Rodrigo não tava conseguindo postar, entao me incubiu da missão:
"Salve, salve. Feliz ano novo e aquela coisa toda pra todo mundo.
Sem enrolação, o tema da primeira rodada de 2009 é "Xadrez".
Como de costume, até dia 6 para as postagens.
Tim-tim!"
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
VOTAÇÃO - Texto sem verbo
Vamos à última votação de 2008.
Basta comentar neste post até o dia 30/12/2009 indicando qual foi o melhor texto da rodada.
Basta comentar neste post até o dia 30/12/2009 indicando qual foi o melhor texto da rodada.
Agradecimento especial a todos aqueles que participaram do Duelo de Escritores com comentários, votos ou apenas lendo os textos ao longo do ano.
Que venha um 2009 refleto de alegrias, criatividade e paz na terra (risos).
Um abraço pro meu pai, pra minha mãe, e especialmente pra você (sem risos).
O passar dos dias
INÍCIO.TAC.TIC.TAC.TIC.BEIJO.
CALOR.TAC.TIC.TAC.TIC.DESEJO.
AMOR.TAC.TIC.TAC.TIC.DESLEIXO.
TORPOR.TAC.TIC.TAC.TIC.DESFECHO.
TIC.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
OLHAR.TAC.TIC.TAC.TIC.BEIJO.
TOQUE.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
DANÇA.TAC.TIC.TAC.TIC.LEITO.
TIC.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
PAIXÃO.TAC.TIC.TAC.TIC.BEIJO.
FOGO.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
TIC.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
BEIJO.TAC.TIC.DESEJO.TIC.FOGO.
TOQUE.TAC.BEIJO.TAC.TIC.CORPO.
TIC.LEITO.BEIJO.TAC.TIC.TAC.
AMOR.TAC.TIC.TAC.TIC.LEITO.
TIC.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
CALOR.TAC.TIC.TAC.TIC.DESEJO.
AMOR.TAC.TIC.TAC.TIC.DESLEIXO.
TORPOR.TAC.TIC.TAC.TIC.DESFECHO.
TIC.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
OLHAR.TAC.TIC.TAC.TIC.BEIJO.
TOQUE.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
DANÇA.TAC.TIC.TAC.TIC.LEITO.
TIC.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
PAIXÃO.TAC.TIC.TAC.TIC.BEIJO.
FOGO.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
TIC.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
BEIJO.TAC.TIC.DESEJO.TIC.FOGO.
TOQUE.TAC.BEIJO.TAC.TIC.CORPO.
TIC.LEITO.BEIJO.TAC.TIC.TAC.
AMOR.TAC.TIC.TAC.TIC.LEITO.
TIC.TAC.TIC.TAC.TIC.TAC.
quinta-feira, 25 de dezembro de 2008
Verborréia (?!)
Da inocência à demência, uma dança exótica ao fim do mundo
Uma neutralidade desumana em frente ao frio humano
Do ego uma reflexão desinteressada desprovida de augúrio
À palavra jogada e ao desentendimento desesperado
Esporadicamente, um olhar de soslaio à dor e às lágrimas
O entendimento debilitado atua em sábia falsidade
Do pó ao pó, com pó nas narinas nesse meio tempo
A caminhada de nada a lugar algum de um falso começo
(pois qual o sentido de uma verborréia desverbada?)
Uma neutralidade desumana em frente ao frio humano
Do ego uma reflexão desinteressada desprovida de augúrio
À palavra jogada e ao desentendimento desesperado
Esporadicamente, um olhar de soslaio à dor e às lágrimas
O entendimento debilitado atua em sábia falsidade
Do pó ao pó, com pó nas narinas nesse meio tempo
A caminhada de nada a lugar algum de um falso começo
(pois qual o sentido de uma verborréia desverbada?)
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Abafado
Tudo perdido. Tudo sob a terra, tudo embaixo do morro, agora inexistente. Casa, carro, tudo embaixo da terra. A filha de apenas três anos de idade, morta. Soterrada. Enterrada quando ainda viva. A voz abafada: “Mamãe, mamãe!”. O silêncio.
A dor, o medo, a solidão. O despreparo, a falta de fé. O cheiro da morte no ar. Em todos os lugares, em cada canto escondido e esquecido.
Famílias inteiras dilaceradas pelas águas. Separadas, divididas. Reduzidas a nada.
Amor substituído por dor. Prazer, por pesar. Alegria, por força.
“Mamãe, mamãe!”. Nada.
Hora da reconstrução.
A dor, o medo, a solidão. O despreparo, a falta de fé. O cheiro da morte no ar. Em todos os lugares, em cada canto escondido e esquecido.
Famílias inteiras dilaceradas pelas águas. Separadas, divididas. Reduzidas a nada.
Amor substituído por dor. Prazer, por pesar. Alegria, por força.
“Mamãe, mamãe!”. Nada.
Hora da reconstrução.
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
O verbo mudo
Ping!
— Bom dia.
— Bom dia. Nono, por favor.
— Pois não.
Entre as quatro paredes de metal, eu e o ascensorista. E Ray Connif na rádio interna. Sete anos, a mesma rotina. A mesma música. Os mesmos nove andares. Mas não hoje.
— Aliás, oitavo.
— Oitavo?
— Oitavo.
— Pois não, senhor.
Ping!
— Oitavo, senhor.
— Obrigado.
Do corredor à porta de incêndio. Nas escadas, um degrau por vez. Passo a passo. Cada vez mais alto até a porta com o número nove. Novo corredor. O velho corredor. O corredor de todos os dias. Dez passos até a porta de madeira. A mesma empresa. Os mesmos rostos. Os mesmos bom dias falsos. Hoje, sem resposta. Hoje sem sorriso.
A porta de vidro transparente. A sala do chefe. Porta a dentro.
Um único verbo, silencioso, num dedo médio em riste.
— Bom dia.
— Bom dia. Nono, por favor.
— Pois não.
Entre as quatro paredes de metal, eu e o ascensorista. E Ray Connif na rádio interna. Sete anos, a mesma rotina. A mesma música. Os mesmos nove andares. Mas não hoje.
— Aliás, oitavo.
— Oitavo?
— Oitavo.
— Pois não, senhor.
Ping!
— Oitavo, senhor.
— Obrigado.
Do corredor à porta de incêndio. Nas escadas, um degrau por vez. Passo a passo. Cada vez mais alto até a porta com o número nove. Novo corredor. O velho corredor. O corredor de todos os dias. Dez passos até a porta de madeira. A mesma empresa. Os mesmos rostos. Os mesmos bom dias falsos. Hoje, sem resposta. Hoje sem sorriso.
A porta de vidro transparente. A sala do chefe. Porta a dentro.
Um único verbo, silencioso, num dedo médio em riste.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Nós
Ela, coração. Ele, razão. Eles, história.
Ele, melodia. Ela, poesia. Eles, música.
Ela, doce. Ele, amargo. Eles, café.
Ele, indiferença. Ela, crença. Eles, divergência.
Ela, exclamação. Ele interrogação. Eles, reticências.
Eles, fim. Ele, razão. Ela, coração.
Ele, melodia. Ela, poesia. Eles, música.
Ela, doce. Ele, amargo. Eles, café.
Ele, indiferença. Ela, crença. Eles, divergência.
Ela, exclamação. Ele interrogação. Eles, reticências.
Eles, fim. Ele, razão. Ela, coração.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Tema da Rodada
Salve, salve. Feliz ano novo e aquela coisa toda pra todo mundo.
Sem mais enrolação, o tema da primeira rodada de 2009 é "Xadrez".
Como de costume, até dia 6 para as postagens.
Tim-tim!
Sem mais enrolação, o tema da primeira rodada de 2009 é "Xadrez".
Como de costume, até dia 6 para as postagens.
Tim-tim!
Tema da Rodada
Salve, salve. Feliz ano novo, aquela coisa pra todo mundo.
Sem mais enrolação, o tema da primeira rodada de 2009 é "Xadrez".
Como de costume, até dia 6 para as postagens.
Tim-tim!
Sem mais enrolação, o tema da primeira rodada de 2009 é "Xadrez".
Como de costume, até dia 6 para as postagens.
Tim-tim!
