Fábio Ricardo
11/02/08
Trancou o ar por um milésimo de segundo e logo retomou a respiração normal. Olhou disfarçadamente para o rosto do garoto sentado à sua frente, sem saber se ele tinha notado a breve pausa. Poderia colocar tudo a perder se demonstrasse um pingo de nervosismo. Os óculos escuros escondiam os olhos por trás da lente, a face congelada impedia a identificação de qualquer emoção, da forma que ele havia treinado durante toda a vida.
Pegou a pilha de fichas azuis e mexeu-as rapidamente, dando a impressão de que contava a quantia. Mas ele já sabia exatamente quantas fichas estavam na pilha, apenas utilizava o tempo para tentar descobrir o que o garoto tinha nas mãos. O rapaz era jovem, loiro e parecia o típico garoto mimado. Como podia não demonstrar qualquer tipo de sentimento? Ele olhava as cartas tão rápido que mal poderia saber o número presente em cada uma. Agora fitava suas próprias fichas, com um sorriso no rosto.
Estaria ele blefando? As três cartas viradas na mesa davam diversas possibilidades diferentes de jogo. Se virasse mais um Rei, ele teria certeza de seu jogo, mas não sabia o que poderia acontecer se o adversário tivesse um Ás na mão. Pediu mesa.
O garoto bateu o punho fechado na mesa tão rápido que nem parecia estar prestando atenção nas cartas. O dealer virou a nova carta: o valete de paus.
Aquele era o momento, tinha que arriscar. Sorriu maliciosamente e empurrou a pilha de fichas que estava na sua frente. A voz quase não saiu de sua boca quando pronunciou as duas palavras: all in.
O rapaz simplesmente virou suas cartas em cima da mesa. Não respondeu nada, nem sequer tocou em suas fichas. Apenas virou as suas cartas e sorriu.
Ele ficou olhando a mesa sem reação. Tinha feito tudo certo, tinha o maior valor, apostou com firmeza e não sabia como o garoto tinha ido nesta jogada. Virou suas cartas na mesa e viu a dupla de valetes do jovem, combinando com o terceiro valete virado sobre a mesa. Como ele poderia não ter demonstrado nenhuma mudança facial, nem um breve sorriso ou uma respiração um pouco aliviada?
Levantou-se e ficou apoiado na mesa. O apresentador falava sem parar, mas nenhum som chegava aos seus ouvidos. A testa estava molhada, uma gota de suor escorreu por sua têmpora quando o dealer tocou o dedo indicador na carta que seria virada. Fechou os olhos.
Ouviu uma explosão de sons e teve medo de abrir os olhos. Um tapa forte atingiu seu ombro. Abriu os olhos desorientado, encolhendo o pescoço. A platéia explodia em gritos e uma chuva de plástico prateado picado caía dos céus. Assustado, via tudo em câmera lenta.
Um calafrio atravessou sua espinha arrepiando cada pêlo de seu corpo quando viu o Rei de Copas virado sobre a mesa. O rapaz em sua frente pela primeira vez tinha seu rosto tomado pela raiva, com os olhos cheios de lágrimas. Pessoas começavam a saltar sobre o vencedor. Era a maior vitória de todos os tempos. Os matemáticos informavam que ele tinha apenas 8% de chance de vitória. Apenas aquele Rei. Aquele Rei que ficava tão belo ao lado dos dois Reis que trazia na mão. Aquele Rei que acabara de transformar ele próprio em um deles.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
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2 comentários:
bom texto, bem escrito. mas pessoalmente acho que faltou uma virada final. não precisa ser um demônio ou zumbi aparecendo do nada, ou alguém morrendo, claro... :) mas uma supresa ia deixar ele mais interessante!
Continuem com o trabalho. O Blog de vocês é muito interessante.
Abraços,
iBZ
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