Joselito estava no auge dos seus 33 anos quando recebeu um telefonema de seu irmão caçula, há muito esquecido. Pedro Paulo não era lá muito parecido com Joselito no quesito personalidade, mas o biótipo da família era inegável em ambos. Pedro. Não se falavam desde uma vez que Pedrinho ligou desesperado por ter tomado um fora de um travesti ninfomaníaco. Percebia-se por aí que as semelhanças entre Joselito e seu irmão paravam na parte física mesmo. O mais velho sempre foi o tipo mulherengo incorrigível desde a pré-adolescência. Forte e com 1,85m já aos quatorze anos, era o cara mais popular da escola, do bairro, e, não fosse pelo Rivanildo, até da cidade. Pedro já era mais gordinho e isso sempre foi um fator preponderante na sua timidez. Aliado ao fato de viver sempre às sombras da popularidade do irmão, os traços da personalidade do caçula foram marcados pelo seu insucesso sexual desde os primeiros anos da adolescência.
Mas o que importa é que Pedrinho resolveu ligar mais uma vez para seu irmão mais velho. Só não sabia muito bem o motivo da ligação e deixou que o instinto fraternal guiasse a conversa.
- Lito. To indo passar uns dias aí na tua terra porque a empresa resolveu fazer uns cursos pro pessoal do telemarketing. Eles vão pagar o hotel, mas a gente podia passar num bar pra botar o papo em dia, né?
Aquilo soava um tanto quanto estranho para Joselito.
- Tu não bebe, não fuma e não fode. Mal e mal joga sinuca. O que vais fazer num BAR? Pelo menos dominó já aprendesse a jogar?
- Não, mas queria conversar contigo. Acho que preciso de umas dicas de como ir atrás das mulheres.
- Pô. Por que demorou tanto pra falar? Veio atrás do cara certo. Sabes que sempre fui o preferido da mulherada.
- Sim, eu sei. Não precisa me lembrar disso que eu não me canso de lembrar das tuas peripécias juvenis.
- Ta bom. Chegas quando?
- Já to aqui no Bar Celona. Falando do orelhão, e minhas fichas vão acabar.
Não deu outra. O telefone ficou mudo de repente. Joselito pegou as chaves do fuscão e saiu calmamente rumo ao bar do seu amigo Gil, parceiro de tantos desafios de sinuca, dominó, caxeta e esportes importantes como estes. Ovacionado por seus amigos logo na entrada do bar, entrou desfilando toda sua imponência, no auge de seus quase 120 quilos. Sentado em frente ao balcão com uma garrafa de gasosão de framboesa, seu irmão, Pedro Paulo. Curvado no banco giratório, com a bermuda na altura do umbigo, Pedro Paulo parecia desolado, como sempre, mas demonstrou alegria ao ver o irmão entrando no bar. Levantou e foi abraçá-lo.
- Me poupe dessas frescuras. Vamos logo ao assunto. – E virando-se para o rapaz atrás do balcão – Gil. Desce duas doses de Tonturinha pra nós.
- Mas eu não bebo. Você sabe disso. – Lamuriou o caçula.
- Viu. Começou errado já. Quer se dar bem com as mulheres como, sendo fresco desse jeito. Toma essa porcaria e não chia.
Pedro Paulo colocou um pouco de gasosão dentro do copo de cachaça e virou num gole só, como se tomasse um remédio de gosto horrível. Em poucos segundos já estava tonto e bêbado a ponto de falar qualquer coisa que lhe fosse perguntada. Restava ver se aquilo lhe proporcionava coragem para encarar o grande desafio de tomar a iniciativa com uma mulher. Tudo bem que o Bar Celona não era o lugar ideal para encontrar alguém para ele, mas o papo que seguiria já era o suficiente pra testar um possível desempenho dele em situações mais favoráveis.
- Agora quero mais uma.
- Começou errado e continua errado. Tu não tem jeito, né, desgraçado? Ta de porre já e quer mais uma? Como vais fazer alguma coisa com uma mulher passando desse estado?
Dava pra entender porque os dois não se falavam há tanto tempo.
- Ó, aí, Gil. Não falei que tinha um irmão mais frouxo que cueca sem elástico? Esse é o Pedrinho, meu irmão caçula.