Tema da Rodada
Salve, salve. Feliz ano novo, aquela coisa pra todo mundo.
Sem mais enrolação, o tema da primeira rodada de 2009 é "Xadrez".
Como de costume, até dia 6 para as postagens.
Tim-tim!
Sem mais enrolação, o tema da primeira rodada de 2009 é "Xadrez".
Como de costume, até dia 6 para as postagens.
Tim-tim!
Tema da Rodada
O tema da rodada será: "TEXTO SEM VERBO".
Retomando o lado experimental, os duelistas deverão desenvolver um texto (conto, crônica, poema, qualquer coisa) sem o uso de verbos.
O prazo de postagens é até o dia 26.
Feliz Natal, a propósito ;)
Retomando o lado experimental, os duelistas deverão desenvolver um texto (conto, crônica, poema, qualquer coisa) sem o uso de verbos.
O prazo de postagens é até o dia 26.
Feliz Natal, a propósito ;)
Jesus e Judas
- Sim Judas, serás tu o pecador.
- Sai fora, Jesus, nem vem com esse papo não.
- Pois duvidas?
- To falando, nunca te trairia.
- Pois saibas que me negarás por três vezes.
- Vou não!
- Vai sim.
- Não.
- Eu disse que sim.
- Não!
- Viu?
- Ah, sai fora, essa não valeu, foi pegadinha.
- Judas, todo homem peca, e todo homem tem seu preço.
- Tais dizendo que vou te trair por dinheiro, Jesus?
- Sim, por dinheiro.
- Quanto?
- Sai fora, Jesus, nem vem com esse papo não.
- Pois duvidas?
- To falando, nunca te trairia.
- Pois saibas que me negarás por três vezes.
- Vou não!
- Vai sim.
- Não.
- Eu disse que sim.
- Não!
- Viu?
- Ah, sai fora, essa não valeu, foi pegadinha.
- Judas, todo homem peca, e todo homem tem seu preço.
- Tais dizendo que vou te trair por dinheiro, Jesus?
- Sim, por dinheiro.
- Quanto?
Ele
Se Jesus tivesse nascido lá pela década de 40, teria, doidão, participado de uma comunidade alternativa nos anos sessenta. Talvez, chapado e com batas coloridas, teria feito sinal de paz e amor em meio a um mutirão jovem. Para se tornar conhecido e revolucionário, talvez ficasse pelado em frente ao Palácio do Planalto.
Se ele tivesse nascido em 50 e poucos, seria dançado o rock de Elvis com calças boca de sino vermelhas. Se fosse brasileiro ouviria Doces Bárbaros e se curtisse rock teria descoberto o Aerosmith. Quem sabe seria conhecido por lutar pela independência de países africanos?
Se tivesse nascido lá por sessenta, em oitenta dançaria Michael Jackson e vibraria com Thriller. Estamparia capas de jornais pelo auxílio nas Diretas Já e teria votado no Collor. Teria ele criado o perdão ao virar amigo de Collor?
Como nasceu bem antes de tudo isso, virou Jesus Cristo.
Porque Jesus não volta pra terra
- É, Jesus, tão sentindo tua falta lá.
- Pois é. Tenho visto cada coisa. Esses dias soube de um outdoor enorme com meu nome estampado. Isso que é saudade, hein.
- É, Jesus. É verdade.
- Caminho e vida também.
- Aliás, vais fazer alguma coisa no teu aniversário?
- Então. O povo me confunde. Não lembro do dia em que nasci, por motivos óbvios. Agora não tenho certeza se é 25 de dezembro ou 1º de janeiro.
-É, Jesus!
(Alguém abre a porta)
- Quem é no telefone, Chico?
- É Jesus!
- Desliga essa porcaria e pára de conversar com esses teus amigos invisíveis! Vamos Jantar.
-----
Conto inspirado na música homônima da banda “3 hit combo!”. Confira o primeiro álbum “The Pai Mei Education EP” na íntegra, através do Tramavirtual. Clique aqui. (http://tramavirtual.uol.com.br/artista.jsp?id=41581)
- Pois é. Tenho visto cada coisa. Esses dias soube de um outdoor enorme com meu nome estampado. Isso que é saudade, hein.
- É, Jesus. É verdade.
- Caminho e vida também.
- Aliás, vais fazer alguma coisa no teu aniversário?
- Então. O povo me confunde. Não lembro do dia em que nasci, por motivos óbvios. Agora não tenho certeza se é 25 de dezembro ou 1º de janeiro.
-É, Jesus!
(Alguém abre a porta)
- Quem é no telefone, Chico?
- É Jesus!
- Desliga essa porcaria e pára de conversar com esses teus amigos invisíveis! Vamos Jantar.
-----
Conto inspirado na música homônima da banda “3 hit combo!”. Confira o primeiro álbum “The Pai Mei Education EP” na íntegra, através do Tramavirtual. Clique aqui. (http://tramavirtual.uol.com.br/artista.jsp?id=41581)
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Crise em Terra Nova
— Sr. Lúcio, o senhor já pode entrar. O Dr. Javésio lhe aguarda.
***
— Dr. Javésio, esse é o Sr. Lúcio da PQ&P Comunicação e Marketing.
— OBRIGADO, GABRIEL. BOM DIA ,MEU JOVEM. ENTÃO É VOCÊ QUE TEM A SOLUÇÃO PRA MINHA EMPRESA?
— Bom dia, Dr. Javésio. Eu tenho certeza que o senhor não se arrependerá de confiar sua conta à PQ&P.
— COMO MEU ASSISTENTE JÁ DEVE TER LHE FALADO, A TERRA NOVA EMPREENDIMENTOS & INCORPORAÇÕES PASSA POR ALGUNS... PERCALÇOS, DEVIDO AO CENÁRIO MACROECONÔMICO. A CRISE NOS ATINGE A TODOS, COMO SABE.
— Certamente. É justamente por isso que acredito que nossa abordagem pode ajudar a reverter o enfraquecimento de imagem da Terra Nova.
— ENFRAQUECIMENTO DE IMAGEM?
— Dr. Javésio, é notório nas pesquisas recentes que a Terra Nova Empreendimentos & Incorporações já não apresenta os números expressivos do seu período áureo.
— Mas a Terra Nova ainda é líder em nosso mercado, a linha de produtos cresceu e participação de vendas entre os formadores de opinião ainda é marcante.
— De fato, Seu Gabriel. Mas é preciso encarar os fatos de frente e sem maquiagem. Se a Terra Nova não estivesse com dúvidas, não teria nos chamado. Além do que, a imagem da empresa, ainda que forte junto aos formadores de opinião e público geral, já encontra nova concorrência. Como disse o Dr. Javésio, a crise nos atingiu a todos.
— MAS NÃO É UM CRISE FINANCEIRA QUE VAI NOS TIRAR DA LIDERANÇA.
— E é para garantir isso que trago a nossa proposta. Nesses tempos duvidosos, precisamos marcar nosso território no mercado. Defender e melhorar a imagem de nossa empresa. Encontrar um representante de nossa marca.
— UMA PERSONALIDADE? COMO AQUELA PROPAGANDA DE COREGA?
— Não exatamente. Uma personalidade já carrega uma imagem própria. Nós pensamos em começar do zero. Sugerimos a criação de um personagem para representar a Terra Nova.
— UM DESENHO ANIMADO?
— Não. Precisamos de uma abordagem mais séria. Usaremos um ator, obviamente, para interpretar um personagem que consiga se comunicar como o nosso público.
— SIM... UM PERSONAGEM FORTE, PORTENTOSO, LUTADOR, QUE NÃO SE ABATE FRENTE À CRISE, À IMAGEM DA TERRA NOVA.
— Café, Dr. Javésio?
— NÃO ATRAPALHE, GABRIEL. NÃO VÊ QUE ESTAMOS TENDO UMA GRANDE IDÉIA?
— Na verdade, nós sugerimos o contrário...
— O CONTRÁRIO? VOCÊS ESTÃO LOUCOS!?
— Pense bem, Dr. Javésio. Não foi o senhor mesmo que disse que esta crise financeira nos atingiu a todos? Pois então! Agora que estão todos se sentindo sós, nós vamos mostrar a eles que eles não estão sós. Nós estamos com eles.
