A música era famosa no timbre de Sinatra, mas a voz inconfundível de Elvis se difundia pelo recinto. Ela, que sempre gostara daquela canção, ficava nítidamente abalada com a sonoridade da mais marcante das frases. “I did it myyyyy wayyyy”. “Antes de Elvis não havia nada”, disse certa vez um famoso compositor. Rei do rock pra cá. Rei do rock pra lá. Ela não suportava a dor de ouvir tamanha sandice por todos os cantos. Sequer lembravam do nome de uma única música daquele homem para o qual ela dedicou todos os anos de sua vida.
O bar estava praticamente cheio, mas ainda havia espaço para algumas pessoas em mesas distantes do palco. Não teve escolha, sentou-se em uma delas e pediu uma dose de gim. Não precisou nem esperar que a música acabasse para ouvir de todos os cantos. Rei do Rock. Elvis. Rock. Elvis. Rock. Todos só tinham ouvidos para ele. Nem mesmo o fato de ele estar cantando uma música de Frank Sinatra era suficiente para que toda aquela plateia deixasse de se deliciar com a voz e o estilo do topetudo Elvis.
Ela ouvia tudo, quieta. Não esboçava sequer um traço de desgosto no olhar, enquanto o garçom trazia sua bebida. A música ambiente foi diminuindo de volume até que um garoto moreno subiu no palco. Com os cabelos lambidos e roupa toda branca, anunciou a banda que se apresentaria com ele nos vocais.
- Hoje, vamos fazer um tributo ao Rei do Rock... Elvis Presley!!!!!! Vamos tocar algumas músicas de outros artistas, mas a noite é do Rei!
O público aplaudia efusivamente. Ela cerrava os olhos e pensava: Impossível! A banda começava as primeiras notas de Love me tender e o gim no pequeno copo sobre a mesa 57 já tinha sido completamente sorvido pela mulher que o pedira, minutos atrás.
- Amigo! Por favor, traga mais uma dose. E por que não pede para que toque algo de bom nessa geringonça?
O jovem garçom olhou assustado, mas atendeu prontamente o pedido da bebida. Imaginou que a mulher não gostasse de rock e não sabia o que oferecer a ela. O cardápio musical da noite era só rock.
- Aqui está seu gim, senhora. Hoje a noite é somente com rock. Peço mil desculpas se a senhora não aprecia, mas não podemos pedir para a banda tocar outro estilo musical hoje. Lamento muito.
Em algum momento pedi para mudar o estilo? Só quero que toquem música boa!
O rapaz não entendia mais nada. Como pode alguém querer bom rock e pedir para pararem de tocar Elvis? Aquele pedido era como uma heresia e ele esperava que não fosse repetido. Por sorte, não foi. Mas a vontade da cliente não havia sido atendida e, em poucos minutos, ela estava subindo no palco. Ao som de A little less convesation a banda tentou contê-la, mas não adiantou muito. Ela pegou o microfone e ordenou que parassem.
- Parem com essa porcaria!
Os olhos de todos a fitavam incrédulos.
- Vocês dizem que vão fazer um tributo ao Rei do Rock e tocam isso?
Alguns fãs de Elvis abriram um sorriso, imaginando que ela pediria músicas mais desconhecidas do ídolo.
- Desde quando Elvis é o Rei do Rock? Cadê meu Ch...
Nesse momento, as vaias já começavam a ser ouvidas fora do bar. Antes que ela terminasse sua fala, os seguranças do local a retiraram à força do palco, levando-a para sua mesa. A banda continuou seu Be-bop-a-Lulla e a paz voltou a reinar.
terça-feira, 26 de maio de 2009
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4 comentários:
fugiu do quadrado. bom isso.
Adorei! Super criativo, afinal: amor não se resume apenas a casos conturbados e mimicocó entre casais! Parabéns!
uma forma de amor, nao deixa d eser.
Pegou uma vertente legal. Afinal, o tema não se referia apenas ao amor romântico.
E é claro que o rei do rock é o Lemmy! :D
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