- Deixa o cara, Lito. Ninguém tem que ser igual não. Mas qual o problema dele?
Pedro Paulo ainda tentava se recuperar do gole de Tonturinha enquanto Gil e Joselito conversavam.
- É um frouxo. Não bebe, não fuma, não fode, não joga cartas, sinuca, futebol. Não faz nada o traste. Só se mata na frente daquela televisão e conversando com um cacto de estimação. É uma vergonha.
Semi-recuperado, o alvo das críticas retoma a palavra.
- A culpa disso tudo é tua, que sempre ficou me subestimando, ignorando e intimidando.
- Cala a boca. Tu que sempre foi um frouxo, desde moleque nessa merda de dizer que é tímido e acaba não fazendo nada que presta.
- Pra mim chega. To voltando pro hotel. Amanhã passo lá pra ver meus sobrinhos.
- Nem precisa passar, melhor eles nem verem esse mau exemplo.
Pedro Paulo paga seu gasosão e vai embora, deixando a conta da cachaça para seu irmão. Segue a pé até o hotel, enquanto Joselito continua no bar.
- Vai um sinuquinha aí, Marcel? Quem perder paga uma dose.
Jogando sinuca, Joselito nem lembra que seu irmão passou por ali, mas a recíproca não é nem um pouco verdadeira. Sem conseguir esconder a tristeza, Pedro Paulo entra em um prostíbulo ou, como preferem chamar, casa de tolerância. As cortinas vermelhas e as músicas do ambiente deixam Pedro Paulo constrangido, mas ele precisaria enfrentar aquilo se quisesse provar para seu irmão de que era um cara bom. Ele sabia que seria um tio legal para os pequenos Fotolito e Linotipo, mas precisava primeiro ser razoável com ele mesmo. Depois de uma cachaça, as coisas começam a mudar de figura, mas mesmo assim ele não conseguia se desinibir. Sentou-se numa das cadeiras em frente ao palco e decidiu esperar o efeito do álcool. Cochilou. Dormiu pesado.
- Não é o irmão do Joselito? Vamos lá. Botar o cara pra fazer festa também.
Após horas de sono na cadeira do prostíbulo, foi acordado com surpreendentes abraços masculinos. Eram os seres com mais cheiro de cachaça que ele já tinha visto. Marcel e Gil. Freqüentador e dono do Bar Celona, respectivamente. Juntos, bêbados e prontos para uma noite de esbórnia como qualquer outra.
- Marinês, esse aqui é irmão do Joselito. Parece que ele é meio tímido e não tem muita experiência na coisa. Apresenta a Jucelaine pra ele.
Marinês era a cafetina desde que seu irmão, Rubens, morreu num acidente de moto. Rubens era um dos melhores amigos de Joselito, e Marinês sempre teve “um carinho especial” por esse amigo em específico. Em épocas um pouco mais distantes, antes de casar com Maria das Dores, Joselito até se atreveu a encontrar a irmã do amigo às escondidas. Mas pulou fora quando percebeu que ela além de sexo tinha sentimentos. Mesmo assim, Marinês não tinha ressentimentos em relação à relação que nunca existiu de fato. E não custava nada pra ela oferecer um agrado ao irmão caçula daquele com quem ela sonhava ter casado.
Fez um sinal de positivo para os amigos e saiu em direção ao camarim. Após algumas horas de conversas com a mais famosa de suas garotas, saiu rumo a mesa dos rapazes.
- Os shows só vão começar daqui a uma hora, mas venham comigo que preparei algo especial pra vocês hoje. Considerem que é um presente de natal antecipado para meus clientes mais fiéis. E pra ti, irmãozinho do Lito, só vou retribuir os favores que teu irmão me fez há muito tempo.
Marcel e Gil foram com Jucelaine para um quarto reservado, enquanto Pedro Paulo foi praticamente arrastado pela própria Marinês para outro. Pensou, por um momento que pudesse ainda estar dormindo, sonhando, ou talvez bêbado demais. Em todos os casos, não acreditava se tratar da realidade. Ele? Sendo arrastado para um quarto por uma mulher? Realmente era difícil de imaginar.