— NA CRISE?
— Igualmente na crise. Ao invés da força, vamos usar a fraqueza, no lugar do heroísmo, o cidadão comum. Vamos dar o público não alguém distante, o lutador vitorioso e imbatível, mas vamos abraçá-los no seu fracasso, no momento de fragilidade, vamos dizer a eles que somos como eles.
— MAS NÓS SOMOS FORTES. IMBATÍVEIS! MANTIVEMOS A LIDERANÇA DE MERCADO DESDE QUE A CONQUISTAMOS.
— Sim, nós somos o sucesso!
— Mas o seu público não. E é com ele que precisamos nos identificar.
— MAS NÃO É A NOSSA IMAGEM QUE QUEREMOS MELHORAR?
— E a melhor forma de fazer isso é nos tornarmos mais próximos de nossos consumidores. Falar como eles, dos assuntos deles, estar no meio deles. E um personagem que represente tudo isso, que represente eles, é a nossa melhor opção agora.
— E QUANTO TUDO ISSO CUSTARIA?
— Essa é a melhor parte. O maior custo da produção será o casting. E como temos apenas um ator, não sairá muito caro.
— VOCÊ TROUXE OS ORÇAMENTOS?
— Obviamente. Aqui estão.
— ...
— ...
— MUITO CARO.
— Mas Sr...
— Doutor!
— Mas Dr. Javésio, de acordo com o nosso budget, essa verba se enquadraria perfeitamente à nossa realidade.
— LÚCIO, EU SOU O PRESIDENTE DA TERRA NOVA EMPREENDIMENTOS & INCORPORAÇÕES, RAPAZ. EU SEI O QUE SE ENQUANDRA OU NÃO À REALIDADE DA MINHA EMPRESA.
— Sim, senhor. Mas eu lhe garanto, esse personagem, esse mascote é melhor solução para melhorar a imagem da sua marca.
— POIS BEM, VAMOS FAZER O TAL MASCOTE. MAS SEM O ATOR. GABRIEL, CHAMA LÁ O MEU FILHO. ELE VAI FAZER O COMERCIAL.
— Mas Sr...
— Doutor!
— Doutor! Dr. Javésio...
— SEM DESCULPAS, RAPAZ. E ANDE LOGO COM A PRODUÇÃO DESSE COMERCIAL, QUE EU QUERO ISSO NO AR EM SETE DIAS!
***
— Dr. Javésio, esse é o Sr. Lúcio da PQ&P Comunicação e Marketing.
— OBRIGADO, GABRIEL. BOM DIA ,MEU JOVEM. ENTÃO É VOCÊ QUE TEM A SOLUÇÃO PRA MINHA EMPRESA?
— Bom dia, Dr. Javésio. Eu tenho certeza que o senhor não se arrependerá de confiar sua conta à PQ&P.
— COMO MEU ASSISTENTE JÁ DEVE TER LHE FALADO, A TERRA NOVA EMPREENDIMENTOS & INCORPORAÇÕES PASSA POR ALGUNS... PERCALÇOS, DEVIDO AO CENÁRIO MACROECONÔMICO. A CRISE NOS ATINGE A TODOS, COMO SABE.
— Certamente. É justamente por isso que acredito que nossa abordagem pode ajudar a reverter o enfraquecimento de imagem da Terra Nova.
— ENFRAQUECIMENTO DE IMAGEM?
— Dr. Javésio, é notório nas pesquisas recentes que a Terra Nova Empreendimentos & Incorporações já não apresenta os números expressivos do seu período áureo.
— Mas a Terra Nova ainda é líder em nosso mercado, a linha de produtos cresceu e participação de vendas entre os formadores de opinião ainda é marcante.
— De fato, Seu Gabriel. Mas é preciso encarar os fatos de frente e sem maquiagem. Se a Terra Nova não estivesse com dúvidas, não teria nos chamado. Além do que, a imagem da empresa, ainda que forte junto aos formadores de opinião e público geral, já encontra nova concorrência. Como disse o Dr. Javésio, a crise nos atingiu a todos.
— MAS NÃO É UM CRISE FINANCEIRA QUE VAI NOS TIRAR DA LIDERANÇA.
— E é para garantir isso que trago a nossa proposta. Nesses tempos duvidosos, precisamos marcar nosso território no mercado. Defender e melhorar a imagem de nossa empresa. Encontrar um representante de nossa marca.
— UMA PERSONALIDADE? COMO AQUELA PROPAGANDA DE COREGA?
— Não exatamente. Uma personalidade já carrega uma imagem própria. Nós pensamos em começar do zero. Sugerimos a criação de um personagem para representar a Terra Nova.
— UM DESENHO ANIMADO?
— Não. Precisamos de uma abordagem mais séria. Usaremos um ator, obviamente, para interpretar um personagem que consiga se comunicar como o nosso público.
— SIM... UM PERSONAGEM FORTE, PORTENTOSO, LUTADOR, QUE NÃO SE ABATE FRENTE À CRISE, À IMAGEM DA TERRA NOVA.
— Café, Dr. Javésio?
— NÃO ATRAPALHE, GABRIEL. NÃO VÊ QUE ESTAMOS TENDO UMA GRANDE IDÉIA?
— Na verdade, nós sugerimos o contrário...
— O CONTRÁRIO? VOCÊS ESTÃO LOUCOS!?
— Pense bem, Dr. Javésio. Não foi o senhor mesmo que disse que esta crise financeira nos atingiu a todos? Pois então! Agora que estão todos se sentindo sós, nós vamos mostrar a eles que eles não estão sós. Nós estamos com eles.
— NA CRISE?
— Igualmente na crise. Ao invés da força, vamos usar a fraqueza, no lugar do heroísmo, o cidadão comum. Vamos dar o público não alguém distante, o lutador vitorioso e imbatível, mas vamos abraçá-los no seu fracasso, no momento de fragilidade, vamos dizer a eles que somos como eles.
— MAS NÓS SOMOS FORTES. IMBATÍVEIS! MANTIVEMOS A LIDERANÇA DE MERCADO DESDE QUE A CONQUISTAMOS.
— Sim, nós somos o sucesso!
— Mas o seu público não. E é com ele que precisamos nos identificar.
— MAS NÃO É A NOSSA IMAGEM QUE QUEREMOS MELHORAR?
— E a melhor forma de fazer isso é nos tornarmos mais próximos de nossos consumidores. Falar como eles, dos assuntos deles, estar no meio deles. E um personagem que represente tudo isso, que represente eles, é a nossa melhor opção agora.
— E QUANTO TUDO ISSO CUSTARIA?
— Essa é a melhor parte. O maior custo da produção será o casting. E como temos apenas um ator, não sairá muito caro.
— VOCÊ TROUXE OS ORÇAMENTOS?
— Obviamente. Aqui estão.
— ...
— ...
— MUITO CARO.
— Mas Sr...
— Doutor!
— Mas Dr. Javésio, de acordo com o nosso budget, essa verba se enquadraria perfeitamente à nossa realidade.
— LÚCIO, EU SOU O PRESIDENTE DA TERRA NOVA EMPREENDIMENTOS & INCORPORAÇÕES, RAPAZ. EU SEI O QUE SE ENQUANDRA OU NÃO À REALIDADE DA MINHA EMPRESA.
— Sim, senhor. Mas eu lhe garanto, esse personagem, esse mascote é melhor solução para melhorar a imagem da sua marca.
— POIS BEM, VAMOS FAZER O TAL MASCOTE. MAS SEM O ATOR. GABRIEL, CHAMA LÁ O MEU FILHO. ELE VAI FAZER O COMERCIAL.
— Mas Sr...
— Doutor!
— Doutor! Dr. Javésio...
— SEM DESCULPAS, RAPAZ. E ANDE LOGO COM A PRODUÇÃO DESSE COMERCIAL, QUE EU QUERO ISSO NO AR EM SETE DIAS!
Nova vida
15/12/08
Sua respiração estava mais difícil, ele notou pela primeira vez. Não era mais aquela inspiração profunda e vigorosa, seguida por uma expiração suave e tranquila. Agora, os pulmões não estavam mais puxando o ar com tanta vontade, e ele podia ouvir um fraco chiado saindo da garganta na expiração. Não era tão aparente quanto as mãos enrugadas que ele encarava. Outrora as fortes mãos de um carpinteiro, agora apenas as rugas tinham permanecido. O vigor se fora.
