segunda-feira, 6 de julho de 2009

A moça do forró

Eu tava só voltando da bodega lá, moço. Tava quase escuro, de quando é quase dia mas na verdade ainda não tinha amenhecido. Eu só consegui ouvir um grito de uma moça. Era tudo um breu e eu não via nadica de nada. Quando cheguei perto era a moça do forró. A Irene que não me escute, mas a moça tava com uma saia curtinha, seu delegado... Tinha uma pernas, que deixou todo mundo lá da bodega do Tonho de cabelo em pé. E o seu delegado sabe bem como é isso, né? Mulher é um bicho tinhoso.

Daí eu cheguei perto pra acudir a moça e pedi o que tinha acontecido que o joelho dela tava todo cheio de sangue. Ela nem conseguia falar, homi. Só chorava a pobrezinha. Só deu tempo de pegar ela no colo e colocar no carro. Na hora eu nem pensei que eu tava botando as mão nas perna que todo mundo queria encostar, sabe. Nem tirei lasquinha. Fiquei preocupado, mesmo.

No meio do caminho a moça começou a gritar, desesperada. Disse pra parar, que ela queria descer. Eu fui pro acostamento e ela abriu a porta e saiu correndo como deu. Meio manca, a pobrinha. Eu só via a saia balançando contra a luz dos carro na estrada – eu disse que ainda tava amanhecendo, né, seu delegado? Eu fui atrás.

Quando eu consegui pegar ela pelo braço, ela olhou bem pra minha cara e se pendurou no meu pescoço, moço. Mas eu não fiz nada, não. Desaguou. Eu fui tentar acalmar a moça e ela me disse que tinham tentado matar ela – tão formosa e tão desesperada a moça. Aí eu não sabia o que fazer, né, seu delegado?! Essas coisas a gente nunca sabe como agir.

Pedi pra moça sentar no chão e me contar tim-tim-por-tim-tim-tim o que tinha acontecido e ela pegou minha mão e fez eu apalpar a cabeça dela. Um galo, seu delegado, um galo que eu tive certeza que cabra-macho não agüentava. E daí ela disse que tava saindo do forró com o Tonho, o dono da bodega. E eu bem que estranhei que ele tinha saído cedo. E daí chegou o filho do Tonho, o Zé, tirou o pai do braço dela e deu com um pau na cabeça dela.

E a pobrinha, coitadinha, tentou sair correndo mas não conseguiu. Eu disse que devia ser porque o seu Tonho era casado com a mãe do Zé e ele deve ter ficado brabo, mas aí ela caiu no choro mais ainda, não conseguia parar de soluçar. Foi aí que ela tentou dizer que tinha namorado o Zé. Eu não contive o queixo, seu delegado. O Zé é barra-pesada. Até tampei as perna da moça. Não queria confusão sabe, moço.

Aí ela disse que ficou uns par de tempo sem lembrar de nada quando eles vieram de novo com um saco e tentaram botar ela drento ela acordou e berrou. Daí que eu ouvi. Eu só não entendi, seu delegado, porque eles cascaram fora quando me viram chegar. Eu sou forte, sabe, carrego peixe e barco todo dia. Mas os dois são umas montanha. De certo ficaram com medo que eu contasse pra Dona Ivone, que é irmã da Irene.

É isso, seu delegado. É isso que eu sei. Só isso. E eu juro pro Senhor como falo a verdade. O que? Ela disse que fui eu quem deu com uma peixeira na cabeça dela? Vagabunda! Filha da mãe! Não, seu delegado, eu juro que não fui eu. Foi o Tonho. Eu vi o Tonho correndo. Lá no começo eu disse que não, mas eu vi, seu delegado. Foi o Tonho. Foi o Tonho. Eu vi o saco preto, seu delegado.

4 comentários:

Oliveira Jr. disse...

gostei.
o texto tem ritmo como o forró.
embora a situação da personagem não seja nada divertida.
no título já saquei que era o seu texto.
quando não está no rastapé está escrevendo sobre.
heheheheh...

Rodrigo Oliveira disse...

Bom, descobri que esse tema tem algumas interpretações realmente. E até é interessante, isso. Do texto, gostei. A narrativa tá bem escrita, tá gostoso de ler, mas me faltou alguma coisa acontecer, pra enfatizar um clímax, pra ter a cereja em cima do bolo. Mas gostei, realmente.

Fábio Ricardo disse...

gostei bastante! deu um tom de dúvida no leitor... a gente mesmo nao consegue saber qual versão da história é a verídica.

ficou animal.

Félix disse...

O final não fluiu direito, na minha leitura. Até lá, a história era uma. Daí o final sugere que o narrador está contando uma mentira para o delegado. Se ele estava simplesmente mentindo, o resto do texto se perde, já que não sabemos se qualquer coisa dali é verdade. Se a lógica era ele tentando ajustar a sua mentira aos fatos (tipo o joelho arrebentando, que seria quando ele teria corrido atrás dela para agarrá-la), ficam alguns furos (ele colocou ela dentro do carro e daí ela pulou de lá para escapar?). Se a lógica não é nenhuma dessas... então eu não entendi! :D Acabou não fazendo muito sentido para mim...

Uns detalhes quanto ao modo de contar, imitando a fala do caipira. Essa frase vai parecer estranha, mas é bom tentar manter a coerência nos erros. No primeiro parágrafo, por exemplo, ele fala "pernas" e no segundo ele fala "perna". Ia ficar melhor também não usar os itálicos. Não precisa dar destaque para algumas expressões, deica a fala tosca fluir! ;)

Curti a idéia de explorar esse tipo de narrativa, mas acho que dá para melhorar na próxima.