O celular tocou de manhã. Atendi: “Marco”. “Beth”, ela respondeu, tentando imitar o meu tom sério. Grunhi um “oi, amor”; ela riu um “te acordei?”. Confirmei o horário de chegada do vôo; ela me pegaria no aeroporto. Confirmei que tinha fechado a venda e avisei que depois tinha dado um porre nos chineses para comemorar. Ela me perguntou num ciúme fingido se eu tinha certeza que não tinha nenhuma chinesa. Não tinha. Só chineses velhos bêbados. As meninas eram todas brasileiras. Inclusive a baianinha pendurada no meu pescoço. “Sabe o que fica melhor no pescoço de um executivo do que uma gravata italiana? Uma baiana!” Foi o que eu disse aos chineses. E ele fizeram questão de me empurrar uma das meninas. Claro que não disse nada disso à Beth. Até porque não tinha acontecido nada demais. Era tudo parte do negócio com os chinas, afinal.
Desliguei o telefone, conferi os papéis assinados na mesa perto da cama, abri as cortinas e fui tomar um banho. Foi só quando limpei o espelho embaçado que vi a confusão em que tinha me metido. A filha da puta tinha me deixado com um chupão no pescoço. A Beth iria me matar. Ainda tentei passar água fria para ver se diminuía o roxo, mas não adiantou muito. Lembrei que um amigo tinha me dito, há muito tempo, que passar um pente com álcool resolveria o problema. Vendo a hora do meu vôo chegar e sem uma garrafa de álcool por perto, apelei pro minibar. No nicho de madeira na parede acima do frigobar as várias garrafinhas coloridas estavam perfiladas. Miniaturas perfeitas das garrafas originais. Comecei a selecionar. Campari me deixaria ainda mais vermelho, estava fora de cogitação. Isso me deixou mais inclinado entre a garrafinha de Jack Daniel’s e a de Absolut. Se a idéia era tirar a mancha, que fosse com a incolor. Baiana filha da puta. Eu nunca tinha comprado uma garrafa de Absolut na vida e agora estava esvaziando uma em cima de um pente de plástico com logotipo de hotel. Passei um pouco da bebida ainda sobre a mancha para ajudar e esfreguei o pente até o meu pescoço ficar todo vermelho. Esperei um pouco e repeti a operação. Nada. O chupão continuava lá. E o horário do meu vôo chegando. Teria que resolver o problema no caminho.
Guardei os papéis, peguei minhas malas e desci pro saguão onde já tinha mandado chamar um táxi. As pessoas olhavam o meu pescoço como se vissem uma ilustração do Kama Sutra. E o cheiro de bebida no meu colarinho também não ajudava muito. O funcionário do hotel abriu a porta do táxi e, com um sorriso sacana na cara, disse: “Seu taxi, senhor. Espero que tenha gostado da sua estada”. Filho de uma égua manca. Fez piadinha, se fodeu. Ficou sem gorjeta. O táxi me deixou no aeroporto, sem piadas dessa vez. Devia precisar da gorjeta.
No espelho do banheiro do aeroporto, conferi o roxo da baiana no meu pescoço. O cara que saiu do mictório disfarçou o olhar enquanto lavava as mãos. Mas antes de sair fez questão de ajeitar o colarinho da camisa, só de sacanagem. Mas não é que o puto, acabou me dando uma idéia? Passei numa das lojas do aeroporto e comprei uma camisa de gola alta. Troquei de roupa na loja mesmo e já saí com a gola escondendo mais da metade do meu pescoço e a mancha da baiana.
O vôo foi tranqüilo e, quando desci no aeroporto, Beth estava à minha espera. “Nossa, tudo isso é frio?”, ela estranhou. “Pois é, aquela garoa infernal de São Paulo”. Ela pareceu engolir a história. Fomos para o apartamento dela.
Deixei as malas num canto, ajeitei as coisas, ela perguntou se eu não queria tomar um banho. Disse que deixaria pra mais tarde. Ela não pareceu se importar e se pendurou em meu pescoço, me dando um beijo ao pé da orelha. Disse que tinha um presente de boas vindas, enquanto corria as mãos por baixo da minha camisa. Eu dei uma desculpa esfarrapada, dizendo que não me sentia bem, talvez tivesse febre, ou só um começo de gripe. Talvez fosse melhor mesmo tomar um banho, ela insistiu, e depois me enfiar em baixo das cobertas, sugeria. Ela concordou. “Vai lá que eu vou pegar uma outra roupa pra você”, ela quis ser amável. Insiste que não se preocupasse, que seria melhor eu por a mesma camisa, pra me manter aquecido. Ela disse “Você que sabe” e foi preparar um chá no fogão.
Entrei no chuveiro e liguei a água, deixando que caísse ruidosa sobre a minha cabeça, tentando esquecer do mundo e pensar numa solução. Só ouvia o som da água caindo na cabeça e escorrendo pelos ouvidos, pelo rosto. Só dei por mim quando ouvi o som da porta do box se abrindo e Beth entrando no chuveiro comigo. Nu. Desprotegido. À mostra. Ela se aproximou de mim, beijou o meu rosto, o meu pescoço, como se nada lá tivesse, e desceu devagar. “Sei de uma coisa que vai te fazer melhorar rapidinho”, ela disse.
Quando saí do banho, mal podia me olhar no espelho. Vergonha de mim mesmo. E ela tinha me aceitado de volta. Passei a mão pelo espelho embaçado para ver os meus olhos me recriminando e o meu pescoço sem marcas. Beth passou por trás de mim, enrolada em uma toalha. Me beijou a nuca e disse, “vem logo tomar o chá pra não esfriar”.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
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5 comentários:
Bã, não me convenceu que ela realmente não tenha visto. Ela me pareceu burra na parada. Ou cega.
Pra mim ficou meio óbvio que a mancha tinha sumido logo que ele entra no banho, mas a construção do texto é muito boa, com algumas cenas engraçadas, que não é muito teu feitio. Aliás, cadê a linguagem rebuscada?
"Out, damn'd spot! out, I say!"
Nossa, surpresa total o texto ser seu, Rodrigo. Muito divertido e gostoso de ler. Mas, concordo com a Marina quanto ao final. Meu cérebro feminino não compra essa de que ela não viu nadinha...rs
Bjs
Banho quente tira mancha de chupão? Sempre uma informação boa para se saber. Texto legal, direto, humorado e diferente do usual para o Rodrigo.
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