Ergueu-se com alguma dificuldade e olhou-se no espelho. A face estava murcha, os cabelos esbranquiçados, os olhos caídos e sem brilho. Será que aquele corpo alquebrado aguentaria uma temporada no deserto? Sim, se ele confiasse no Pai, e esta confiança ele tinha acima de tudo, certo? Afinal, não tinha arrastado um peso enorme por quilômetros, em um corpo muito mais sofrido e torturado que este? Sim, ele tinha que ter esta certeza. Mas não pôde evitar um pequeno tremor de insegurança na espinha.
Não era para ser assim. Por que o Pai havia deixado sua forma carnal ficar tão decadente desta vez, em vez de mantê-la em glória por toda uma vida? Seria uma nova provação? Será que aquele era o caminho que Ele havia escolhido para seu filho desta vez? Entretanto, por que as pessoas não se condoíam diante do sofrimento de uma morte lenta? Seria mesmo necessária uma morte violenta, no auge, para que todos o reconhecessem novamente? Porém, ele não sabia como iria reagir agora, diante de uma morte dolorosa... Quer dizer, ele deveria fazer o que o Pai lhe exigisse, pois seu amor era infinito, certo? Um novo calafrio percorreu o corpo, ao imaginar um chicote violento e as costas idosas cobertas de sangue...
A porta do quarto de abriu. Ela fez uma pequena reverência e falou com doçura:
- Inri, está na hora do culto.
Ele sorriu com benevolência e respondeu que já estava indo. Bem, desta vez o Pai escolhera outro caminho para ele. Uma vida longa, saudável e cercado por jovens discípulas. Não era de se reclamar. Afinal, ele sabia o que era uma morte na cruz e não a desejaria para mais ninguém. Muito menos para si mesmo.
Sua respiração estava mais difícil, ele notou pela primeira vez. Não era mais aquela inspiração profunda e vigorosa, seguida por uma expiração suave e tranquila. Agora, os pulmões não estavam mais puxando o ar com tanta vontade, e ele podia ouvir um fraco chiado saindo da garganta na expiração. Não era tão aparente quanto as mãos enrugadas que ele encarava. Outrora as fortes mãos de um carpinteiro, agora apenas as rugas tinham permanecido. O vigor se fora.
Ergueu-se com alguma dificuldade e olhou-se no espelho. A face estava murcha, os cabelos esbranquiçados, os olhos caídos e sem brilho. Será que aquele corpo alquebrado aguentaria uma temporada no deserto? Sim, se ele confiasse no Pai, e esta confiança ele tinha acima de tudo, certo? Afinal, não tinha arrastado um peso enorme por quilômetros, em um corpo muito mais sofrido e torturado que este? Sim, ele tinha que ter esta certeza. Mas não pôde evitar um pequeno tremor de insegurança na espinha.
Não era para ser assim. Por que o Pai havia deixado sua forma carnal ficar tão decadente desta vez, em vez de mantê-la em glória por toda uma vida? Seria uma nova provação? Será que aquele era o caminho que Ele havia escolhido para seu filho desta vez? Entretanto, por que as pessoas não se condoíam diante do sofrimento de uma morte lenta? Seria mesmo necessária uma morte violenta, no auge, para que todos o reconhecessem novamente? Porém, ele não sabia como iria reagir agora, diante de uma morte dolorosa... Quer dizer, ele deveria fazer o que o Pai lhe exigisse, pois seu amor era infinito, certo? Um novo calafrio percorreu o corpo, ao imaginar um chicote violento e as costas idosas cobertas de sangue...
A porta do quarto de abriu. Ela fez uma pequena reverência e falou com doçura:
- Inri, está na hora do culto.
Ele sorriu com benevolência e respondeu que já estava indo. Bem, desta vez o Pai escolhera outro caminho para ele. Uma vida longa, saudável e cercado por jovens discípulas. Não era de se reclamar. Afinal, ele sabia o que era uma morte na cruz e não a desejaria para mais ninguém. Muito menos para si mesmo.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
Tema da rodada
Então, amiguinhos, vamos a mais uma rodada. Desta vez o tema será mais fácil, no clássico estilo de uma palavra.
E, como estamos em fim de ano, nada melhor que homenagear o nosso aniversariante de 2012 anos!
O tema da rodada é JESUS CRISTO.
Boa sorte a todos!
E, como estamos em fim de ano, nada melhor que homenagear o nosso aniversariante de 2012 anos!
O tema da rodada é JESUS CRISTO.
Boa sorte a todos!
domingo, 7 de dezembro de 2008
Sobre a fome
Ele acabara de chegar ao continente de gelo. Mal conhecia o lugar e já estava faminto. Esqueceu de estocar comida. Esqueceu que ia demorar até alguém aparecer àquele lugar para trazer mantimentos. Não tinha experiência em caça, afinal, sempre a condenou. Sempre foi ligado às questões ambientais, mas dessa vez não haveria jeito. Sem árvores frutíferas ou qualquer tipo de vida vegetal, tudo que lhe restava eram os animais. A solução era matar ou morrer.
Pegou uma pá e saiu em busca de comida. Avistou um leão-marinho, mas percebeu que seria muito difícil golpeá-lo com aquela arma improvisada. Talvez conseguisse uma foca. Caminhou procurando qualquer coisa que pudesse servir ao propósito de alimentá-lo. Era uma tarefa difícil. Foram longas horas de caminhada até avistar um grupo de pingüins andando desordenadamente, empurrando uns aos outros. Aproximou-se e sentiu o vento cortar-lhe a espinha. O lugar era frio por natureza, mas a idéia de matar pingüins para saciar a fome era ainda mais gélida.
Pensou por alguns instantes. Se perdesse aquele grupo talvez não encontrasse mais nenhum sinal de vida nos próximos meses. Suas ponderações ecológicas foram completamente esquecidas e, como se tivesse possuído por uma cólera súbita, começou a desferir golpes certeiros nas cabeças daquelas pequenas criaturas alvinegras. Um a um, os pingüins sucumbiam à força da fome de um predador voraz. E ele teria comida suficiente (e de sobra) para alguns meses de isolamento.
Pegou uma pá e saiu em busca de comida. Avistou um leão-marinho, mas percebeu que seria muito difícil golpeá-lo com aquela arma improvisada. Talvez conseguisse uma foca. Caminhou procurando qualquer coisa que pudesse servir ao propósito de alimentá-lo. Era uma tarefa difícil. Foram longas horas de caminhada até avistar um grupo de pingüins andando desordenadamente, empurrando uns aos outros. Aproximou-se e sentiu o vento cortar-lhe a espinha. O lugar era frio por natureza, mas a idéia de matar pingüins para saciar a fome era ainda mais gélida.
Pensou por alguns instantes. Se perdesse aquele grupo talvez não encontrasse mais nenhum sinal de vida nos próximos meses. Suas ponderações ecológicas foram completamente esquecidas e, como se tivesse possuído por uma cólera súbita, começou a desferir golpes certeiros nas cabeças daquelas pequenas criaturas alvinegras. Um a um, os pingüins sucumbiam à força da fome de um predador voraz. E ele teria comida suficiente (e de sobra) para alguns meses de isolamento.
Caçada
06/12/08
Logan caminhava pesadamente pelo deserto branco da península de Labrador. Tinha acabado de deixar o barco e uma nova temporada de trabalho estava para começar. A primavera havia iniciado há pouco e o gelo, naquele ano, parecia melhor que nos anteriores. "Curioso", pensava Logan, "como as atividades daqueles que condenam minha profissão atingem tanto a região quanto as minhas". Nos últimos anos, várias focas haviam perecido por conta do descongelamento das geleiras, segundo aqueles mesmos ativistas que o demonizavam.
Mas Logan tentava não se abater pelo aumento nas dificuldades. A caça estava complicada, a venda mais ainda. Muitos países já não aceitavam a alva e macia pelagem dos filhotes, então ele se contentava em tirar a maior parte de seu sustento das adultas ("e por que então eles aceitam destas?", se perguntava). Nesse momento, caminhava em direção às costas de gelo, onde algumas focas deveriam estar caçando na água e cuidando de seus filhotes recém-paridos. Pelo menos o céu agora estava limpo.
