Escrevo estas palavras em um dos raros momentos de vigília que ainda permeiam minha vida. Sinto o torpor possuir meus membros, enrijecendo até os menores músculos, tornando um desafio prodigioso mesmo o simples ato de deslizar a caneta sobre o papel. As pálpebras lutam a cada segundo para serem fechadas, mas eu devo resistir, pois sei que o fim está próximo. Devo buscar toda força que ainda possuo, advinda da vontade de ficar vivo e do horror do meu conhecido destino, para avisar a humanidade do que a espreita em cada noite de repouso. Pois aqueles que dormem tranqüilamente em suas camas, imaginando-se seguros no interior de cobertas, paredes e muros, não têm a consciência dos abismos morféticos de horror imaterial e incognoscível no qual estão mergulhados.
Sempre busquei nas visões oníricas da noite a satisfação para as desilusões contínuas da vida mundana, que já não ouso mais chamar simplesmente de real. Os mundos mágicos e inacreditáveis por onde vagava no sono mascaravam minha incompetência nos assuntos da vida, como estudo, trabalho e relações humanas. Porém, como ocorre em todas as pessoas, minhas madrugadas foram ficando mais estéreis de sonhos etéreos conforme os anos passavam. Mesmo me esforçando para retornar aos universos fantásticos de outrora, as noites eram vazias e obscuras, sempre terminando em um decepcionante despertar para o mundo frio, tedioso e insípido da realidade.
De alguns anos para cá, essa aridez se tornou mais pronunciada do que nunca. Apenas alguns pensamentos fugazes e repentinos relampejavam em minha mente durante o sono. Comparado aos devaneios da tenra infância, não passavam de pobres impressões, tão distantes das aventuras oníricas de antes como o homem o está da compreensão total do universo. Ao mesmo tempo, e de modo assustadoramente rápido, eu me tornava progressivamente mais sonolento e caía dormindo sem aviso, às vezes mais de uma vez por dia, não importando qual atividade realizava no momento.
Os médicos diziam que eu sofria da rara doença da narcolepsia, na qual a vítima cochila em qualquer hora e incontrolavelmente. Diziam também ser comum a vítima sonhar durante esses cochilos, coisa que nunca me aconteceu. A ausência de sonhos e o aspecto progressivo da moléstia atraíram certa atenção de especialistas, vendo ali uma variante incomum e a chance de acrescentar mais um artigo científico aos seus currículos. Porém, desde aqueles tempos não me convenci com a inocência dos médicos diante da complexidade incompreendida do multiverso. Mesmo desconfiado de que as origens do meu mal estavam além do seu determinismo especulativo, tomei toda sorte de estimulantes e anfetaminas que me receitavam para manter-me desperto. Rapidamente estes se tornaram um vício, por fui dominado por um desconforto mórbido em relação ao repouso. Todo o momento em que dormia por longos períodos, meu último pensamento era o de que talvez minha consciência não voltasse a emergir daquele reino de escuridão e vácuo.
O que a princípio não passava de uma pequena intranqüilidade se tornou um horror incontrolável. Os poucos a quem ousei confessar meus medos me disseram que era só minha mente imaginativa que criava tais fantasias, que meu problema era pouco conhecido, mas possível de ser tratado. Realmente, se minha imaginação fosse fraca e comum, como a de quase toda humanidade, talvez eu tivesse me deixado ir há muito, em relativa paz.
Mas eu sou um daqueles seres com raros dons perceptivos, capazes de romper o véu da mediocridade e enxergar por trás do espesso manto de ignorância que resguarda o homem da loucura total. E por esse dom eu paguei caro. O tormento constante acabou por minar aos poucos minha sanidade, me levando a certas conclusões que hoje tremo só de lembrar. Eu começava a raciocinar que, se durante a inconsciência o mundo era um éter congelado de negrume morto, e nenhuma preocupação ou sentimento de perda me atacava, o sono era a melhor fuga para a dor. Bastava vencer o pavor fóbico da imersão no ignoto. Meu próprio problema era a solução!
