu já pude ver em nada se difere da mais horrível. Mas eu resolvi tentar sentir essa emoção que o fracasso dos meus olhos insistia em roubar de mim.
Quando eu coloquei os pés descalços na areia, tive uma estranha sensação de já ter estado ali antes. Minha memória sensitiva me causou arrepios, talvez por nunca ter estado ali antes. Andei, de braço dado com ela, em sua direção. Ouvir as ondas e a melodia constante que muitos não são capazes de perceber. Aquilo, sim, me dava paz. Mas eu sabia que hoje eu iria além.
Entramos no barco e eu pedi que a minha esposa me descrevesse o lugar onde estávamos. Sentindo a brisa e o cheiro do mar, consegui imaginar da forma mais peculiar do mundo as pedras, os pássaros e um pedaço de terra indo embora. Não tenho idéia de como as cores são, mas desde pequeno o médico me diz para imaginar tudo em duas cores – um suposto preto, um suposto branco. Assim eu evitaria frustrações.
Eu pedi a ela quais eram as suas cores. Com certo receio, ela disse que estávamos no exato ponto em que o verde e o azul de fundiam e não havia distinção. Ainda não consigo saber quais são essas cores, mas por muito pouco o céu não de abriu pra mim, tamanha a emoção que eu senti.
O motorista parou. Eu não conseguia te ver, é verdade. Confesso que os sons que eu imaginei virem de você também eram diferentes. Eu ouvia um quase silêncio. Um quase que fazia com que pela primeira vez eu sentisse um silêncio cheio de alguma coisa. É isso. Você não vai entender porque eu não sei explicar direito, mas ali, nos teus braços, eu senti o silêncio mais cheio de toda a minha vida.
A salinidade, a brisa gelada, o balanço. A inconstância da tua música, a serenidade da tua continuidade. O oceano. Eu estava ali, muito mais do que vendo o oceano, eu o sentia em todas as células do meu corpo. Fiquei imóvel, imune. Tive que ir.
Eu volto. Volto não para te ver, mas para conseguir me sentir pequeno sem enxergar o tamanho do mundo longe da minha escuridão. Volto porque hoje comprovei que os poetas não mentiam quando diziam que há um oceano em cada um de nós.
domingo, 15 de junho de 2008
Homens do Mar
A sacada de madeira se debruçava da areia sobre o mar. A tarde naufragava lentamente no oceano rajado de cobre. Poucas gaivotas sobrevoavam o que restava do dia e poucas velas arrastavam para a praia as últimas redes.
Dentro do copo, um oceano miniaturizado dava voltas impulsionado pela falange ossuda e calejada. Santiago apreciava o inevitável e já demasiadamente postergado ocaso, com memórias de esqueletos e sal e mar. Não deu conta do homem, anos mais jovem, que se sentou à mesa ao lado. Pele tisnada, olhar perdido no mesmo oceano.
Em silêncio, ficaram ouvindo o sol afogar-se.
Uma voz de menino despertou o velho: — “Uma bebida, senhor?”
O velho negou o pedido com um “obrigado, Manolin”.
Mas não era Manolin. Era apenas o garoto tomando o pedido do novo cliente. Só então, o velho apercebeu-se do novo companheiro na sacada. E do olhar de reprovação da criança, que anotava o pedido. Sem graça, voltou os olhos cansados e a barba branca para o oceano.
Ficaram os dois, olhando as ondas ao longe, parecendo buscar algo em comum nas vagas. Algo deixado para trás, devorado ou em destroços. Vendo bestas na espuma branca, ou memórias nas correntes.
— Quem é Manolin?
A voz partiu do rosto imberbe que ainda fitava o mar.
— O vento que enfunava a vela.
A resposta veio sem que o velho tirasse os olhos da água.
— Um amigo de Santiago. Mas agora sou só eu, velho, e o mar.
Só então o velho passou o olhar para o oceano dentro do copo e lhe sorveu o que restava, enquanto o mar sorvia o que restava do sol.
— E você? Qual o seu nome? — Perguntou o velho secando a barba com a manga da camisa.
— Chamai-me Ismael.
— Você também deixou algo lá, não deixou?
— Fui tudo o que restou. Fui o que o oceano não se dignou a tragar. Regurgitado Ismael.
Baixou a cabeça olhando as vigas de madeira do chão e continuou.