Nas noites anteriores, o barco do seu grupo havia sido surpreendido por uma tempestade fora de época ("esse mundo está todo louco mesmo..."). Decidiram ancorar em uma aldeia Inuit e esperar o tempo melhorar. Como o usual, os esquimós os receberam de modo desconfiado. Afinal, eram eles que vinham das latitudes inferiores do Canadá para caçar as focas, que eram uma importante parte tanto do sustento alimentar quanto econômico dos nativos. Entretanto, após algumas rodadas pagas no bar, o clima ficou tranquilo e amigável. Cordialmente, os caçadores ouviram dos nativos pela vigésima vez as histórias de espíritos naturais e deuses, da benevolente deusa humana Sedna à terrível orca Akhlut. Logan conheceu pela primeira vez a misteriosa deusa-foca, Nainut, que dorme congelada no fundo do oceano. Os espíritos são caprichosos, diziam os esquimós, e o homem deve ser cauteloso ao lidar com a natureza. E então todos explodiram em risadas, nativos e forasteiros, entornaram mais uma dose e foram dormir aquecidos.
Quando os "caprichosos espíritos" resolveram encerrar a tempestade, Logan e seus companheiros seguiram para seu usual ponto de caça. Chegando lá, testaram a comunicação pelos rádios e dividiram-se em duplas. Logan e Etahn iniciaram a caminhada ao local que sabiam ser o melhor da região. Lá, sem dificuldade completariam sua cota, dividida igualmente entre os membros do grupo, segundo os limites legais. Ethan falou que esperava que os outros fossem tão rápidos quanto e logo pudessem estar em suas quentes casas com suas não-menos-quentes esposas. Os homens compartilharam uma risada e prosseguiram silenciosamente.
Ao chegar no ponto determinado pelo aparelho de GPS, tiraram as mochilas e deixaram-nas para marcar o ponto de encontro. Nenhum deles gostava de usar espingardas, pois achavam que danificava demais o pêlo. Assim, cada um pegou seus porretes e saíram separadamente em busca de seus negros alvos, facilmente visíveis sobre o gelo branco.
Não demorou muito para Logan localizar sua primeira vítima. A uma certa distância, viu o escuro animal sair da água para o gelo, provavelmente após uma boa refeição à base de arenque. Era uma fêmea, então esperou um pouco. Se fosse uma solitária, apenas se deitaria ali antes de seguir para mais uma caçada. Se não, se arrastaria desajeitadamente para alguma fresta escondida entre o gelo, mais para o interior. Dito e feito, lá se foi ela. Logan sorriu, estava com sorte.
Seguindo-a cuidadosamente, logo a viu parar ao lado de uma pequena bancada de gelo. E ali estava o grande prêmio de Logan: uma pequena bolota de neve que passou a se agitar alegremente pela volta da mãe. Sim, vários países não mais compravam suas peles, mas os que ainda compravam pagavam bem. Muito bem.
A fêmea deitou-se de lado e o filhote passou a mamar vigorosamente. Aproveitando a distração de ambos, Logan pôde aproximar-se. Há uma distância razoável, entretanto, a fêmea manifestou alguma agitação. Ergueu a cabeça e vasculhou os arredores. Sim, ela o havia percebido. Iria agora tentar fugir para o mar, sua negrura chamando a atenção do predador enquanto o filhote confiava na camuflagem para passar despercebido. Logan tinha que se rápido e não perder de vista a bancada.
A foca se arrastou freneticamente em direção à água, fazendo o maior estardalhaço possível. Mas aquele predador era simplesmente rápido demais. Logan alcançou-a e bloqueou seu caminho em direção ao mar. A foca rosnou, mostrando os dentes, tentando de uma última forma mostrar que se defenderia até o final. Mas este foi rápido: bastou uma pancada firme e certeira do porrete para espirrar sangue vermelho no gelo branco. A foca, já condenada, tremeu e se contorceu. Logan bateu mais uma vez, para a foca parar de se mover. Rapidamente, sacou a faca e cortou as artérias do pescoço do animal. Era a recomendação: diziam que assim os animais morriam mais rapidamente. Logan ainda achava curioso como essa proposta "humanitária" fazia a alegria dos grupos ativistas, mais pelo uso das imagens de todo o sangue espalhado no gelo do que pela morte rápida em si.Sem perder tempo, Logan olhou a paisagem, tentando localizar a bancada de gelo, após a corrida. As paisagens árticas são monótonas, repetitivas e facilmente confundíveis. Porém, seus experientes olhos reconheceram-na em meio às irregularidades. Correu rapidamente e lá encontrou o filhote, que gritou assim que ele se aproximou demais. Pequeno e desajeitado, não tinham como escapar. Logan só precisava se preocupar o ângulo certo do golte, para o sangue não espirrar muito no pêlo claro. Em um último segundo antes de descer o porrete, o filhote fitou-o com seus enormes e negros olhos. Logan parou por um instante. Não, ele já havia tentado ver a situação de um outro modo, há muito tempo atrás. Mas não conseguia enxergar ali a mesma coisa que viam os ativistas de regiões distantes do mundo. "Não é tão diferente de um fazendeiro sacrificando bois, mas nós não os criamos desde que nascem", ponderou, "não seria isto algo muito mais desumano?". O porrete desceu com violência e em segundos o filhote estava morto.
Com os ganchos na ponta dos porretes, carregou as focas por sobre o gelo. Quando avistou de longe o ponto de encontro, viu manchas negras no fim de dois traços vermelhos. Sorriu: Ethan fora mais rápido daquela vez. O rapaz estava aprendendo bem. Porém, o seu filhote compensava a demora. Deixou suas presas junto às outras e voltou para procurar mais.
Repetiram as idas e vindas nas horas seguintes, até que houvesse um número de focas suficientes para esfolar naquele dia. Cada um havia pego mais dois filhotes, um bom resultado. Ao final da tarde, trocaram os porretes pelo material de esfolamento e iniciaram a segunda parte do trabalho. Tirar apenas as peles e deixar o resto para trás era um desperdício que de certa forma incomodava Logan, mas eles não estavam preparados para levar as carcaças. E, ademais, as cotas canadenses eram generosas e focar-se apenas na pelagem dava mais lucro.
Quando havia retirado algumas peles, Logan sentiu um tremor percorrer por toda a superfície de gelo onde estavam. Imediatamente olhou para Ethan e viu que ele também havia notado. Um tremor daqueles podia indicar o pior pesadelo de alguém que caminhasse sobre pedaços de gelo flutuantes: a própria quebra natural daquele pedaço de geleira, na primavera. Era uma ocasião rara e perigosa, mas Logan já havia passado por ela, e estavam ficando mais frequentes conforme o planeta esquentava. O mais novo parecia alarmado, mas Logan tranquilizou-o. Pela força do tremor, se houvesse alguma rachadura, estava ocorrendo em um ponto distante. Tinham que ficar alertas, apenas isso.
Poucos minutos depois, o tremor se repetiu, mais forte.
Agora sim havia motivo para alarme.
Logan ordenou que deveriam terminar aquela última pele o mais rápido possível, entrar em contato com o barco e se dirigir para a região mais distante do mar, onde a geleira era mais espessa. Retornou a atenção para a sua pele e viu, com certa surpresa, o corpo da foca tremer. Desgostoso, se voltou para Ethan, pronto para aplicar-lhe uma reprimenda por ter deixado de matar completamente os animais. Era o que mais irritava os ativistas, a possibilidade de focas sendo esfoladas ainda com um resquício de consciência.
Neste momento, sentiu um impacto poderoso na geleira, e uma dor tremenda no tornozelo.
Quando olhou para baixo, não soube o que na visão lhe horrorizou mais. Se era a miríade de micro-rachaduras se espalhando pelo gelo, ou o fato de haver uma foca semi-esfolada, quase inteiramente sem pele, mordendo o seu calcanhar com uma força terrível. A foca rosnava e mordia, com se estivesse inteiramente viva, espalhando sangue seu e de Logan por todo o lado.