A mente alquebrada me fez largar os remédios, junto com qualquer círculo social ou familiar ao qual ainda me ligava, e passei a viver isolado de tudo e de todos numa cabana distante da civilização. Lá ninguém tentaria me convencer a voltar ao tratamento ou continuar lutando.
Agora que tenho maior compreensão dos fatos, as implicações daquelas ações se tornaram mais grotescas e terríveis do que a simples degeneração cerebral. Ah, como eu adoraria ainda crer apenas na insanidade! Mas a sonolência está novamente me atacando, não posso me dar ao luxo de divagar muito.
Em uma manhã qualquer, após passar doze horas desde o anoitecer anterior dormindo, senti uma nova onda de embriaguez imediatamente após abrir os olhos. Jamais antes o sono viera tão cedo após a noite, sendo mais forte do que nunca. Não resisti muito àquela altura, me entregando novamente ao abraço de Hipnos. Subitamente, em meio às trevas, me senti novamente vivo, como se os sonhos estivessem voltando. Mas era apenas eu em um vazio infinito e apagado. Algo, que não ouso nem tentar chamar de alguém, parecia próximo a mim, me vigiando, me cercando, observando camuflado o humano solitário. Eu me sentia em um estado de consciência diferenciado, como se pudesse romper o vácuo, como se o nada fosse alguma coisa, e com a ação certa eu conseguisse ver através dele. Comecei a captar algumas impressões vindas do infinito, e apurei sentidos recém-descobertos para captá-las. Subitamente, aquilo me tocou. O tecido da escuridão ondulou, dobrou-se e se rasgou, abrindo-se para uma torrente de informações jorrar em minha mente completamente aberta, me mostrando o quão inocentes foram até as minhas piores suspeitas e medos.
Pois fiquei sabendo que o mundo material e único que os homens normais conhecem é apenas um dentre tantos interpostos no multiverso. Essa plenitude à qual eu chamo multiverso possui tantas dimensões quanto o número de seus planos, simplesmente o infinito. Os planos se cruzam com outros, que se cruzam com outros, formando uma cadeia de interconexões, portais e sobreposições, incompreensível até para mentes muito superiores à humana. Cada universo possui sua cota de entidades, suas formas de vida, embora nenhum conceito humano de vida possua a amplitude necessária para abarcar a incomensurável diversidade de aberrações a rastejar em uma miríade de paisagens bizarras.
Uma das ligações nossas com um outro plano ocorre nos momentos em que perdemos a consciência, mais comumente durante o sono. Cada forma de vida de nosso plano é ligada a uma entidade deste outro, que curiosamente só adquire consciência quando a nossa se vai. A tendência a nos mantermos despertos é uma luta inconsciente contra essas entidades, que lutam para tomar nossas consciências para sempre e assim alcançar a sua vigília plena. Os mais fracos costumam se render em uma única e súbita vez, caindo naquele estado que relacionamos a diversas causas e chamamos de morte. Outros resistem até o último segundo, permanecendo em coma por meses ou anos, antes de se irem. Ou, em raros casos, voltarem triunfantes da batalha, sem nada lembrarem e conseguindo apenas mais um breve período de paz. Os mais fortes, ou mais sensíveis a essas verdades, lutam alternando períodos de consciência com inconsciência, assim como eu. Cada vez é necessário um estupendo esforço de vontade para voltar.
E eu vi e senti mais: os sonhos, os adoráveis sonhos, são uma defesa que nossas mentes tem contra esse ataque, nos isolando em semiplanos frágeis e fugazes de nossa própria criação, de modo que as malignas entidades não usufruam sua vida parasita. Mas às vezes elas conseguem encontrar e penetrar nos refúgios, e destroem nosso mundo onírico ou o pervertem em forma de pesadelos. Progressivamente, esse mundo vai sendo dilacerado, e a mente sonhadora da criança vai se transformando na aridez estática do adulto, sem que ninguém perceba que aquilo nada mais é do que o início da morte.