— Sabe, há muito tempo havia prometido jamais retornar ao mar. Jamais me tornar ao oceano outra vez. E agora aqui estou eu, lutando pra tirar os olhos das ondas.
— Nãos somos nós que escolhemos o mar. É o oceano que nos escolhe. E quando não nos deseja mais, não importa o que façamos, ele nos cospe à costa como um esqueleto, um resto de peixe devorado. Por maior que seja, a conquista é vazia se o seu tempo sobre as águas passou.
— Por maior que seja! Há! Por maior que seja... Era titânico! Por três dias nós tentamos. Três dias! E no final só restei eu. Nem derrotado o mar me quis. Fiquei mais dois dias esperando, pela baleia ou pelo oceano, pra terminar com aquilo. Mas nenhum deles o fez. O único que me estendeu a mão foi o Rachel. Logo ele a quem negamos ajuda... Enquanto isso a baleia continua lá. Alva, gigante, no oceano.
— É por isso que ela continua grande. Se fosse trazida à praia não seria mais que esqueleto esquálido. Branca cor de osso. Vê, olha as ondas. Mar adentro são grandiosas, imponentes. As vagas gigantes, tombando navios, erguendo-se contra tempestades. Mas aqui, na praia, são pequenas, débeis, fracas... inúteis. Nós estamos na praia, Ismael.
— Sim, Santiago. Nós estamos na praia.
quarta-feira, 11 de junho de 2008
Tema da rodada
E o tema é (inspirado pela viagem de ônibus blumenau-floripa de hoje)... oceano.
Textos postados até 16/06, com o usual. Divirtam-se!
sexta-feira, 6 de junho de 2008
Votação
Lembre-se: Seu voto pode decidir o próximo vencedor!
Desabafo
06/jun/2008
Há anos lutava por uma oportunidade de demonstrar minhas habilidades. Sempre tive menos coordenação do que a minha irmã, mas tinha consciência de que não poderia me comparar a ela. Precisava, apenas, mostrar meu valor. O problema é que ele me esquecia. Em vários momentos era como se eu nem existisse. Soltar pipa, jogar bola de gude, arremessar a bola. A preferência era toda dela.
Eu ficava lá, observando toda a emoção da vida dela, esperando que um dia minha vida também tivesse uma certa agitação. Minha primeira satisfação veio com o curso de datilografia. Pra mim, aquele novo desafio era a glória. Terminado o curso, já me sentia muito melhor. Era como se a vida agora fosse ativa, como se não precisasse mais ficar só na observação.
O tempo foi passando e comecei a ficar descontente por ter parado meu desenvolvimento só na digitação. Precisava de novos desafios e, enfim ele parece ter me ouvido. Minha existência se preencheu de alegria logo na primeira nota. Precisei me esforçar muito. Fazer pestanas não era das tarefas mais fáceis, mas o violão parecia ser a minha salvação.
Até que um belo dia, ele resolveu jogar futebol com uns amigos na praia. Um dos jogadores veio correndo para roubar a bola e acertou suas pernas. Ele voou e minha irmã, no reflexo, se lançou à frente para não deixar que se machucasse. Ela se quebrou. Precisou ficar engessada e eu comecei a assumir todas suas atividades. Quero meu sossego de volta!
Desabafo
Eu sempre sou a excluída. Não bastasse mais de 70% da população me desdenhar feito louca, os 30% que reconhecem o meu valor são discriminados em diversas coisas. Bom, pelo menos um bom exemplo são os violões, que agora já podem ser comprados com o braço apropriado pra mim.
É sempre ela quem cumprimenta e sente a energia das pessoas que estão ali, enquanto eu, geralmente escondida em algum canto, suo e sufoco. Também é ela quem segura o volante e guia o carro, enquanto eu apenas no papel subalterno de trocar marchas e gerar aquele incômodo vai-e-vem. Ou algum dia você ouviu algum acidente que tenha sido evitado graças a uma troca de marcha na hora certa?
Um dia alguém me disse “deixa de ser boba, é você quem ostenta a maior prova de amor que um casal pode ter”. Tudo bem, na verdade eu até fiquei bem orgulhosa na hora, mas depois eu lembrei que também sou sempre eu quem sofro as conseqüências das discussões com uma marca branca gigante.