Caiu no chão, sem entender ao certo o que estava acontecendo, socando e tentando se livrar do animal. Sua mão cegamente alcançou o porrete, e bateu com força até que não houvesse sequer mandíbulas intactas que pudessem se prender a ele. Soltou-se da foca, rolando para longe, com o pé seriamente contundido. Foi quando ouviu o grito cortante do companheiro. A cena que presenciou ao conseguir focar novamente a vista lhe abalou a gélida alma como nenhuma outra em sua vida.
Ethan estava no chão, se debatendo com três focas, que lhe atacavam as pernas, tronco e cabeça. E não eram só elas: todas as focas que os cercavam estavam se movendo. Rosnando, se arrastando, mesmo aquelas carcaças inteiramente despeladas. "Meu Deus, eu mesmo matei metade desses animais. E eu sei que matei", pensou desesperadamente o caçador, "isso não pode estar acontecendo!".
Ergueu-se mancando dolorosamente, tentando chegar ao companheiro para ajudá-lo. As focas vieram em sua direção, olhos mortos, bocas vorazes, mesmo os filhotes tentando abocanhá-lo. Abriu caminho em meio a elas gritando, golpeando furiosamente com o porrete, mas parecia não adiantar. Os animais eram jogados para longe com a força das pancadas, e logo voltavam a se mover em direção a ele.
Quando estava chegando em Ethan, houve um novo tremor no gelo, tão intenso que derrubou-o novamente no chão. Um filhote ensanguentado conseguiu morder seu braço e Logan jogou-o longe, se agitando e berrando. Engatinhou até o companheiro, mas as focas já não se interessavam por este: Ethan jazia sem vida, coberto de sangue, o pescoço tomado por um grande ferimento que rompera a jugular.
Logan não teve tempo de lamentar pelo amigo. Levantou-se cambaleante e se viu cercado por animais mortos, mas vivos, querendo dar-lhe o mesmo destino. Tentou correr para longe, mas consegui apenas dar alguns passos antes de um novo tremor e queda. O gelo apresentava rachaduras consideráveis, alguns pesados blocos caíram e rolaram das partes mais elevadas. As focas se aproximaram rosnando, como um coro de vozes infernais cantando o réquiem de um outrora poderoso caçador. Tudo o que Logan podia fazer era gritar, agitando o porrete. Viu-se, subitamente, como a primeira foca que abatera no início do dia: diante de uma morte desconhecida e inevitável, mas ainda assim dando uma última demonstração de que não venderia sua vida de modo fácil...
Subitamente, tudo parou.
Os corpos das focas simplesmente pararam e se esparramaram pelo chão, imóveis, como todos os cadáveres normais deveriam ficar. Não houve novo tremor.
Dentro do silêncio sepulcral do ártico, Logan ouvia apenas a própria respiração pesada, ofegante. Por um segundo, pensou que tudo fora um sonho. Apenas a dor no tornozelo parecia latejantemente lhe dizer que aquilo era real.
Porém, ao invés de despertar de um sonho, Logan estava para adentrar no pior do pesadelo.
Um novo tremor, de força absurda, fez a geleira explodir diante de seus olhos. Grandes blocos de gelo se espalharam pelo céu e pelo mar. Ele caiu de costas, cercado pelas focas inertes, completamente desnorteado.
Encurvado e ofegante, ergueu-se lentamente, encarando ofegante aquela coisa que saía do mar enregelante para se arrastar pesadamente sobre o seu pequeno iceberg, rachando o gelo, quebrando pedaços com seu peso formidável. O cérebro do humano não conseguia compreender exatamente o que visualizava, acostumado a padrões limitados e um mundo concreto, e a imagem penetrava por todas as suas sinapses, destruindo as conexões nervosas de seu cérebro e fazendo sua boca embarcar em um grito louco e descontrolado, enquanto tudo o mais do seu eu se dissolvia num abismo de terror e incompreensão. Num último acesso de racionalidade, relembrou uma recente conversa de bar e pensou que, definitivamente, aquela não era a face que os deuses deveriam ter...
O Kraken procurou pelos seus tripulantes perdidos durante dois dias, mas, diante da desolação da geleira destruída, só puderam concluir que Logan e Ethan tinham sido vítimas de um infortúnio do acaso. O capitão, velho lobo dos mares árticos, sabia que coisas daquelas aconteciam e só restava lamentar pelos companheiros estarem na hora errada, lugar errado. Decidiram que era melhor voltarem para um replanejamento e tentar ainda aproveitar o que desse da temporada de caça. Pararam na mesma aldeia na volta e, num clima pesado e descontrolado, pouco deram atenção aos agitados rumores de um xamã enlouquecido por visões pavorosas que corriam entre os Inuit. Aquela aldeia jamais recebeu caçadores estrangeiros de braços abertos, pois, segundo os habitantes, os forasteiros haviam despertado coisas muito além do controle de qualquer humano. E, aos deuses e espíritos primevos da natureza, era melhor não desafiar.
Logan caminhava pesadamente pelo deserto branco da península de Labrador. Tinha acabado de deixar o barco e uma nova temporada de trabalho estava para começar. A primavera havia iniciado há pouco e o gelo, naquele ano, parecia melhor que nos anteriores. "Curioso", pensava Logan, "como as atividades daqueles que condenam minha profissão atingem tanto a região quanto as minhas". Nos últimos anos, várias focas haviam perecido por conta do descongelamento das geleiras, segundo aqueles mesmos ativistas que o demonizavam.
Mas Logan tentava não se abater pelo aumento nas dificuldades. A caça estava complicada, a venda mais ainda. Muitos países já não aceitavam a alva e macia pelagem dos filhotes, então ele se contentava em tirar a maior parte de seu sustento das adultas ("e por que então eles aceitam destas?", se perguntava). Nesse momento, caminhava em direção às costas de gelo, onde algumas focas deveriam estar caçando na água e cuidando de seus filhotes recém-paridos. Pelo menos o céu agora estava limpo.
Nas noites anteriores, o barco do seu grupo havia sido surpreendido por uma tempestade fora de época ("esse mundo está todo louco mesmo..."). Decidiram ancorar em uma aldeia Inuit e esperar o tempo melhorar. Como o usual, os esquimós os receberam de modo desconfiado. Afinal, eram eles que vinham das latitudes inferiores do Canadá para caçar as focas, que eram uma importante parte tanto do sustento alimentar quanto econômico dos nativos. Entretanto, após algumas rodadas pagas no bar, o clima ficou tranquilo e amigável. Cordialmente, os caçadores ouviram dos nativos pela vigésima vez as histórias de espíritos naturais e deuses, da benevolente deusa humana Sedna à terrível orca Akhlut. Logan conheceu pela primeira vez a misteriosa deusa-foca, Nainut, que dorme congelada no fundo do oceano. Os espíritos são caprichosos, diziam os esquimós, e o homem deve ser cauteloso ao lidar com a natureza. E então todos explodiram em risadas, nativos e forasteiros, entornaram mais uma dose e foram dormir aquecidos.
Quando os "caprichosos espíritos" resolveram encerrar a tempestade, Logan e seus companheiros seguiram para seu usual ponto de caça. Chegando lá, testaram a comunicação pelos rádios e dividiram-se em duplas. Logan e Etahn iniciaram a caminhada ao local que sabiam ser o melhor da região. Lá, sem dificuldade completariam sua cota, dividida igualmente entre os membros do grupo, segundo os limites legais. Ethan falou que esperava que os outros fossem tão rápidos quanto e logo pudessem estar em suas quentes casas com suas não-menos-quentes esposas. Os homens compartilharam uma risada e prosseguiram silenciosamente.
Ao chegar no ponto determinado pelo aparelho de GPS, tiraram as mochilas e deixaram-nas para marcar o ponto de encontro. Nenhum deles gostava de usar espingardas, pois achavam que danificava demais o pêlo. Assim, cada um pegou seus porretes e saíram separadamente em busca de seus negros alvos, facilmente visíveis sobre o gelo branco.