Porém, a mais terrível das certezas foi a de que, enquanto nós nada sabemos sobre a verdade, seguindo nosso caminho de modo desapercebido e estúpido, as entidades (jamais ousarei chamá-las de seres ou criaturas) possuem o conhecimento completo, sabendo que por trás de toda a placidez da ignorância jaz uma guerra entre universos. O que gera em minha entorpecida consciência toda sorte de perturbadoras implicações. Teriam essas assombrosas entidades a capacidade de interagir diretamente com o nosso plano? Seriam elas as causadoras de toda essa assustadora onda de racionalidade que assola nosso mundo, sepultando os sonhos nos mais profundos recônditos da mente, em detrimento de uma vida voltada aos pífios prazeres materiais? E as outras formas de vida que povoam nosso limitado universo, como reagiriam a isto? Ou elas já têm essa sabedoria e lutam contra a ameaça? Seriam essas entidades as causadoras diretas de todo tipo de morte que assola as criaturas deste plano?
Diante dessa aterradora questão, senti uma repulsa imediata da coisa que se aproximava. Foi com uma incrível força de vontade que tentei me desenvencilhar daquela monstruosa terra de visões e verdades. Senti as garras viscosas do esquecimento me agarrando e me arrastando em direção ao oblívio, tentando iludir minha mente com a falsa promessa de tranqüilidade que o fim apresenta. Cada fibra do corpo relaxava e se entregava, enquanto apenas um fiapo de consciência resistia, como o último soldado espartano de pé ante as Termópilas. Era uma luta quase física entre minha consciência e a vil entidade que tentava, por todos os deuses, o termo é exatamente este: me matar! A guerra ocorreu durante milênios, eras completas, tempo que já foram e ainda serão, em lugares e planos infinitamente distantes e outros assustadoramente familiares. Por fim, senti os tentáculos se soltarem relutantemente, como se dissessem: "na próxima, você será meu!".
Abri os olhos, enxergando o teto úmido e bolorento da isolada cabana em que passei os últimos meses. Sabia que deveria registrar imediatamente tudo o que havia sentido, pois, como nos sonhos, as lembranças começavam logo a se apagar. O esforço sobre-humano para me livrar do abraço ímpio da entidade quase me exauriu, tornando-me mais vulnerável ainda a um novo torpor. Com cada membro pesando toneladas, tombei da cama, rastejando de modo dolorosamente lento ao criado-mudo, onde um frasco quase esquecido de estimulantes repousava. Ingeri os comprimidos em uma virada só, sentindo as drogas penetrarem na corrente sanguínea e estimularem os músculos e nervos entorpecidos. Conseguindo apenas me mover com dificuldade, quando qualquer humano normal teria convulsionado por overdose, comecei a redigir este relato, determinado a avisar a humanidade do terror que a assola. Meu maior medo, porém, é o de que estas palavras sejam consideradas apenas delírios de um louco e caiam no esquecimento, o que quase certamente ocorrerá. As pessoas sempre preferem continuar chafurdando em uma ilusão que lhes traga uma paz momentânea do que enfrentar os demônios de uma existência difícil, com apenas uma vaga esperança de triunfar.
Já não posso resistir muito. Mesmo tendo tomado todas os estimulantes que ainda guardava, sinto a dormência se espalhando pelos membros, embotando meu raciocínio, borrando minha visão... A próxima vez em que fechar os olhos, certamente será a última. Cada piscadela é uma guerra inteira travada entre planos do multiverso, meu corpo em frangalhos já não agüenta mais. Cada partícula do meu ser deseja desistir e se render a esse destino nefasto, buscando o lúgubre descanso final. Mas minha mente ainda luta! Eu ainda tenho força! Mostrarei a essa entidade maldita o que a força de vontade de um homem é capaz! Resistirei até o último instan
Sempre busquei nas visões oníricas da noite a satisfação para as desilusões contínuas da vida mundana, que já não ouso mais chamar simplesmente de real. Os mundos mágicos e inacreditáveis por onde vagava no sono mascaravam minha incompetência nos assuntos da vida, como estudo, trabalho e relações humanas. Porém, como ocorre em todas as pessoas, minhas madrugadas foram ficando mais estéreis de sonhos etéreos conforme os anos passavam. Mesmo me esforçando para retornar aos universos fantásticos de outrora, as noites eram vazias e obscuras, sempre terminando em um decepcionante despertar para o mundo frio, tedioso e insípido da realidade.
