Eu precisava escrever um texto em poucos minutos. Preenchia linhas e mais linhas com palavras, frases e toda a pontuação necessárias, mas não conseguia chegar a uma idéia de como dar uma apimentada. Com o tabuleiro quadriculado à minha frente resolvi dar início a uma tarefa nova. Apaguei todo o conteúdo de um documento de texto. Foram dois mil caracteres deletados sem piedade. E isso ainda não era bem o começo do desafio.
Busquei no armário um objeto há muito esquecido. Um prêmio que ganhei em um torneio lá pelos meus catorze ou quinze anos. Em sua caixa estava escrito uma simples expressão em quatro idiomas. “Relógio de Xadrez / Chess Clock / Reloj de Ajedrez / Schachuhr”. Eu não lembrava nem que precisava dar corda nesse “bicho”, mas foi a primeira coisa que fiz ao tirá-lo da caixa. Em seguida, arrumei o tempo. Vinte minutos para cada lado. É um pouco mais do que uma partida relâmpago, mas o suficiente para um bom jogo. Pedi ao computador que batesse no pino que ficava mais distante de mim, mas eu mesmo tive que tomar essa providência.
Há muito tempo não ouvia aquele som característico. Meu Deus! Quantos torneios, quantas derrotas, quantas alegrias, medalhas, amigos, experimentações. O tique-taque trazia consigo a nostalgia de um tempo em que eu conseguia passar horas em frente a um tabuleiro sem dar a mínima importância ao barulho no entorno ou até mesmo ao adversário. Dias inteiros refazendo jogos para estudar os próprios erros. Quanta determinação! E onde ela tinha ido parar?
Sete minutos tinham se passado e eu ainda digitava sem muita precisão. Eram apenas devaneios forçados em meio a um tique-taque contínuo. As pedras não se moviam, mas os dedos, ah, esses pareciam tentar superar a barreira do som. O som. O som dos dedos pressionando as teclas competia com o barulho do relógio. Tique-Taque. Tique-Taque. Tique-Taque.
Parei para pensar por alguns segundos. Eles não fariam muita falta na contagem final. Já escrevi um texto usando o artifício do tique-taque. Será que sou muito repetitivo? Ou escrevo sobre morte ou acabo caindo nessa artimanha de criar textos experimentais com formas esquisitas. Minhas estratégias não andavam muito definidas. Eu precisava me focar. Começar o jogo com "peão quatro do rei" tornara-se um desespero pra mim. Eu precisava inovar a todo custo. E por quê? Por que não usar uma construção simples, em linha reta? Por que não começar o jogo como todo mundo começa? Por que não fazer o que eu realmente sei fazer?
O tabuleiro continuava intacto, o documento de texto já tinha mais de dois mil e quinhentos caracteres. Ainda faltavam oito minutos. O texto não terminava. Não conseguia formar uma idéia que desse a noção de um conjunto. Não tecia uma teia, apenas soltava fios por toda a casa, sem propósito, sem direção, sem a mínima noção do que estava fazendo. Frases e mais frases. Resolvi parar. Larguei o teclado e me virei para o tabuleiro.
1. e4
Já era um bom começo. "Peão quatro do Rei". O clássico e triunfal início com o simples objetivo de dominar o centro do tabuleiro. Parece tão óbvio. Domina-se o centro e, através dele, se constrói (ou destrói) o resto. Construção, desconstrução. Faltavam três minutos. Em pouco tempo o pino vermelho começaria a subir e quando caísse, meu tempo estaria esgotado. Se eu não conseguisse um cheque-mate até lá, estaria perdido. Não importa quem está ganhando quando cai o pino. O lado que deixa cair é o perdedor. É assim que funciona. Sem choro, sem segunda chance. Mas eu fazia jogadas aleatórias contra mim mesmo. O tabuleiro parecia um campo de batalha sem general em nenhum dos dois lados. Soldados perdidos, avançando sem organização e sem estratégia. Este era o desafio. Mas eu comecei com “peão quatro do rei”, isso já era um começo. Encontrar um adversário seria um passo importante também, mas não sei nem onde conseguiria.
Com adversários humanos não dá de fazer igual no Chessmaster. Eu jogava e apertava "Force Move". Pronto! O adversário virtual jogava instantaneamente. Não tinha espera. Eu pensava, ele joga. Mas na vida real não é assim. O pino vermelho já estava lá em cima e o tempo esgo...
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
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7 comentários:
Uma boa saída para a pressa ou falta de idéias a descrição do processo criativo. Em geral deixa o texto pobre, mas acredito que a linguagem tenha sido muito bem explorada nessa tua construção e o final ficou demais.
é uma idéia q já vi em 2 ou 3 textos aqui em rodadas anteriores. parece q até a falta de tempo e criatividade tendem a cair sempre na mesma solução.
apesar dos detalhes de cada texto serem diferentes, devido aos autores e ao tema proposto, se comparados os textos, verão q são mto semelhantes.
gosto dos textos do thiago, mas neste ele ficou na largada.
olha, eu achei um texto bem construído, e até legal, tirando justamente a artimanha CABUM que o Félix criou e parece que todo mundo repete de vez em qdo. Se escrevesse o mesmo texto sem avisar q era um texto feito às pressas, ele poderia ser bom. Por sinal, era capaz até de ganhar meu voto se nao batesse na mesma tecla.
loucura, loucura..rsrsrs...meus parabéns!!!bjus elis
Bem escrito. Eliminou o fator surpresa no primeiro parágrafo. Mas, não considero que seja uma falha total e que isso impute ao texto a ausência da criatividade. Pelo contrário, você utilizou de recursos aparentemente negativos (como alguns disseram, batidos) a seu favor. Gostei bastante.
cara, acho q se perdeu um pouco no geral, mas duas coisas foram legais:
a) o lance de escrever com o relogio como no jogo pode ser uma experiência legal (tanto pra escrever como pra colocar numa ficção)
b) o lance de "começar com o peão quatro do rei". Não sei o q é, mas tem alguma coisa aí q vale bastante. Cada vez q vc resbalava nessa peça tocava uma sinetinha aqui. peão 4 do rei, começar com o peão quatro do rei, sei lá... mAs a jogada é essa. Acho q dá pra começar um jogo aí.
Fábio, eu tenho que lembrar uma coisa: o CABUM não foi falta de tempo ou de idéias, naquela vez. Foi deliberado e calculado. ;P
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