terça-feira, 6 de maio de 2008

A tempestade

O céu derramava suas lágrimas copiosamente durante toda a noite. A enxurrada lavava o mundo dos homens, entupindo seus esgotos artificiais e soterrando alguns infelizes numa silenciosa tumba de lama. Nuvens rugiam do lado de fora da janela, com a fúria digna dos ancestrais deuses das tempestades. Zeus, Baal, Thor e Asmodeu faziam da Terra o alvo de sua ira, cada relâmpago chacoalhando a alma de todos os mortais com a certeza de sua insignificância.

No quarto escuro, eu era um destes. Empilhado sobre oito andares de indiferença e mediocridade. Um ponto diminuto em meio à vastidão do universo, mas esmagado por uma angústia opressora capaz de fazer até os demônios se apiedarem. Ao menos assim me parecia. Um pálido espectro de racionalidade ainda sussurrava que tal tormenta não passava de um evento ridículo no espaço e no tempo. Tão importante para quem sente, tão indiferente para o restante. Relatividade, nada mais. Um cataclismo para um, um erguer de sobrancelhas, quando muito, para outro.

A solidão e o silêncio, afora o brado dos trovões, são um convite à perdição. Sem ter com quem falar, sem ter a quem abraçar, a mente volta-se para si mesma. Traz à tona lembranças que eram para estar enterradas. Remexe em pensamentos que não deveriam ser provocados. Aventura-se perigosamente à beira do precipício, no qual a sanidade não passa de uma fina corda bamba onde o acrobata ébrio da consciência pende sobre o abismo da loucura.

"Por que maldições estás aqui, pobre diabo???". Esta era a questão com o qual minha mente me confrontava. Por que, eu pensava e pensava, por quê? Longe da minha terra, enclausurado em uma megalópole de concreto, horrenda e impiedosa para com seus incautos habitantes. Longe dos terrenos familiares e paisagens paradisíacas, cuja memória agora me parecia apenas um sonho, perfeito, fugaz e inatingível. E, acima de tudo, as pessoas... Deuses, onde estavam aqueles que me amavam? Onde estavam aqueles que sorriam e me faziam sorrir? Onde estavam aqueles que, num momento desses, poderiam me envolver com os braços e deixar fluir meu pranto engasgado? E depois tomar minha mão e me apoiar, enquanto eu conseguia me reerguer? O que fazia eu longe de tudo, rumando para um futuro que me parecia tão cinzento, insípido, sem sentido? Afogado em ilusões de grandeza, realizações memoráveis e abstrações universais, quando tudo o que eu mais queria era a mais simples das coisas. Calor. Segurança. Carinho. Amor.

No canto do quarto, o computador emitiu um som, quase ocultado pela explosão de um raio próximo. Morosamente, como um zumbi, estendi a mão para o teclado. A tela negra se iluminou, e juntamente o aviso de uma mensagem recebida.

"Oi. Hoje pensei em ti. Só queria que soubesses. Te amo."

Curta.

Brega.

Singela.

Mas suficiente.

Foi como se a tempestade subitamente silenciasse e o céu se abrisse, deixando o radiante sol derreter a capa de gelo estendida sobre a terra. Um tímido fogo se acendeu no interior da minha alma congelada, e uma leve turbidez invadiu minha visão. Mas não era de tristeza. Não desta vez. Minha mente se clareava, e larguei o frasco sobre a mesa. Sim, eu tinha um objetivo maior. O presente era apenas um passo a ser dado numa longa estrada onde, no final, estaria minha felicidade. E eu iria ao encontro dela. E, principalmente, dela. Com lágrimas nos olhos e uma deusa em meu coração, pude abrir a janela para enfrentar a tempestade. E sorrir.

2 comentários:

Fábio Ricardo disse...

Muito bom, cara. Coisas como "Empilhado sobre oito andares de indiferença e mediocridade" ou então "E eu iria ao encontro dela. E, principalmente, dela" elevam o conceito de qualquer escrito.

Rodrigo Oliveira disse...

duca. mesmo. só senti um pouco de falta do quarto. ele ficou meio em segundo plano...