De alguns anos para cá, essa aridez se tornou mais pronunciada do que nunca. Apenas alguns pensamentos fugazes e repentinos relampejavam em minha mente durante o sono. Comparado aos devaneios da tenra infância, não passavam de pobres impressões, tão distantes das aventuras oníricas de antes como o homem o está da compreensão total do universo. Ao mesmo tempo, e de modo assustadoramente rápido, eu me tornava progressivamente mais sonolento e caía dormindo sem aviso, às vezes mais de uma vez por dia, não importando qual atividade realizava no momento.
Os médicos diziam que eu sofria da rara doença da narcolepsia, na qual a vítima cochila em qualquer hora e incontrolavelmente. Diziam também ser comum a vítima sonhar durante esses cochilos, coisa que nunca me aconteceu. A ausência de sonhos e o aspecto progressivo da moléstia atraíram certa atenção de especialistas, vendo ali uma variante incomum e a chance de acrescentar mais um artigo científico aos seus currículos. Porém, desde aqueles tempos não me convenci com a inocência dos médicos diante da complexidade incompreendida do multiverso. Mesmo desconfiado de que as origens do meu mal estavam além do seu determinismo especulativo, tomei toda sorte de estimulantes e anfetaminas que me receitavam para manter-me desperto. Rapidamente estes se tornaram um vício, por fui dominado por um desconforto mórbido em relação ao repouso. Todo o momento em que dormia por longos períodos, meu último pensamento era o de que talvez minha consciência não voltasse a emergir daquele reino de escuridão e vácuo.
O que a princípio não passava de uma pequena intranqüilidade se tornou um horror incontrolável. Os poucos a quem ousei confessar meus medos me disseram que era só minha mente imaginativa que criava tais fantasias, que meu problema era pouco conhecido, mas possível de ser tratado. Realmente, se minha imaginação fosse fraca e comum, como a de quase toda humanidade, talvez eu tivesse me deixado ir há muito, em relativa paz.
Mas eu sou um daqueles seres com raros dons perceptivos, capazes de romper o véu da mediocridade e enxergar por trás do espesso manto de ignorância que resguarda o homem da loucura total. E por esse dom eu paguei caro. O tormento constante acabou por minar aos poucos minha sanidade, me levando a certas conclusões que hoje tremo só de lembrar. Eu começava a raciocinar que, se durante a inconsciência o mundo era um éter congelado de negrume morto, e nenhuma preocupação ou sentimento de perda me atacava, o sono era a melhor fuga para a dor. Bastava vencer o pavor fóbico da imersão no ignoto. Meu próprio problema era a solução!
A mente alquebrada me fez largar os remédios, junto com qualquer círculo social ou familiar ao qual ainda me ligava, e passei a viver isolado de tudo e de todos numa cabana distante da civilização. Lá ninguém tentaria me convencer a voltar ao tratamento ou continuar lutando.
Agora que tenho maior compreensão dos fatos, as implicações daquelas ações se tornaram mais grotescas e terríveis do que a simples degeneração cerebral. Ah, como eu adoraria ainda crer apenas na insanidade! Mas a sonolência está novamente me atacando, não posso me dar ao luxo de divagar muito.