Entrando no ambiente preparado para aquilo que Pedro Paulo mais queria e menos fazia na vida, ele quase delirava. Era como se seus desejos mais íntimos virassem realidade “automagicamente”. A luz, fraca no fundo do quarto, era suficiente para realçar os contornos daquela bela mulher que o conduzia pra uma dança inesperada. Pedro Paulo suspirava só de ver as curvas salientes. Marinês não era igual as outras mulheres daquele lugar. Ela apenas administrava a casa e se divertia com um ou outro cliente quando tinha vontade. Pedro Paulo deu sorte de ser imão de Joselito nessa hora. Ela o atacou vorazmente como se tivesse à sua frente o irmão pela qual era apaixonada, mas logo o deixou ir, acabado. Arrastando-se madrugada adentro, Pedro Paulo parou em um bar, comprou fichas de orelhão e ligou para seu querido e estimado irmão.
- Muito obrigado. Você é o máximo! – E desligou sem direito a resposta, partindo em direção ao hotel. Parecia o dia mais feliz da vida de Pedro Paulo, que dormiu feito um anjo na cama dura daquele hotel de quinta categoria.
No dia seguinte ele só tinha duas horas de treinamento e estava livre para fazer turismo até a hora de voltar pra casa. Como era um sábado, Fotolito não tinha aula, e ele estava curioso para conhecer seus sobrinhos. Imaginou dois meninos fortes, como o pai, e já se enchia de orgulho por fazer parte daquela família. Caminhou por horas até encontrar a casa certa, mas quando a fome começou a apertar, acertou a porta.
(Toc Toc)
- Quem é você? – Indaga um pequeno garoto ao abrir a porta.
- Pedro Paulo, irmão do Joselito. Ele ta por aí?
- Paaaaaaaaaaiiiêêêê. Tem um gordinho aqui que diz que é teu irmão.
- Deixa ele entrar. É o Pedrinho.
- Humm. Vamos ver se adivinho. Você é o Linotipo. Certo?
- Não. O Lino ta ali no berço. Eu sou o Fotolito. Fiz oito anos na segunda-feira e esses dias a mamãe me deixou sozinho em casa. Eu não podia mexer no fogão, mas fiquei com fome, daí fiz macarrão instantâneo no chuveiro mesmo. Se você é irmão do papai, quer dizer que é meu tio, não?
“Meu Deus. Enganaram meu irmão. Esse não pode ser filho dele”, pensou Pedro Paulo instantaneamente ao ver o menino franzino que se apresentava à sua frente. No meio do pensamento, Joselito apareceu sem nenhuma empolgação.
- Eu te mato seu desgraçado. Tava bêbado ainda aquela hora da madrugada? Me ligou pra quê?
- Só pra te agradecer por ter feito alguma coisa pra Marinês que eu não sei o que é. Sei que ela gostou e resolveu retribuir pra mim ontem à noite. Tens cigarro? Que tal a gente sair pra jogar um sinuquinha? Ou preferes jogar cartas?
sábado, 16 de maio de 2009
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6 comentários:
Vale comentar que esse texto foi inspirado nos meus personagens do blog www.thiagofloriano.wordpress.com juntamente com o personagem do Kadw (http://falecom.wordpress.com/category/a-vida-de-pepa/). A ideia de reunir o Joselito e o Pepa surgiu no começo da semana passada e esse texto é o primeiro esboço.
Bueno. Vários trocadalhos-do-carilho, bem teu tipinho. Bom, bom.
Eu jurava que no final o tal do Pedrinho ainda ia cantar de galo pra cima do Lito. Merecia.
bar celona? fotolito & linotipo? cara, q balaio vc aprontou, hein? mas ficou massa, com uma boa dose de humor pilantra.
Quando li a primeira palavra, já sabia que era texto do Floriano!
Texto legal, divettido, cheio de trocadilhos canastrões. Eu curti!
Uma observação: a partir de um trecho ("Pedro Paulo pega seu gasosão e vai embora") tu muda o tempo do texto de passado para presente. E, um pouco mais abaixo, volta para o passado. Não sei se foi intencional, mas ficou esquisito.
não foi intencional não, félix... passou batido por falta de revisão mesmo... aquela coisa da correria nossa de cada post... mas não tem desculpa, é falha mesmo...
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