Corria com passos largos, quase aos saltos, colina acima. Não ousava olhar por sobre o ombro. Só ouvia o farfalhar veloz na grama às suas costas. O galpão velho e poeirento da ultrapassada oficina tinha a porta aberta. Refúgio débil, não obstante, um refúgio. Cruzou o vão de entrada e arrastou com esforço a porta de madeira pesada. O facho de luz exterior foi minguando junto com a imagem das perseguidoras. Passou o ferrolho, respirou fundo e colocou o ombro de encontro à porta, projetando todo seu peso. Não tardou para sentir o impacto do outro lado. O choque fez a porta tremer, mas ela se manteve firme e imperturbável. Ele, no entanto, não podia dizer o mesmo. Já o tinham atingido de alguma forma, mas não o tinham alcançado. E por hora isso parecia o suficiente.
Podia ouvi-las através das paredes de madeira. Uma luz frágil entrava filtrada pelo teto de vidro sujo. Dentro, em meio a placas de madeira e restos de serragem, serras, martelos e pregos enferrujados sugeriam armas pouco eficazes. Podia praticamente sentir as criaturas contornando a construção, cercando o barracão. Não eram muitas, mas eram implacáveis. Ouvia o roçar incessante contra as paredes, um choque aqui, um golpe mais adiante. E tudo que o mantinha protegido não era mais que uma tênue fronteira de madeira fina.
Um estalido de madeira partida o pôs em movimento. Driblou o ferramental velho a procura de um local melhor protegido. Pôde ouvir a parede se partindo e as invasoras se arrastando para o interior do velho galpão. Ouvia o som correndo pelos corredores de equipamentos ociosos, já podia sentir o cheiro das criaturas se aproximando. Em um canto, dava as costas à parede para evitar um ataque inesperado. Pôde ver surgir os olhos brilhantes, pregados nele e, mesmo sob a luz filtrada pelo telhado, pôde ver as criaturas se aproximando. Tentou esquivar-se da primeira investida, a segunda arranhou-lhe o corpo. Não pôde evitar a terceira. Quando a criatura se afastou ainda podia sentir as marcas deixadas pelas presas. As criaturas se afastaram um pouco, rondando, enquanto ele se prostrava ao chão. Sentia o conteúdo inoculado percorrer-lhe o corpo até o coração. Sentiu quando lhe subiu pelo peito à cabeça. Sentiu-se transformando.
Quando ergueu a cabeça tinha os mesmo olhos brilhantes das criaturas. Tornou-se um pouco como elas. E elas como ele. Quando o bando partiu, ele estava entre elas. Deixou-se levar, selvagem. Correu como um igual. Farfalhando grama, deixando para trás o galpão envelhecido. Quando se ergueu entre elas, era outro. Quando deu por si, elas não mais o perseguiam. Agora, elas o seguiam.
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
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7 comentários:
Gostei muito do teu texto Rodrigo. Ao contrário de o "Segredo" e do "Branco", deste um sentido mais amplo ao tema. Mostraste-nos de uma forma original,abrangedora e criativa as tuas técnicas de escritas. Enquanto que os outros dois textos (embora muito bem elaborados também) abordaram literalmente o tema proposto.
Gostei
Paula
*abraço
Muito boa a condução da narrativa. A sua história me lembrou Augusto dos Anjos:"Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera."
Beijos
o craa é nariz empinado até pra dizer que copia seus autores preferidos.
hauahuahauahauha
tá, tá, to zoando.
puta texto.
hum... interessante essa leitura. não achei q alguém fosse por aí. Mas o fato do protagonista se enguer entre as criaturas e elas o seguirem não inviabilizaria essa perspectiva? Só levantando comentário pra ver onde vai dar isso e com a discussão melhorar o texto.
a partir do momento em que você "copia" as criaturas, você passa a ter controle sobre elas. é como se tu lesse tanta coisa que fosse perseguido por elas a cada vez que tentasse escrever algo completamente original. Não dá, pois você já tem referencias de tudo que foi feito. daí quando finalmente é atacado pelas criaturas, ou se rende às influencias, você volta a ter o controle da situação, levando o seu texto na direção que você quiser, mesmo ainda utilizando-se das mesmas criaturas pra te acompanhar.
é apenas uma leitura, mas foi o que me veio à mente.
sensacional... literalmente!
Salva de palmas. Escrever está no seu DNA!
Gostei da figura do jogo partilhado entre criador e criaturas e do embate do encontro de ambos universos. Trata-se de um processo contínuo que referenda um momento libertador do qual não temos mais que lutar para extravasar o que está dentro de nós mesmo. Mas, eu penso que o desapego do que já se escreveu é fundamental no exercício da escrita.
Abraços
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