Em uma manhã qualquer, após passar doze horas desde o anoitecer anterior dormindo, senti uma nova onda de embriaguez imediatamente após abrir os olhos. Jamais antes o sono viera tão cedo após a noite, sendo mais forte do que nunca. Não resisti muito àquela altura, me entregando novamente ao abraço de Hipnos. Subitamente, em meio às trevas, me senti novamente vivo, como se os sonhos estivessem voltando. Mas era apenas eu em um vazio infinito e apagado. Algo, que não ouso nem tentar chamar de alguém, parecia próximo a mim, me vigiando, me cercando, observando camuflado o humano solitário. Eu me sentia em um estado de consciência diferenciado, como se pudesse romper o vácuo, como se o nada fosse alguma coisa, e com a ação certa eu conseguisse ver através dele. Comecei a captar algumas impressões vindas do infinito, e apurei sentidos recém-descobertos para captá-las. Subitamente, aquilo me tocou. O tecido da escuridão ondulou, dobrou-se e se rasgou, abrindo-se para uma torrente de informações jorrar em minha mente completamente aberta, me mostrando o quão inocentes foram até as minhas piores suspeitas e medos.
Pois fiquei sabendo que o mundo material e único que os homens normais conhecem é apenas um dentre tantos interpostos no multiverso. Essa plenitude à qual eu chamo multiverso possui tantas dimensões quanto o número de seus planos, simplesmente o infinito. Os planos se cruzam com outros, que se cruzam com outros, formando uma cadeia de interconexões, portais e sobreposições, incompreensível até para mentes muito superiores à humana. Cada universo possui sua cota de entidades, suas formas de vida, embora nenhum conceito humano de vida possua a amplitude necessária para abarcar a incomensurável diversidade de aberrações a rastejar em uma miríade de paisagens bizarras.
Uma das ligações nossas com um outro plano ocorre nos momentos em que perdemos a consciência, mais comumente durante o sono. Cada forma de vida de nosso plano é ligada a uma entidade deste outro, que curiosamente só adquire consciência quando a nossa se vai. A tendência a nos mantermos despertos é uma luta inconsciente contra essas entidades, que lutam para tomar nossas consciências para sempre e assim alcançar a sua vigília plena. Os mais fracos costumam se render em uma única e súbita vez, caindo naquele estado que relacionamos a diversas causas e chamamos de morte. Outros resistem até o último segundo, permanecendo em coma por meses ou anos, antes de se irem. Ou, em raros casos, voltarem triunfantes da batalha, sem nada lembrarem e conseguindo apenas mais um breve período de paz. Os mais fortes, ou mais sensíveis a essas verdades, lutam alternando períodos de consciência com inconsciência, assim como eu. Cada vez é necessário um estupendo esforço de vontade para voltar.
E eu vi e senti mais: os sonhos, os adoráveis sonhos, são uma defesa que nossas mentes tem contra esse ataque, nos isolando em semiplanos frágeis e fugazes de nossa própria criação, de modo que as malignas entidades não usufruam sua vida parasita. Mas às vezes elas conseguem encontrar e penetrar nos refúgios, e destroem nosso mundo onírico ou o pervertem em forma de pesadelos. Progressivamente, esse mundo vai sendo dilacerado, e a mente sonhadora da criança vai se transformando na aridez estática do adulto, sem que ninguém perceba que aquilo nada mais é do que o início da morte.
Porém, a mais terrível das certezas foi a de que, enquanto nós nada sabemos sobre a verdade, seguindo nosso caminho de modo desapercebido e estúpido, as entidades (jamais ousarei chamá-las de seres ou criaturas) possuem o conhecimento completo, sabendo que por trás de toda a placidez da ignorância jaz uma guerra entre universos. O que gera em minha entorpecida consciência toda sorte de perturbadoras implicações. Teriam essas assombrosas entidades a capacidade de interagir diretamente com o nosso plano? Seriam elas as causadoras de toda essa assustadora onda de racionalidade que assola nosso mundo, sepultando os sonhos nos mais profundos recônditos da mente, em detrimento de uma vida voltada aos pífios prazeres materiais? E as outras formas de vida que povoam nosso limitado universo, como reagiriam a isto? Ou elas já têm essa sabedoria e lutam contra a ameaça? Seriam essas entidades as causadoras diretas de todo tipo de morte que assola as criaturas deste plano?