Não demorou muito para Logan localizar sua primeira vítima. A uma certa distância, viu o escuro animal sair da água para o gelo, provavelmente após uma boa refeição à base de arenque. Era uma fêmea, então esperou um pouco. Se fosse uma solitária, apenas se deitaria ali antes de seguir para mais uma caçada. Se não, se arrastaria desajeitadamente para alguma fresta escondida entre o gelo, mais para o interior. Dito e feito, lá se foi ela. Logan sorriu, estava com sorte.
Seguindo-a cuidadosamente, logo a viu parar ao lado de uma pequena bancada de gelo. E ali estava o grande prêmio de Logan: uma pequena bolota de neve que passou a se agitar alegremente pela volta da mãe. Sim, vários países não mais compravam suas peles, mas os que ainda compravam pagavam bem. Muito bem.
A fêmea deitou-se de lado e o filhote passou a mamar vigorosamente. Aproveitando a distração de ambos, Logan pôde aproximar-se. Há uma distância razoável, entretanto, a fêmea manifestou alguma agitação. Ergueu a cabeça e vasculhou os arredores. Sim, ela o havia percebido. Iria agora tentar fugir para o mar, sua negrura chamando a atenção do predador enquanto o filhote confiava na camuflagem para passar despercebido. Logan tinha que se rápido e não perder de vista a bancada.
A foca se arrastou freneticamente em direção à água, fazendo o maior estardalhaço possível. Mas aquele predador era simplesmente rápido demais. Logan alcançou-a e bloqueou seu caminho em direção ao mar. A foca rosnou, mostrando os dentes, tentando de uma última forma mostrar que se defenderia até o final. Mas este foi rápido: bastou uma pancada firme e certeira do porrete para espirrar sangue vermelho no gelo branco. A foca, já condenada, tremeu e se contorceu. Logan bateu mais uma vez, para a foca parar de se mover. Rapidamente, sacou a faca e cortou as artérias do pescoço do animal. Era a recomendação: diziam que assim os animais morriam mais rapidamente. Logan ainda achava curioso como essa proposta "humanitária" fazia a alegria dos grupos ativistas, mais pelo uso das imagens de todo o sangue espalhado no gelo do que pela morte rápida em si.Sem perder tempo, Logan olhou a paisagem, tentando localizar a bancada de gelo, após a corrida. As paisagens árticas são monótonas, repetitivas e facilmente confundíveis. Porém, seus experientes olhos reconheceram-na em meio às irregularidades. Correu rapidamente e lá encontrou o filhote, que gritou assim que ele se aproximou demais. Pequeno e desajeitado, não tinham como escapar. Logan só precisava se preocupar o ângulo certo do golte, para o sangue não espirrar muito no pêlo claro. Em um último segundo antes de descer o porrete, o filhote fitou-o com seus enormes e negros olhos. Logan parou por um instante. Não, ele já havia tentado ver a situação de um outro modo, há muito tempo atrás. Mas não conseguia enxergar ali a mesma coisa que viam os ativistas de regiões distantes do mundo. "Não é tão diferente de um fazendeiro sacrificando bois, mas nós não os criamos desde que nascem", ponderou, "não seria isto algo muito mais desumano?". O porrete desceu com violência e em segundos o filhote estava morto.
Com os ganchos na ponta dos porretes, carregou as focas por sobre o gelo. Quando avistou de longe o ponto de encontro, viu manchas negras no fim de dois traços vermelhos. Sorriu: Ethan fora mais rápido daquela vez. O rapaz estava aprendendo bem. Porém, o seu filhote compensava a demora. Deixou suas presas junto às outras e voltou para procurar mais.
Repetiram as idas e vindas nas horas seguintes, até que houvesse um número de focas suficientes para esfolar naquele dia. Cada um havia pego mais dois filhotes, um bom resultado. Ao final da tarde, trocaram os porretes pelo material de esfolamento e iniciaram a segunda parte do trabalho. Tirar apenas as peles e deixar o resto para trás era um desperdício que de certa forma incomodava Logan, mas eles não estavam preparados para levar as carcaças. E, ademais, as cotas canadenses eram generosas e focar-se apenas na pelagem dava mais lucro.
Quando havia retirado algumas peles, Logan sentiu um tremor percorrer por toda a superfície de gelo onde estavam. Imediatamente olhou para Ethan e viu que ele também havia notado. Um tremor daqueles podia indicar o pior pesadelo de alguém que caminhasse sobre pedaços de gelo flutuantes: a própria quebra natural daquele pedaço de geleira, na primavera. Era uma ocasião rara e perigosa, mas Logan já havia passado por ela, e estavam ficando mais frequentes conforme o planeta esquentava. O mais novo parecia alarmado, mas Logan tranquilizou-o. Pela força do tremor, se houvesse alguma rachadura, estava ocorrendo em um ponto distante. Tinham que ficar alertas, apenas isso.
Poucos minutos depois, o tremor se repetiu, mais forte.
Agora sim havia motivo para alarme.
Logan ordenou que deveriam terminar aquela última pele o mais rápido possível, entrar em contato com o barco e se dirigir para a região mais distante do mar, onde a geleira era mais espessa. Retornou a atenção para a sua pele e viu, com certa surpresa, o corpo da foca tremer. Desgostoso, se voltou para Ethan, pronto para aplicar-lhe uma reprimenda por ter deixado de matar completamente os animais. Era o que mais irritava os ativistas, a possibilidade de focas sendo esfoladas ainda com um resquício de consciência.
Neste momento, sentiu um impacto poderoso na geleira, e uma dor tremenda no tornozelo.
Quando olhou para baixo, não soube o que na visão lhe horrorizou mais. Se era a miríade de micro-rachaduras se espalhando pelo gelo, ou o fato de haver uma foca semi-esfolada, quase inteiramente sem pele, mordendo o seu calcanhar com uma força terrível. A foca rosnava e mordia, com se estivesse inteiramente viva, espalhando sangue seu e de Logan por todo o lado.
Caiu no chão, sem entender ao certo o que estava acontecendo, socando e tentando se livrar do animal. Sua mão cegamente alcançou o porrete, e bateu com força até que não houvesse sequer mandíbulas intactas que pudessem se prender a ele. Soltou-se da foca, rolando para longe, com o pé seriamente contundido. Foi quando ouviu o grito cortante do companheiro. A cena que presenciou ao conseguir focar novamente a vista lhe abalou a gélida alma como nenhuma outra em sua vida.
Ethan estava no chão, se debatendo com três focas, que lhe atacavam as pernas, tronco e cabeça. E não eram só elas: todas as focas que os cercavam estavam se movendo. Rosnando, se arrastando, mesmo aquelas carcaças inteiramente despeladas. "Meu Deus, eu mesmo matei metade desses animais. E eu sei que matei", pensou desesperadamente o caçador, "isso não pode estar acontecendo!".
Ergueu-se mancando dolorosamente, tentando chegar ao companheiro para ajudá-lo. As focas vieram em sua direção, olhos mortos, bocas vorazes, mesmo os filhotes tentando abocanhá-lo. Abriu caminho em meio a elas gritando, golpeando furiosamente com o porrete, mas parecia não adiantar. Os animais eram jogados para longe com a força das pancadas, e logo voltavam a se mover em direção a ele.
Quando estava chegando em Ethan, houve um novo tremor no gelo, tão intenso que derrubou-o novamente no chão. Um filhote ensanguentado conseguiu morder seu braço e Logan jogou-o longe, se agitando e berrando. Engatinhou até o companheiro, mas as focas já não se interessavam por este: Ethan jazia sem vida, coberto de sangue, o pescoço tomado por um grande ferimento que rompera a jugular.
Logan não teve tempo de lamentar pelo amigo. Levantou-se cambaleante e se viu cercado por animais mortos, mas vivos, querendo dar-lhe o mesmo destino. Tentou correr para longe, mas consegui apenas dar alguns passos antes de um novo tremor e queda. O gelo apresentava rachaduras consideráveis, alguns pesados blocos caíram e rolaram das partes mais elevadas. As focas se aproximaram rosnando, como um coro de vozes infernais cantando o réquiem de um outrora poderoso caçador. Tudo o que Logan podia fazer era gritar, agitando o porrete. Viu-se, subitamente, como a primeira foca que abatera no início do dia: diante de uma morte desconhecida e inevitável, mas ainda assim dando uma última demonstração de que não venderia sua vida de modo fácil...
