terça-feira, 15 de setembro de 2009

Chuva

Lembro muito bem daqueles dias. Brincávamos na rua quase deserta a qualquer hora do dia. Aquela rua era o nosso mundo, nosso império. Lá, éramos o que quiséssemos. Eu era um rei. Você, minha rainha. Inventávamos as leis, as regras de conduta de um mundo perfeito onde só havia eu e você. E todas as tardes, quando o sol se derretia sobre nós com suas luzes avermelhadas, nos despedíamos, sobre as bicicletas, com desejos de boa noite e um inesquecível "até amanhã".

Impossível não lembrar daqueles dias, onde não havia medos ou incertezas. Dias em que o maior desastre que poderia acontecer era a chuva chegar com seus pingos que a afastavam de mim. Mas outro dia viria, e com ele, outro sol. E, numa prece desesperada, eu desenhava um sol enorme. O sol que a chuva apagou. Um sol grande e redondo, que tomava toda a rua. E quando acabava o giz, eu corria para buscar tijolo da construção. E desenhava, grande e redondo, o sol para trazer você pra mim.

E você me chamava de bobo e me dava um beijo no rosto. E eu flutuava, a centímetros do chão, enquanto caminhava ao seu lado. E você me perguntava por que é que eu desenhava um sol tão grande, me perguntava se eu não gostava da chuva. E eu dizia que não, que era a chuva que te deixava longe de mim. E você sorria mais uma vez, e me chamava de bobo. Bobo, você dizia, pois você sempre iria voltar.

Mas não voltava. E cada vez demorava mais para aparecer depois de um dia de chuva. E eu te via pela janela, rindo ao telefone, e os sóis de tijolo já não eram suficiente. E os corações entalhados em árvores também não chegariam a ser.

E os dias foram passando. E trazendo com eles mais chuva. Mais chuva. Mais chuva. Mais chuva para dentro de mim.

2 comentários:

Rodrigo Oliveira disse...

Que moça! Achei que fosse a Marina.
Mas tá bem bonitinho, ao menos. As construções ficaram bem suaves (fora aquela com o trecho da música, que ficou meio forçado). Sensível, delicado. Gostei.
Mas tu tá enviadando.

Marina Melz disse...

Me lembrou uma música (aé?) do LObão (hã?) com o Zeca Baleiro (aé?) que diz "eu tô chovendo muito mais do lá fora. Lá fora é só água caindo enquanto aqui dentro cai a chuva". Gostei. Fofo. Óun. (Rodrigo, me senti mais menina com teu comentário. Obrigada.)