Tristes são estes humanos. Não os pobres desalmados que carrego, mas os que ficam, aos prantos, jurando que sou a pior das criaturas. Mal sabem os coitados que não passo de uma transportadora e se faço o que faço é porque o patrão quis assim.
Desde pequena fui ensinada a chegar aos humanos com máxima discrição, mas eles vivem tentando impedir minha aproximação. Às vezes choro. É um trabalho extenuante. Sabe como é. Uma hora cansa. Fico pensando e repensando qual o propósito de tantos carregamentos. O que ele quer com tantas almas? Deve ser um projeto muito grande, pois trabalho dia e noite desde que minha mãe me deu esta fantasia ridícula. Diz ela que foi uma adaptação necessária para satisfazer ao imaginário dos humanos de hoje em dia.
Antigamente ninguém se importava com a aparência da morte. Ela tinha sorte. Hoje passo horas preciosas me arrumando para o trabalho, todo dia. Ah! Tem mais. Lembro que quando eu era pequena os humanos eram pontuais com minha mãe. Agora eles insistem em fazer hora-extra a todo custo. Alguns deles por pura teimosia. Sabem que já completaram suas missões, mas insistem em continuar por aí, vagando.
Certo dia, um homem virou para mim e teve a audácia de falar comigo. Dizia que, agora, ele era feito nuvem. Não entendi. Só depois parei e percebi que ele queria dizer que nem raio o atingia. Ele já tinha acabado de completar sua missão e disse esse absurdo só pra me provocar. Eu mesma vi o momento da conclusão. Queria levá-lo para o patrão no segundo seguinte, mas não teve jeito. Ele parecia um sujeito feliz e isso me dava náuseas. Também quero ser feliz um dia. Mas o patrão diz que minha função é nobre, que um dia serei recompensada e que só vou poder gozar de tudo que a existência (não confundir com vida) pode me oferecer depois que ele terminar sua obra.
Sinceramente, não acredito mais nisso. Parece que ele só quer alimentar meus sonhos para que eu não desista do trabalho. Mas quer saber? Já estou farta disso. Estou no meu limite. Sei que ainda tenho muito o que fazer, mas estou prestes a mostrar os dentes e parar de carregar almas daqui pra lá e de lá pra cá. Estou divagando sobre tudo isso porque preciso descobrir o que realmente é ter uma missão. Não é fazer um trabalho que nos foi imposto, mas algo que se deseje muito. Algo que mude completamente tudo aquilo que pensamos. Algo que quando conseguirmos concluir podemos nos dar por completos. Será que eu posso ter uma missão?
domingo, 26 de outubro de 2008
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6 comentários:
Parabéns! Gostei muito da moral da história!
Lembrou-me o personagem "O" Morte (ou Mortimer) da série Discworld, do britânico Terry Prattchet, q está sempre mortalmente nos divertido e dando alguma pérola fúnebre pra gente pensar.
1 abraço.
cara, no início do texto eu já previ uma obra de arte. A morte falando sobre sua missão. Mas não sei, de alguma forma ele foi se perdendo na didática, talvez por ter sido tudo muito mastigadinho. Se fosse mais escrito nas entrelinhas, acho que teria ficado melhor.
fábio, confesso que me perdi um pouco na narrativa por conta da limitação de tempo pra trabalhar a história... acho que vou ter que reescrever isso um dia...
tive a mesma impressão do fábio. mas é assim mesmo, todo texto que a gente posta no duelo pode e deve ser mmais bem trabalhado depois.
tb sentia alguma coisa q faltou pro tchananã, mas gostei do conto. Nem sei se é o lance de deixar nas entrelinhas. Ela falando q é a morte soou bem natural, nao teria porque (o personagem) esconder.
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