sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Small Blind, Big Blind.

De rei a bufão, o que somos se não um grande baralho num jogo de azar? Uma pilha de cartas embaralhadas. Unem-se em jogos, pares, trincas, seqüências, até que venha alguém a cortar o maço e reembaralhar as cartas. Da ordem ao caos. Dos agrupamentos lógicos, matemáticos, à aproximação aleatória de dígitos e naipes. Algumas cartas marcadas pelo uso excessivo ou apenas pela decisão despudorada de algum jogador atrás de alguma vantagem ilícita. Outras, na manga, esperam até que ninguém esteja olhando para se porem em jogo, na esperança de que a surpresa, e a intromissão despercebida, angariem algumas fichas a mais. Cartas rasas, chatas e leves, mas, que empilhadas umas sobre as outras, se tornam em uma única grande pilha, mais profunda, mais encorpada, mas igualmente chata. Uma mistura de naipes pretos e vermelhos que, mesmo dentre as mesmas cores, denunciam naipes tão distintos. Os corações ao lado dos diamantes de ouros. As espadas delgadas contra a rusticidade de paus. Armas, ouros e emoções, embaralhados juntos, num mesmo maço, desordenados.

Vez por outra uma luz abre-se às cartas. Alguém que tira o baralho da gaveta e tenta pôr alguma ordem ao maço, reorganizando as cartas em jogos mais ordenados. Primeiro os ases, depois os dois, em seguida os três, até que o jogo esteja feito. E por um breve momento, às vezes pelo intervalo de algumas horas, alguma ordem se encontra entre aquelas lâminas de papel com símbolos e números sem nome e, na maior parte, sem rosto. Àqueles a que é concedido o luxo de ter uma face, têm-nas duas. Uma voltada para cada lado. Se uma está de pé, outra está virada para baixo. Se uma olha para a direita, a outra dá às costas olhando à esquerda. E assim, no final, o baralho torna a ser embaralhado e os números, agora desgarrados uns dos outros, tornam à escuridão da gaveta, desordenados, cegos e embaralhados.

Neste mundo de papel plastificado, em que se ganham e se perdem fichas à custa de números e apostas, vence a maior pilha de fichas, o jogador mais agressivo, como se a pilha colorida fosse um arranha-céus, a torre de marfim multicor donde, do alto, governa-se a mesa. A torre, por mais colorida que seja a quem a vê de cima, mostrasse apenas uma sombra negra para aqueles que estão sob o seu vulto. E quanto mais alta a torre, mais longe a sombra alcança. Do alto, o colorido da toalha mostra todos os naipes sobre o campo verde. Para quem está sob a sombra da pilha de fichas, todos os naipes são negros e todos os números indistintos.

Ao redor da torre, todas as cartas prestam reverência. Reis, damas, setes, dois, cartas de todos os naipes. Cartas de um baralho em que poucos têm a figura identificada. Uns poucos reis com um punhado de damas, uns pares de valetes em vestes suntuosas. Os demais são apenas números. Números em um pedaço de papel. Todos embaralhados. A nós, resta sermos coringas: fazendo por vezes papéis de reis, de damas, de dois ou de ases. Ora de copas, ora de espadas. Mas a figura estampada na carta será sempre a do bufão.

2 comentários:

Tonet disse...

http://www.duetodeescritores.blogspot.com/

Fábio Ricardo disse...

Um texto tão sem rosto como as cartas embaralhadas, onde o jgador é quem deve se perguntar se vai ou não tirar a sorte grande.