Diante dessa aterradora questão, senti uma repulsa imediata da coisa que se aproximava. Foi com uma incrível força de vontade que tentei me desenvencilhar daquela monstruosa terra de visões e verdades. Senti as garras viscosas do esquecimento me agarrando e me arrastando em direção ao oblívio, tentando iludir minha mente com a falsa promessa de tranqüilidade que o fim apresenta. Cada fibra do corpo relaxava e se entregava, enquanto apenas um fiapo de consciência resistia, como o último soldado espartano de pé ante as Termópilas. Era uma luta quase física entre minha consciência e a vil entidade que tentava, por todos os deuses, o termo é exatamente este: me matar! A guerra ocorreu durante milênios, eras completas, tempo que já foram e ainda serão, em lugares e planos infinitamente distantes e outros assustadoramente familiares. Por fim, senti os tentáculos se soltarem relutantemente, como se dissessem: "na próxima, você será meu!".
Abri os olhos, enxergando o teto úmido e bolorento da isolada cabana em que passei os últimos meses. Sabia que deveria registrar imediatamente tudo o que havia sentido, pois, como nos sonhos, as lembranças começavam logo a se apagar. O esforço sobre-humano para me livrar do abraço ímpio da entidade quase me exauriu, tornando-me mais vulnerável ainda a um novo torpor. Com cada membro pesando toneladas, tombei da cama, rastejando de modo dolorosamente lento ao criado-mudo, onde um frasco quase esquecido de estimulantes repousava. Ingeri os comprimidos em uma virada só, sentindo as drogas penetrarem na corrente sanguínea e estimularem os músculos e nervos entorpecidos. Conseguindo apenas me mover com dificuldade, quando qualquer humano normal teria convulsionado por overdose, comecei a redigir este relato, determinado a avisar a humanidade do terror que a assola. Meu maior medo, porém, é o de que estas palavras sejam consideradas apenas delírios de um louco e caiam no esquecimento, o que quase certamente ocorrerá. As pessoas sempre preferem continuar chafurdando em uma ilusão que lhes traga uma paz momentânea do que enfrentar os demônios de uma existência difícil, com apenas uma vaga esperança de triunfar.
Já não posso resistir muito. Mesmo tendo tomado todas os estimulantes que ainda guardava, sinto a dormência se espalhando pelos membros, embotando meu raciocínio, borrando minha visão... A próxima vez em que fechar os olhos, certamente será a última. Cada piscadela é uma guerra inteira travada entre planos do multiverso, meu corpo em frangalhos já não agüenta mais. Cada partícula do meu ser deseja desistir e se render a esse destino nefasto, buscando o lúgubre descanso final. Mas minha mente ainda luta! Eu ainda tenho força! Mostrarei a essa entidade maldita o que a força de vontade de um homem é capaz! Resistirei até o último instan
5 comentários:
HPL voltando à toda! Curti. A ideia do estado de vigília-torpor intercalado entre planos, de forma espelhada, já valeu o texto. A passagem do tratamento ao isolamento, daí da negação à aceitação e, desta, pra uma última esperança vaga - e humana - e inútil ficou bacana. Mas a idéia central mesmo é que pra mim foi a grande sacada do texto.
gostei do texto tb, embora - e pra variar, hj estou achando tudo mto parecido com outros livros, dãr - já tenha visto algo semelhante em insônia do stephen king e no filme sonhando acordado (the good night).
cara, q livros são esses q vc anda tomando antes de dormir? vc conta monstros pulando embaixo da cama qdo tá com insônia?
kkk, ótimo texto, bem bolado e com um final sensacion
Opa, bom te ver por aqui de novo, JLM! Quanto às obras que tu citou, não li nenhuma delas ainda, mas há tanta coisa produzida hoje em dia que sempre dá para relacionar uma coisa à outra.
A idéia do texto surgiu de uma citação rápida sobre narcolepsia em uma revista. Foi só adicionar uma "explicação" fantasiosa e aí está o texto.
E o estilo lovecraftiano eu imito sem dó mesmo, é cópia intencional! Hehehehe
Uau!!!
tae um escritor q preciso ler então. espero q perdoe este meu pecado.
Postar um comentário