segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Makila

Estava de férias. Só podia tirar uma semana de férias por ano, todo o restante dos dias ele passava dentro da mina, suando ao lado de outros homens tão fortes quanto ele. Makila era baixo e atarracado. Seu pescoço era quase tão grosso quanto seu braço, e o corpo parecia entalhado na rocha. Não saberia relembrar a última vez que alguém conseguira derrubar ele em uma briga. Mas agora ele estava de férias.

Largou as ferramentas em casa, foi ao porto e pediu que o levassem para o lugar mais deserto que pudessem encontrar. Como Makila constantemente ajudava os estivadores a carregar e descarregar os barcos, fizeram esse favor de bom grado. O largariam em uma ilha, possível de se ver da praia, mas completamente deserta. O barco só voltaria até a ilha para buscá-lo na semana seguinte.

Nas primeiras horas, Makila já sentia uma felicidade da qual não queria se livrar nunca mais. Não era mais aquele escravo que trabalhava de 10 a 12 horas por dia dentro das minas, procurando por metais que pudessem dar algum dinheiro para seus patrões. Tentou lutar por melhores condições de trabalhos algumas vezes. Mas a soma do baixo nível intelectual de seus colegas de trabalho com o poder de convencimentos de seus chefes manipuladores fazia com que nada acontecesse.

Mas agora ele estava de férias e não queria mais pensar em nada. Tinha apenas um par de roupas e comida para uma semana. Ninguém por perto, apenas aquele mar repleto de vidas escondidas nos recônditos esquecidos da escuridão.

Makila mergulhou entre os seres aquáticos e se sentiu um deles. Passou diversos dias se alimentando de peixes, água de coco e quase esqueceu que havia levado ração suficiente para mantê-lo com saúde por toda a semana. Makila esqueceu das roupas, da cabana que havia construído na mata, das fogueiras e provisões. Makila queria viver sob as águas, junto dos peixes e plantas. Encontrou uma caverna submarina que guardava um pouco de ar, onde ele conseguia respirar e dormir.

O local, úmido e repleto de fungos e algas, logo deixou Makila com falta de ar e dificuldades para mergulhar grandes profundidades. Depois de dias, Makila já não tinha forças para nadar até a ilha. Passou a se alimentar de peixes crus, mas logo não conseguia mais nem pescar. Se alimentava das algas do interior da caverna, e logo os fungos tomaram também o corpo forte, mas já não mais tão resistente do mineiro.

Os dias se passaram e se transformaram em semanas. Ele foi procurado por dias em toda a ilha, mas seu corpo nunca foi encontrado. Sentia sua vida se extinguindo enquanto os fungos, que no início eram apenas uma situação incômoda, agora já se espalhavam pela parte interna de seu pulmão.

Makila chorava sôfrego, por não ter forças para gritar. Logo ele, o mais forte mineiro daquelas terras, tinha sido derrotado por um simples fungo. Justo quando saiu de férias, ele foi vencido por um inimigo minúsculo, contra o qual ele não sabia lutar. E longe da mina, não podia pedir ajuda aos seus patrões, ao sacerdote da vila ou aos outros mineiros. Ali ele estava sozinho. Apenas ele e o mar. Ele e a caverna. Ele e sua dor.

7 comentários:

Félix disse...

nossa! no começo parecia o clássico texto com lição de moral bonitinha, mas o sexto parágrafo foi realmente uma reviravolta. se tem uma lição de moral aí, ela não é muito bonitinha, ao meu ver.

o encaixe das palavras foi perfeito, nenhuma delas soou forçada.

enfim, se escapou bem, gurizão!

ps: "recônditos esquecidos da escuridão" é uma expressão brega e pretensiosa que caberia facilmente em... bem, um dos meus textos! hehehehe

Rodrigo Oliveira disse...

Legal. Curti mais o desenvolver que as frases finais, mas achei bacana. E dá pra ler uma metáfora interessante espiando pela abertura daquela caverna submersa cheia de fungos...

Vivi disse...

Realmente um desafio e tanto à criatividade lidar encaixar palavras pensadas por outro alguém em seu texto. Você saiu muito bem e as coisas pareceram fluir de forma espontânea. Gostei muito!

JLM disse...

Eu lembro qdo o Makila perdeu sua última briga, foi contra o Tike Myson. :P

Marcelo Labes disse...

Muitas referências, eu achei. O mineiro, a praia, a caverna e os fungos. Mas uma ligação interessante entre tudo isso. E, sim, um final arrebatador.

Lori disse...

Nossa eu adorei....você soube como dar um reviravolta emumas ferias hein......fiquei com pena do mineiro ele poderia ter sido encontrado pelo menos depois de um mes né?...srsrs....Parabéns...Elis

Thiago Floriano disse...

Muito bom... realmente as palavras encaixaram bem no texto... só senti um pouco forte a repetição do nome do personagem em muitas frases seguidas. foi proposital?