O espirro lhe veio de repente. Quase deu com a testa contra a parede de tijolos ainda por terminar. Viu despencar-lhe, da franja mal cortada do cabelo, um pó vermelho fino, enrubescendo toda a visão da construção. Homens simples espalhados aqui e ali. Pais de família ou de famílias ainda por vir. Todos construindo juntos um prédio no qual nenhum deles moraria. Teriam, certamente, de usar apenas o elevador de serviços caso algum dia o visitassem depois de pronto. Todos avermelhados pelo sol ou pelos tijolos das paredes, do teto, pulverizados no ar e nos cabelos como um peso polvilhado sem economia. As partículas diminutas descendo devagar no ar, como se decantassem com os pensamentos embolados.
Lembrou de quando via o mundo esbranquiçado. A mesma rinite a castigar-lhe o nariz, do mesmo modo coberto de pó. Quase pôde ver o quadro negro à sua frente, se formando sobre a parede de tijolos enquanto o pó vermelho ia assentando no chão. Na época os espirros eram seguidos duma nevasca branca de giz e risadas de alunos muito novos para estarem nas construções que lhes aguardavam em breve. Ele dividia as risadas da mesma forma, achando graça da cabeça, ombros, mãos e roupas esbranquiçadas. Era preciso se sujar para ensinar, ele sempre dizia.
Mas com as últimas partículas vermelhas pairando baixo, foi-se também a imagem do quadro. E ele via apenas a parede vermelha à sua frente novamente. O rubro refletido na face, espargido no corpo, penetrando-lhe os poros. As risadas já eram mais raras, a carga mais pesada. E não havia mais o giz nas mãos. Restavam-lhe apenas os tijolos e parede a erguer. O prédio a construir.
Deixou, perdido nas próprias memórias que estava, um tijolo cair-lhe das mãos e espatifar-se no chão. Os companheiros mais próximos deram uma risada que ele retribuiu com o gosto das raras oportunidades que não se devem deixar passar. Abaixou-se para retomar a peça estilhaçada e, numa lasca estreita, viu, em meio ao vermelho, o cair de um pó branco que se precipitava dos cabelos. Não viu o brilho nos próprios olhos nem os lábios arquearem para cima. Tudo o que via era o pó vermelho empalidecendo branco. Num sopro poderoso o pó se ergueu, já branco e deu contra uma parede já quase toda caiada de cimento.
Olhou rindo para os amigos próximos, que sorriam sem muito saber porquê. Levou a lasca até a parede. Quando a ponta tocou o cimento, pode ver uma cor esbranquiçada tomar conta da lasca, subindo pela ponta em contato com a parede até a outra extremidade, em suas mãos. Os companheiros aproximaram-se curiosos. A lasca vermelha rabiscava contra a parede um pequeno mapa do estado sertanejo. Desenhava rabiscos como árvores da caatinga, enquanto começava a relatar o relevo do local, suas plantas, animais. Virou-se aos amigos que assistiam e sorriu para a pequena plateia que se formara. Estava, novamente, depois de muito tempo, coberto de giz e com a rinite atacada pelo pó branco. E ria como ria antigamente. As paredes continuavam vermelhas, como os homens cobertos de pó. Um deles, no entanto, por uma tarde, veria o mundo com vira antigamente. Onde o pó era pálido e as esperanças pairavam com ele no ar. Quando o pó do giz ainda não havia sido suplantado pelo dos tijolos avermelhados das construções.
terça-feira, 15 de setembro de 2009
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3 comentários:
Quantos textos bonitos escritos só com giz e tijolo...
Algumas belíssimas passagens, umas frases meio confusas. Mas, no geral, bacanão.
Concordo com a Marina.
No início achei que se trataria de alguém que precisou parar de estudar para virar pedreiro. A crítica social seria ainda mais forte se isso ficasse mais claro. AO invés de trabalhar com a imagem de professor.
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