quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O segredo

Dois fortes homens conduziam o escritor a uma sala escura. Um deles o jogou bruscamente sob um chuveiro previamente ligado. A temperatura era baixa. A água fria quase congelava o magro homem barbado, que se contorcia e contraía todos os músculos a cada gota que atingia seu tronco.

- Quais são as suas técnicas, seu inseto desprezível?

A voz vinha de longe, num misto de fúria e incompreensão. Era uma voz retumbante, daquelas impossíveis de se esquecer. O literato permanecia no chão sob a água gélida que vertia do chuveiro. Tentava balbuciar algumas palavras, sem sucesso. A voz inquisitória continuava.

- Impossível que nosso povo idolatre um ser tão fraco, inútil e repugnante quanto este. Que poderia um reles escritor representar a uma nação? Nada. Absolutamente. – Após alguns segundos de reflexão, prosseguiu. – Há algo errado com este traste. Só pode ter lançado algum tipo de feitiço sobre aquela multidão. Só pode.

O tom da voz passara de furioso a lamurioso em questão de poucos minutos. Desiludido, o inquisidor ordena que um dos leões-de-chácara desligasse o chuveiro. A pele do escritor beirava a cor de uma rosa púrpura. Ele tremia.

- Tragam minhas ferramentas! Hoje não saio daqui sem o segredo deste homem.

O frio era tão intenso que o literato parecia vestir uma carapaça. Sua pele estava completamente anestesiada. Não sentiu absolutamente nada ao ter a derme de suas costas aberta por uma navalha. Foi só quando despejaram sobre ele o álcool que pôde perceber o que estava por vir. Aqueles homens estavam determinados.

Navalhas, agulhas, alicates. A caixa de ferramentas prometia. Era inconcebível que, em 2023, ainda se utilizasse técnicas de tortura tão arcaicas. Tentava gritar para que parassem. Suplicava, mas só em pensamento. De sua boca não saiam nada mais do que alguns poucos gemidos secos e abafados, típicos de quem aprendeu a engolir a própria dor.

- Estas porcarias antigas não estão fazendo efeito. Tragam meu brinquedinho novo.

Com semblante assustado, aqueles homens, que antes pareciam forjados em aço, trouxeram o aparelho. O medo estava nitidamente estampado na expressão de cada um.

- Queremos saber quais são suas técnicas. Você fala e paramos com isso de uma vez por todas.

O escritor nem esboça reação enquanto o aparelho é instalado. Fone nos ouvidos. Óculos. Eletrodos. Amarras esticadas para impedir qualquer movimento dos membros.

- Coloquem três segundos!

Enquanto o aparelho emitia sons, luzes e conduzia eletricidade pelo corpo do literato, só se ouvia um sussurro cansado.

- Piedade... piedade..........
- É simples e fácil! Seremos piedosos se contares o que queremos.

O escritor não esboça reação mais uma vez, aumentando a fúria do inquisidor, que toma medidas desesperadas.

- Coloquem cinco segundos em potência máxima!
- Mas isso pode matá-lo – responde um dos homens, surpreso. – Ainda não sabemos o efeito de uma exposição dessa magnitude, senhor!
- Então correremos o risco.

Os homens obedecem prontamente. Com o equipamento preparado para a dose possivelmente fatal, o inquisidor pergunta pela última vez.

- Quais são as tuas técnicas, senhor?!

Após alguns segundos de silêncio, o pequeno homem se contorcia por cinco intermináveis segundos até quebrar alguns de seus ossos com a própria força empregada.

- E... eu... eu fa-lo.

A razão já tinha se esvaído de seu cérebro. Logo contaria seu segredo maior: sua técnica para escrever.

- Preparem sete segundos. Se ele não falar, acabamos com isso de uma vez! – Ordena, impaciente, o inquisidor.

O escritor tenta falar, mas tem muita dificuldade em articular as palavras.

- Esf... esf-fero-grá-fi-ca em... em... pa-pa-pel ras-cunho.

Foram apenas mais sete segundos até a eternidade.

6 comentários:

Flavia disse...

Gostei!!

Schali Loureiro disse...

Nossa! Genial do início ao fim!
Parabéns Thiago!

Anônimo disse...

muito bom, muito bom.
só não sei se precisaria do futuro, nesse caso. Acabou tirando a atenção do mais importante. Se não tivesse falado nada sobre o período da historia, nem detalhado o super equipamento, tendo feito uma tortura normal, manteria nossa atenção mais presa no fato em si.
mas adorei.

Rodrigo Oliveira disse...

Faço eco ao Fábio. E só acrescento q o lance do "brinquedinho" (a expressão em si) achei um pouco batida meio dublagem da globo. Mas o aprelho em si, achei mto bacana. Meio laranja mecânica. Mas com me pareceu com a programação da tv aberta... :)

Thiago Floriano disse...

valeu, rodrigo... realmente a cena de laranja mecânica me veio à mente quando tava escrevendo... aliás, se alguém tiver esse livro pra emprestar, estou à procura!

Vivi disse...

Gostei da trilha do seus pensamentos para a criação do texto. O desfecho causa surpresa. Muito bom!!!