Depois de uma noite agonizante e mal dormida, ele levantou. Trocou o suco natural por uma xícara generosa de café. Era o que ele gostava, afinal. Ao invés do terno, colocou a primeira calça que viu no armário, a sandália de couro que mais gostava e a camisa de promoção. Ao invés de andar de carro, resolveu ir andando para o trabalho. Odiava trânsito. Em cima da mesa, bilhetes do chefe o lembravam de assuntos pendentes.
No primeiro telefonema para um cliente, antes mesmo que alguém chegasse ao escritório, não controlou os desacatos. O cara era um filho da puta e ele sempre teve vontade de dizer isso. Desligou o telefone com o sentimento de missão cumprida. A boa sensação foi interrompida pelo estridente grito, alguns minutos depois. “Ficou louco? Além dessa roupa completamente inapropriada, ainda enches o cliente de xingamentos?”.
Na volta pra casa, apesar de sem emprego, ele se sentia feliz. Tinha conseguido ser ele mesmo, de verdade. Sem imposições, sem fingimentos. Gargalhava ao lembrar a voz do outro lado da linha sem reação àquele monte de verdades.
Deitou-se no sofá e viu filmes idiotas que sempre foram seus preferidos, mesmo que ele não admitisse. Cachorro jogando basquete ao invés de passar o filme inteiro tentando descobrir quem tinha matado o moçinho. Desligou a tevê e resolveu surfar. No meio do caminho, encontrou um colega chato de faculdade. Não só não o cumprimentou como o deixou com a mão voando no ar, sem resposta. Virou pra trás, soltou uma gargalhada e ainda mostrou-lhe o dedo do meio. Sempre quisera fazer aquilo.
Ficou no sol até as duas da tarde, e quando chegou o horário que todos diziam que era bom para se expor ao sol foi pra casa. Onde já se viu achar que mandam nele? Chegou e um amigo o esperava, preocupado. “Tua namorada tentou te chifrar comigo e com toda a torcida do Flamengo, meu irmão. Tens mais com o que se preocupar”.
Adormeceu no sofá, rodeado de pacotes vazios das mais variadas besteiras. Levantou passando mal. O dia acabou e ele tinha cumprido sua missão: não vestiu personagens nas últimas 24 horas. Sem amigos, sem emprego e completamente infeliz. Decidiu que a partir do dia seguinte, seria novamente uma farsa. A máscara pelo menos conseguia suportar um sorriso.
domingo, 26 de outubro de 2008
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3 comentários:
Na boa, jurava que esse era um texto do Félix, no começo. Bom demais. No final, assumiu o lado Melz de ser.
nossa, eu bem que poderia ter escrito isso. a libertação total, ser você mesmo, essa coisa tão almejada... mas ter que o "dia seguinte". ninguém é 100% feliz usando máscaras, mas ninguém consegue ser 100% feliz lidando com as consequências de agir apenas de acordo com sua vontade. será que não temos como ser 100% felizes? acho que não...
muito bom marina, parabéns.
clap clap. gostei. nem sei mto o q dizer pra falar a verdade, e talvez esteja aí o mérito. missão cumprida.
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