terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Expresso longo

A xícara balançava sobre a bandeja e Dênis já alterava seu estado de humor. Não era difícil deixá-lo nervoso, e ver o garçom trêmulo já era o suficiente para uma leve irritação. Não podia ser pior do que o café melado do boteco da esquina, mas mesmo assim ele não podia perdoar. O trajeto da cozinha até a sua mesa parecia durar uma eternidade. Com a xícara à sua frente, olhou fixamente para o jovem que acabara de lhe servir o tão aguardado café preto expresso longo.
- Tua insegurança me dá náuseas!
- Desculpa, senhor, sou novo aqui. – Sussurra o jovem com o queixo quase tocando o próprio peito.
Com um muxoxo e um esboço de sorriso, Dênis pediu que o jovem trouxesse um sanduíche de ricota. Embora estivesse a certa distância, recostado sobre o balcão, o dono da lanchonete percebeu a grosseria do cliente e saiu em defesa de seu novo contratado.
- Posso ajudá-lo, senhor?
- Claro. Saindo da minha frente.
Jônata dá de ombros e atende ao pedido do freguês sem mexer um único músculo da face. Dênis, apesar dos pesares, vinha sendo um bom freqüentador do local nas últimas semanas. Não passava um único dia sem tomar seu café preto e esbanjar um pouco de seu mau-humor. Não falava muito, mas observava tudo atentamente, sem com as pestanas contraídas sobre os olhos.
Nesse dia, parece que ele resolveu não passar despercebido.Esperou o garoto trazer seu lanche e vociferou novamente.
- Não dava pra ser mais lento?
- Desculpa, senhor.
Incomodado com a situação, Jônata caminhou novamente até a mesa de Dênis.
- Há algo que eu possa fazer por você, senhor?
O jovem garçom olhava desconsolado para os dois. Dênis fez um sinal com a cabeça apontando para o jovem.
- Pode ir, garoto, eu cuido desse cliente.
- Bem, agora que estamos a sós posso abrir o jogo contigo. – Comenta Dênis como se nada tivesse acontecido. – Não gosto de pessoas inseguras. Elas me passam uma impressão de fragilidade e incompetência. Pode ver pelo seu garoto. – Apontou.
O jovem estava atrás do balcão lustrando alguns pratos quando Jônatas olhou e, realmente, parecia transtornado e desajeitado.
- Temos que ser um pouco tolerantes. Não faz nem duas semanas que ele começou. É o primeiro emprego dele.
Dênis tinha um ar pensativo. Na verdade ele já havia planejado toda aquela conversa detalhadamente, mas precisava fazer soar como um papo informal de verdade. Foi essa breve pausa que deu a deixa ao garçom, que abriu a caixa registradora, sacou apenas as onças-pintadas, colocando duas notas de vinte reais no lugar, e partiu pela porta dos fundos. Dênis deu um último gole em seu café quase frio, levantou-se lançando o dinheiro da conta sobre a mesa e saiu sem olhar pra trás.

4 comentários:

Marcelo Labes disse...

Muito bom! Com um final daqueles cheios de reticências depois do ponto final.

Marina Melz disse...

Terminei de ler e tive que ler de novo. Tipo filme com final tão surpreendente que se precisa assistir de novo pra ver se tudo encaixa. E encaixou.

Vivi disse...

Estava desconfiando daquele papo manso do Dênis mas, não atinei que o final seria esse. Surpresa boa. Gostei muito!

Rodrigo Oliveira disse...

dois homens e um segredo eheheh gostei. ficou natural, bem amarradinho... curti.