Subitamente, tudo parou.
Os corpos das focas simplesmente pararam e se esparramaram pelo chão, imóveis, como todos os cadáveres normais deveriam ficar. Não houve novo tremor.
Dentro do silêncio sepulcral do ártico, Logan ouvia apenas a própria respiração pesada, ofegante. Por um segundo, pensou que tudo fora um sonho. Apenas a dor no tornozelo parecia latejantemente lhe dizer que aquilo era real.
Porém, ao invés de despertar de um sonho, Logan estava para adentrar no pior do pesadelo.
Um novo tremor, de força absurda, fez a geleira explodir diante de seus olhos. Grandes blocos de gelo se espalharam pelo céu e pelo mar. Ele caiu de costas, cercado pelas focas inertes, completamente desnorteado.
Encurvado e ofegante, ergueu-se lentamente, encarando ofegante aquela coisa que saía do mar enregelante para se arrastar pesadamente sobre o seu pequeno iceberg, rachando o gelo, quebrando pedaços com seu peso formidável. O cérebro do humano não conseguia compreender exatamente o que visualizava, acostumado a padrões limitados e um mundo concreto, e a imagem penetrava por todas as suas sinapses, destruindo as conexões nervosas de seu cérebro e fazendo sua boca embarcar em um grito louco e descontrolado, enquanto tudo o mais do seu eu se dissolvia num abismo de terror e incompreensão. Num último acesso de racionalidade, relembrou uma recente conversa de bar e pensou que, definitivamente, aquela não era a face que os deuses deveriam ter...
O Kraken procurou pelos seus tripulantes perdidos durante dois dias, mas, diante da desolação da geleira destruída, só puderam concluir que Logan e Ethan tinham sido vítimas de um infortúnio do acaso. O capitão, velho lobo dos mares árticos, sabia que coisas daquelas aconteciam e só restava lamentar pelos companheiros estarem na hora errada, lugar errado. Decidiram que era melhor voltarem para um replanejamento e tentar ainda aproveitar o que desse da temporada de caça. Pararam na mesma aldeia na volta e, num clima pesado e descontrolado, pouco deram atenção aos agitados rumores de um xamã enlouquecido por visões pavorosas que corriam entre os Inuit. Aquela aldeia jamais recebeu caçadores estrangeiros de braços abertos, pois, segundo os habitantes, os forasteiros haviam despertado coisas muito além do controle de qualquer humano. E, aos deuses e espíritos primevos da natureza, era melhor não desafiar.
sábado, 6 de dezembro de 2008
Cinismo natural
- “Isso é o que restou da região conhecida como Morada das Focas. Sangue.”
- Ô mãe! Olha lá o que fizeram com os bichos!
- “A polícia do lugar acredita que mais de mil aves tenham sido abatidas por predadores na última noite.”
- Nossa, que barbaridade! Não se tem mais amor pelos animais mesmo.
- “As suspeitas são de que o completo abatimento das aves tenha sido feito por um grupo de turistas que já deixaram o local”.
- Não vão fazer isso com o Toby, né, mãe?
- “Os moradores do local, desolados, dizem que os bichos nunca fizeram mal a ninguém. Este dono de hotel, diz que o sustento de toda a região era o turismo animal e que não sabe como eles viverão agora.”
- Não, filho. Essas coisas só são feitas por caçadores maus que maltratam os bichinhos e esquecem que eles também são seres vivos e tem sentimentos.
- “Deixamos o local com a certeza de que a neve rubra era só um símbolo da vida que se havia ido. E que, certamente, os culpados seriam condenados.”
- É um absurdo. Mas agora desliga essa tevê e vem que o churrasco está pronto.
- Ô mãe! Olha lá o que fizeram com os bichos!
- “A polícia do lugar acredita que mais de mil aves tenham sido abatidas por predadores na última noite.”
- Nossa, que barbaridade! Não se tem mais amor pelos animais mesmo.
- “As suspeitas são de que o completo abatimento das aves tenha sido feito por um grupo de turistas que já deixaram o local”.
- Não vão fazer isso com o Toby, né, mãe?
- “Os moradores do local, desolados, dizem que os bichos nunca fizeram mal a ninguém. Este dono de hotel, diz que o sustento de toda a região era o turismo animal e que não sabe como eles viverão agora.”
- Não, filho. Essas coisas só são feitas por caçadores maus que maltratam os bichinhos e esquecem que eles também são seres vivos e tem sentimentos.
- “Deixamos o local com a certeza de que a neve rubra era só um símbolo da vida que se havia ido. E que, certamente, os culpados seriam condenados.”
- É um absurdo. Mas agora desliga essa tevê e vem que o churrasco está pronto.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Caçada Frustrada
No ártico o ritmo é liquefeito. Não se pode partir com o nascer do sol onde o sol não se põe por meses. Na luz difusa, as horas são tão diáfanas quanto o sol. No ártico, o que dita o ritmo é a vida. E a morte. E a busca incessante por uma e por outra. No gelo ou na água, o que dita o ritmo é a caça. E para quem sobrevive no ártico, a temporada de caça está sempre aberta.
Reunimo-nos à beira do gelo. Caçadores. Os melhores. Nômades, desgarrados. Parentes pelo sangue ou pelo frio. Pela caçada. A água fria nos recebeu como nos recebia todas as vezes. Lançamo-nos por aquelas águas como se pudéssemos realmente ver as correntes. Nativos, tão naturalmente adaptados àquele ambiente como se fossemos peixes. Mas não éramos. Éramos caçadores. Treinados pelos anos, pelo ambiente, uns pelos outros. Éramos os melhores.
Seguindo as correntes víamos longe miúdos cardumes de atuns ou salmões. Mas a caçada previa algo mais. Estava no ar, fresco, podíamos sentir. O dia era de focas. Carne, pele e gordura. O ouro do ártico. Rumamos à costa, em busca do gelo fino. O cheiro da antecipação no ar. Mas não era apenas a antecipação que se podia sentir. Era o cheiro de sangue. Fresco. Aos montes. De longe foi possível ver a chaga vermelha no gelo. A própria água, escura, cheirava a sangue. Haviam chegado antes de nós.
À beira do gelo, fino e trincado, os restos do abate. Gordura espalhada, órgãos desprezados e pegadas na neve. Amadores. Abateram fêmeas jovens e filhotes. Mataram a caça de amanhã. Restamos apenas nós, caçadores. Famintos de volta às águas profundas, mergulhando em busca de cardumes. Uniformes negros e estômagos pálidos. Na água que nos cerca, o gosto do sangue desperdiçado. E é a nós que chamam de assassinos.
Reunimo-nos à beira do gelo. Caçadores. Os melhores. Nômades, desgarrados. Parentes pelo sangue ou pelo frio. Pela caçada. A água fria nos recebeu como nos recebia todas as vezes. Lançamo-nos por aquelas águas como se pudéssemos realmente ver as correntes. Nativos, tão naturalmente adaptados àquele ambiente como se fossemos peixes. Mas não éramos. Éramos caçadores. Treinados pelos anos, pelo ambiente, uns pelos outros. Éramos os melhores.
Seguindo as correntes víamos longe miúdos cardumes de atuns ou salmões. Mas a caçada previa algo mais. Estava no ar, fresco, podíamos sentir. O dia era de focas. Carne, pele e gordura. O ouro do ártico. Rumamos à costa, em busca do gelo fino. O cheiro da antecipação no ar. Mas não era apenas a antecipação que se podia sentir. Era o cheiro de sangue. Fresco. Aos montes. De longe foi possível ver a chaga vermelha no gelo. A própria água, escura, cheirava a sangue. Haviam chegado antes de nós.
À beira do gelo, fino e trincado, os restos do abate. Gordura espalhada, órgãos desprezados e pegadas na neve. Amadores. Abateram fêmeas jovens e filhotes. Mataram a caça de amanhã. Restamos apenas nós, caçadores. Famintos de volta às águas profundas, mergulhando em busca de cardumes. Uniformes negros e estômagos pálidos. Na água que nos cerca, o gosto do sangue desperdiçado. E é a nós que chamam de assassinos.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
Tema da rodada
Assinar:
Postagens (Atom)