Félix B. Rosumek
06/02/07
Ele acordou um pouco antes do despertador tocar. Gostava de não precisar levantar como um soldado sob os berros do aparelho, podendo rolar ainda alguns minutos pela cama. Melhor ainda nos dias em que estava bem acompanhado. Despertou-a calmamente e ambos sorriram quando os olhos se encontraram. Um longo beijo e uma lenta espreguiçada bastou para estar disposto a sair da cama. Ela foi ao banheiro enquanto ele se vestia diante do espelho. Quando ela voltou para o quarto, assobiou e perguntou qual a colega de trabalho ele estava querendo conquistar com todo aquele charme. Ele fingiu uma expressão de segredo e sorriu. Tomaram um rápido café e cada um foi para seu carro, combinando de se ligar nas próximas semanas.
Trânsito, barulho, multidões, loucura. O de sempre no caminho da labuta. As boas lembranças do fim de semana rapidamente ficavam para o passado a cada buzinaço e cantar de pneus. Pior era ter que encarar os malabaristas e suas firulas em cada semáforo. Não seria tão ruim se eles não fossem tão insistentes nos pedidos de dinheiro, assim como os meninos vendedores de chicletes e pedintes. Sem paciência para aquilo numa segunda feira, fechou a janela, preferindo o calor à incomodação. Sorte do carro ao lado, com vidros escurecidos e ar condicionado a toda. Mas deixe estar, no final do mês ele também esperava ser um destes afortunados.
Chegando ao trabalho, o humor suavizou novamente. O trânsito era o pior, agora ao menos a mente ficava ocupada com coisas produtivas. Lá se foram as horas passando como as de qualquer segunda feira. A única novidade foi o diretor anunciando a promoção de um dedicado funcionário. Como todos, ele aplaudiu e sorriu, mas olhou de soslaio. Afinal, aquela vaga poderia ter sido de qualquer um ali. Paciência, outras oportunidades surgiriam. Bastava continuar se empenhando para isso.
Fim do expediente, alguns colegas se reuniram na saída da empresa. Já era tradicional o encontro nas segundas feiras, para tornar menos dolorosa a transição do domingo para a longa jornada de cinco dias úteis. Ele sugeriu se não poderiam trocar a costumeira churrascaria por uma pizzaria rodízio muito boa, com promoção às segundas. Todos concordaram, e ele ficou alguns trocados mais próximo de seu ar condicionado. Colegas e amigos, comeram, riram, tomaram algumas cervejas e saíram estufados. Ele rumou para casa, tomou um banho e foi deitar-se. Tinha sido uma boa segunda feira. Conseguiu dormir rapidamente, pois sentia-se bem. Sentia-se feliz. Afinal, tinha sido mesmo uma ótima conversa com aquela colega do trabalho...
* * *
Contemplando tudo, os demônios entreolharam-se e sorriram.
- Este já é nosso.
Os arcanjos estavam desanimados.
- Sim, Lúcifer, provavelmente - respondeu Miguel.
- Isso vai deixá-lo feliz - comentou Leviatã - Afinal, se encontrará com todos os seus amigos lá.
- Sim, todos. Até sua parceira ocasional. Quanto a deixá-lo feliz...
- Eu apostaria que sim, Rafael! - replicou Mammon.
O líder Gabriel não se conformava.
- Mais um, como pode?! E ele parecia tão promissor!
- Calma, Gabi, não se irrite - disse Satã, sarcástico.
- Onde estarão os puros deste mundo de Deus?!
- Talvez suas virtudes estejam realmente fora de moda... - sugeriu Asmodeus.
- Ou - complementou Belphegor - este mundo não seja mais tanto assim de Deus...
Observaram o sono do mortal por mais alguns instantes. Os demônios trocaram algumas palavras e se retiraram para o portal que se abria.
- Bem, quem sabe - Belzebu virou-se, antes de entrar - eles apenas não gostem de tocar harpa!
Os arcanjos permaneceram em silêncio. Um a um, deram as costas e, lentamente, desvaneceram no ar.
4 comentários:
não entendeu nada? veja http://santuariodosdelirios.blogspot.com/
dois contos num só. acredito que se vc mantivesse a simplicidade da primeira parte, já teria sido uma boa história, demonstrando como os pecados estão inseridos no nosso dia a dia como coisas boas. Acho que a segunda parte sobrou.
concordo plenamente com o fábio... a primeira parte valia por si só... parece que o final se perdeu um pouco...
imaginei que fosse ter essa reação. a intenção desde o começo era fazer um conto fantástico que não parecesse fantástico de cara. gosto de escrever coisas assim: parece que estamos no mundo "real", mas no final se vê que existe muito mais coisa por trás das sombras.
(não que eu acredite nisso, mas fantasia é fantasia!)
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