segunda-feira, 26 de maio de 2008

Sósias

Eu moro com um cara que é minha cara. Ele é igualzinho a mim, e isso é estranho, chega a ser assustador. É claro que temos nossas diferenças, a maioria delas bem visíveis. Mas temos o mesmo cabelo, a mesma barba, o mesmo tipo físico e a mesma forma de andar.

Mesmo assim, cada vez que o vejo de frente, nossas diferenças saltam mais aos meus olhos. O cabelo dele nunca está bem penteado, se revolta facilmente e não pára no lugar. A barba comprida, ao invés de ser um charme, não passa de desleixo. Dá pra ver que ele não faz a barba por preguiça mesmo.

Desde sempre foi assim. Somos quase iguais, mas as pessoas ao lado dele não combinavam tanto com ele quanto as ao meu lado. Ele tinha um ar de inutilidade, de vadiagem mesmo, que sempre mostrou como a gente é diferente um do outro.

Às vezes as pessoas nos confundem um com o outro. Diversas vezes me vi sendo julgado por alguém que olhava pra mim, mas na realidade enxergava ele. É ele que nunca está com a roupa combinando, é ele que tem os olhos cansados, que quase não se abrem. É ele tem o rosto marcado, que perde horas e horas todas as manhãs tentando ficar igual a mim.

E mesmo assim, ele ri da minha cara. Ri do meu desemprego, das minhas falhas. Ri da incerteza de um futuro, da minha pose de sabichão mesmo quando não tenho nada do que me orgulhar. Ele ri até do meu orgulho besta, dos bons trabalhos que eu faço, mas que quando eu olho estes trabalhos ao lado dele, vejo que são tolos e que não me trazem dinheiro algum.

Mesmo eu sendo o cara bonito, bem vestido e cheio de estilo, ele que é feio, desleixado e nerd, ri da minha cara. Ri cada vez que eu olho para ele. Ri cada vez que eu percebo que quem está ali sou eu mesmo. Refletido no espelho embaçado do banheiro, mostrando todos os defeitos que eu tento esconder de mim mesmo.

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