Bom, de qualquer forma, eu acho muito triste pensar que tenha alguém que mesmo sendo a minha versão no espelho, acaba sendo chamada de direita. O destino deve ser geralmente um zero a esquerda. Ops.
A mão que segura o cutelo
Minha mão esquerda se rebelou e decidiu decepar a direita. Pegou um cutelo e passou a perseguí-la em torno do meu corpo. Indefeso, eu girava enquanto uma caçava a outra. Tentei pedir ajuda para meus pés, mas eles estavam muito longe para ouvir. E nem tinham ouvidos para tanto. Finalmente, a pobre destra cansou, e a mão do capeta desferiu um belo golpe no pulso da outra. Mas não o suficiente para cortá-la. Enquanto a derrotada agonizava, balançando inutilmente os dedos ensanguentados, a insana mão esquerda batia e batia, cortando e cortando. Sem poder reagir, eu apenas podia observar em desepsero o massacre. Músculos, tendões, e por fim o osso. A mão direita parou de espernear (ou esdedear?) e caiu inerte no chão.
Lágrimas corriam para meu rosto. A mão esquerda parou de frente para mim. Vi em suas unhas cobertas de sangue uma nova ânsia, não satisfeita pelo assassinato da irmã. Ela agora queria mais: o pescoço. Ameacei-a com mordidas. Ela percebeu que não sria fácil e recuou, cautelosa. Eu precisava de ajuda, ajuda, pés, malditos pés surdos... Impulsos elétricos! Era isso! Pensei rapidamente com meus pés e supliquei por ajuda, enquanto a terrível mão se aproximava lentamente. Ela ficou frente a frente comigo, ergueu o cutelo assustador para o golpe fatal e então...
Uma bicuda vinda das terras inferiores atingiu-a com toda força pelas costas! O pé direito atacou impiedosament, golpeando a mão com fúria. O cutelo caiu de seus dedos e a luta parecia vencida, quando o pé esquerdo surgiu do nada, em defesa de sua irmã de lado. Os dois pés iniciaram uma contenda de chutes e golpes laterais de joelho. Enquanto isso, a mão tentava se reestabelecer, agarrando o cutelo. Se arrastou debilmente para meu pscoço, unhas reluzindo em ódio. Tentei berrar, não, pensar com todas as forças para o pé, mas ele estava ocupado demais. Onde estava o rabo nessas horas? Maldições, por que descemos das árvores? Sem poder reagir, fechei os olhos quando a mão ergueu o cutelo. Senti o pesado golpe: metade de meu pescoço já era...
Lá embaixo, a luta entre os pés continuava encarniçada. Sem perceber o que acontecia ao redor, bateram em um galão de combustível, derramando-o sobre o corpo. Bastava uma faísca, e estão não tardou: chegou no exato instante que a última pelanca de pele que ainda me unia ao corpo foi cortada. Minha cabeça decapitada pôde rolar livre, enquanto o o fogo se acendia e consumia o corpo. Em desespero, a mão tentou se livrar, cortando a si própria, mas era tarde demais: a pele ficou negra, rompeu-se, fragmentos carbonizados soltando-se enquanto ela se debatia inutilmente.
Fiquei ali, desprovido de tudo, mas ainda intacto. Por cerca de dois segundos, até a hemorragia trazer a insconsciência. Morri.
quinta-feira, 5 de junho de 2008
Quiromancia
A marca branca no anelar não estava lá. Tinha desaparecido, não sabia quando. Mas ela ainda sentia-lhe ali. Não a falta branca, mas o cingir dourado. No pulso, conferiu a data de novo entre os ponteiros, vários anos vencida. As manchas escuras cobrindo as veias azuis que irrigavam falanges retorcidas e curvadas. A pele se acumulava flácida sobre os nós, as unhas sem brilho. Os ossos saltados de uma magreza ancestral. Se uma cigana lhe lesse a palma não veria réstia do que ela lia naquele dorso marcado. Já empobrecido sem o brilho dourado, sem o entrelaço de outras falanges, velhas também, já descarnadas. E enquanto ao lado esquerdo pousava inerte, sobre o tecido amarelado e sob memórias emboloradas, a mão desnuda, à direita a outra zapeava canais distraidamente, aguardando o momento de parar, em que as duas se encontrariam sobre o peito murcho e se encerrassem definitivamente no escuro, onde não poderiam ver a falta daquele brilho dourado de outrora.